Foi emocionalmente fria a saída de Jerónimo de Sousa? Na conferência nacional, sim, muito. Os comunistas não queriam emoção este fim de semana. Queriam mudar de líder sem personalizar ninguém e não fazer do encontro de Corroios uma choradeira que tivesse como ponto único a despedida do secretário-geral.

Segundo um dirigente do Comité Central, era preciso ajudar o antigo metalúrgico a sair da liderança com dignidade. E fazer uma renovação na continuidade.

A estratégia é de "reforço do partido". Tomar já as rédeas da contestação social e a presença nas ruas, contar não só com comunistas e com operários, mas ter braços de polvo onde todos contam, de todos os quadrantes, onde até os eventuais socialistas descontentes podem ser convencidos.

Era preciso mudar de líder para isto? Não. A transição suave e ultra discreta entre Jerónimo de Sousa e Paulo Raimundo é prova disso. Mas com Jerónimo já não seria possível ao partido meter o turbo como se exige agora, ter presença agressiva e permanente nas ruas. Fazer os tais dois mil quilómetros ao fim de semana, que o ex-líder, por óbvias questões de saúde e de idade, já não aguenta.

As regionais da Madeira em setembro de 2023 não serão, de todo, o barómetro para o partido, mas os resultados das europeias de 2024 já dirão alguma coisa sobre a estratégia adotada pela cúpula comunista a partir desta conferência nacional.

Na verdade, se o toque a rebate de Corroios não tiver sequência e resultados eleitorais, não serão assacadas responsabilidades a Paulo Raimundo, o novo líder eleito este sábado pelo Comité Central, como disse o dirigente nacional João Oliveira em entrevista à Renascença e ao Público.

A questão é que aí o partido entra num outro patamar. Um patamar onde já esteve, é certo. A clandestinidade não é propriamente uma desconhecida para os comunistas. Mas perante uma eventual ausência total de representação parlamentar, de influência política, só sobra a contestação social e a presença nas ruas.

Antes de chegar a tal cenário limite, os comunistas tentam inverter a ordem dos acontecimentos e (re)iniciar já a colagem do partido com as ruas. O período da geringonça esfriou essa relação, os movimentos inorgânicos e um novo tipo de sindicalismo tornaram as antigas maneiras de ligação aos trabalhadores nisso mesmo. Numa velha e antiga maneira de fazer e chegar à contestação social.

Afinal, o que distingue a conferência nacional do PCP deste fim de semana de um congresso de qualquer partido? Tudo. A começar pela teimosia do PCP em não fazer congressos antecipados, chamou-lhe conferência para não chamar congresso porque o próximo só deve acontecer daqui a dois anos, e fazer um congresso antecipado seria reconhecer publicamente o momento político do partido que está em autêntico estado de aflição e a lutar pela sobrevivência.

Qualquer outro partido democrático discutiria abertamente as razões do desastre eleitoral que diminuiu para metade o grupo parlamentar. E os candidatos a líder diriam publicamente o que pretendem fazer para inverter a queda quando o ciclo eleitoral começar a apertar a sério.

No PCP, dizem que essa discussão foi feita pelas bases, assim como a definição da estratégia e refletido no documento com que chegam a esta conferência. Mas a escolha de Paulo Raimundo é bem sinal de como tudo no PCP é bem diferente do que se passa nos outros e sempre igual ao que se passa no partido com paredes de betão.