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​Uma cimeira da tolerância e da serenidade. Ideias e conclusões da Conferência Bola Branca

03 jun, 2019 - 19:26 • Redação

Rui Vitória, José Peseiro, Domingos Paciência, José Couceiro, Nuno Gomes, Maniche, João Capela e João Paulo Rebelo foram alguns dos protagonistas que estiveram no auditório da Renascença, em Lisboa, para reduzir o tom da polémica em torno do futebol nacional.

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Durante um dia a Bola Branca, a histórica marca de Desporto da Renascença, desafiou os principais agentes do futebol profissional português, entre eles Governo, dirigentes, treinadores, árbitros, jogadores, ex-jogadores internacionais, a defenderem propostas concretas para mudar o clima de crispação existente na indústria do futebol em Portugal.

Os diferentes convidados não recusaram o repto e marcaram presença no auditório da Renascença, em Lisboa, com diversas ideias e já mudanças confirmadas no paradigma do futebol português.

Governo abre o debate

O debate arrancou às 9h00, com João Paulo Rebelo, secretário de Estado da Juventude e do Desporto, a lamentar as "atrocidades ditas e feitas aos árbitros", e a violência no desporto.

Seguiu-se Sónia Carneiro, diretora executiva da Liga Portugal, que confirmou a primeira novidade do dia: a limitação de jogos à segunda-feira, ficando reservados para as equipas que disputem jogos a meio da semana anterior.

A dirigente da Liga de Clubes deixou ainda o conselho aos clubes portugueses, utilizando como exemplo o Famalicão, clube recém-promovido à I Liga, para "criarem uma maior ligação com a população das próprias cidades".

Pedro Mil-Homens, responsável da formação do Benfica, Tomaz Morais, da Academia do Sporting, concordam numa maior aposta na educação dos jovens jogadores. "É preciso ter maior consciência que são seres humanos, que devem ser formados dentro e fora de campo", disse o dirigente encarnado.

Benfica pede maior diálogo. Peseiro pede cimeira dos “três grandes”

Varandas Fernandes, vice-presidente do Benfica, deixou críticas ao FC Porto e restantes rivais, para que não se tentem encontrar bodes expiatórios nas derrotas.

"Temos de disciplinar o futebol. Nós não olhamos para a casa do vizinho. Os outros clubes também devem seguir o seu próprio caminho e olhar para dentro. Quando se ganha tem de haver recato. Quando se perde não se pode culpar os outros", disse. O dirigente das águias pede um maior diálogo entre os clubes portugueses, para uma forma de maior organização e projeção do futebol nacional.

José Peseiro, antigo treinador do Sporting, sucedeu ao dirigente encarnado nesta I Conferência Bola Branca, e pediu "coragem" ao Benfica para colocar em prática as medidas promulgadas pelo vice-presidente. "É essencial uma cimeira dos grandes. Se o Benfica reúne 60% das pessoas em Portugal, porque não é ele próprio a desafiar os três grandes para uma cimeira sobre a situação do futebol português, já que a Liga não consegue fazer isso? Que tenha coragem, não se pode defender só o Benfica quando o futebol é uma indústria".

O técnico, com vasta experiência no futebol português e internacional, acusou o Benfica de alguma hipocrisia, no discurso do vice-presidente na Conferência Bola Branca. "Não podemos dizer está tudo bem em nossa casa e mal nas dos outros quando há dirigentes todas as semanas a atacar a arbitragem e presidentes a dizer que um árbitro não pode apitar mais", insistiu Peseiro, em alusão ao presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, que disse que Fábio Veríssimo "não podia apitar mais", após um clássico com o FC Porto.

Dirigismo moderno e redução do preço dos bilhetes

Rahim Ahamad, diretor do Conselho Diretivo do Sporting, foi o representante dos leões na conferência, pede para que se valorize "o dirigismo moderno e positivo", com uma nova geração de dirigentes, que valorizem "da marca futebol, sem hipocrisias".

Bola Branca deu ainda voz aos antigos jogadores Nuno Gomes, Marco Caneira e Maniche, que apontou quatro problemas no futebol nacional: "os bilhetes estão altíssimos, os horários dos jogos extremamente tardios e as pessoas têm medo de levar os filhos ao futebol".

Nuno Gomes partilhou o problema dos horários dos jogos, que tem retirado as famílias dos estádios. "Basta calendarizar com mais antecedência os jogos, permitindo às famílias organizar a sua vida", defendeu.

Comunicação tóxica

Marco Caneira, Maniche e Nuno Gomes partilharam a preocupação em relação aos programas desportivos e estratégias de comunicação dos clubes, que contribuem para o ambiente de crispação no futebol nacional.

“As estratégias de comunicação estão tóxicas, roçam a má educação. Alguns diretores são autênticas ‘superstars’ nas redes sociais, e isso afasta as pessoas do estádio. Não podemos ter pessoas a comentar, com pessoas sem sensibilidade do que é um relvado, um balneário, e que emitam opiniões sem fundamento só pela questão das audiências", disse Maniche.

Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores, sugere que "na distribuição das receitas, poderiam dar uma maior receita em clubes que fazem a aposta na formação” e alerta para as crescentes divergências entre SADs e clubes, com o Belenenses com maior exemplo.

José Pereira, presidente do Sindicato dos Treinadores, pede novas formas de garantir a sustentabilidade dos clubes. "Os jogadores não obrigados a pagar a fatura dos erros dos clubes, como se viu com o Arouca e o Nacional. A direção do Arouca foi de férias, com um grande desrespeito. O Nacional ameaçou despedimentos coletivos. São dois exemplos como é preciso regular mais. Dois clubes profissionais que deveriam ter pressupostos financeiros que permitisse a garantia do cumprimento das obrigações."

Escrutínio na arbitragem

Ação e serenidade são dois aspetos em falta no futebol português, disse João Capela, árbitro internacional. “Em termos de mudança, acho que a arbitragem neste momento precisa de serenidade, de estabilidade e de tempo para se adaptar a esta nova realidade. Acho que o que falta ao futebol português é agir sobre aquilo que já está feito", disse.

Duarte Gomes, antigo árbitro internacional, deixa uma mensagem mais positiva em relação ao panorama atual da profissão em Portugal, apesar de não perspetivar um futuro positivo.

"A arbitragem nos últimos anos evoluiu muito e está quase num regime de profissionalismo ótimo, para lá caminha. Mas este ruído continua. Esta vontade de mostrar que a arbitragem é o parente pobre do futebol existe desde sempre. Eu não sou hipócrita: eu acho que isto tem poucas condições para melhorar a curto prazo”, disse.

O debate terminou com o árbitro João Capela a mostrar o cartão branco ao jornalista Carlos Dias, em sinal de "fair play".

Os conselhos de Rui Vitória

Rui Vitória, antigo treinador do Benfica encerrou a Conferência Bola Branca, e critica o ambiente pouco saudável vivido no futebol português, em comparação com o que experienciou na Arábia Saudita, onde treina o Al-Nassr.

"Há muitas coisas a pensar no futebol português, mas há um aspeto em comum. Quem trabalha em França, ou Inglaterra, diz sempre que é muito mais saudável. Na Arábia Saudita, sinto o mesmo, que o futebol é muito mais saudável, na forma como as pessoas olham para o fenómeno. Há uma grande rivalidade entre os clubes, mas as pessoas circulam com as bandeiras ao lado umas das outras. Fui ao estádio do Al Hilal, o rival, e fui tratado muito bem. Há essa parte saudável, que não há em Portugal".

O técnico, bicampeão nacional, elogia os árbitros portugueses e lamenta a pressão e consequências de uma má ação durante uma partida.

"Já convivi com muitos árbitros e acho que os nosso são bons, não são todos claro, mas ninguém resiste a este clima que existe. Sentimos a dificuldade de tomar uma decisão num segundo. Ninguém está preparado para tudo o que envolve a arbitragem, sem ser arbitrar um jogo. O problema está que os clubes acham que podem influenciar a arbitragem, e é permitido. O árbitro não consegue fugir desta teia".

Os programas televisivos sobre futebol foram alvo de crítica durante toda a conferência, opiniões sublinhadas por Rui Vitória. "Não tenho nada contra que as pessoas falem, mas custa-me ouvir alguns discursos com um 'pseudo' conhecimento de causa, até fico a pensar que não percebo nada de futebol. Eu não teria a coragem de falar de outra modalidade qualquer, que tenho conhecimento, quanto mais de outra área. É um dos problemas, sim, é uma parte pouco saudável".

Rui Vitória deixou ainda conselhos em relação à recalendarização da Taça da Liga, para evitar a condensação de jogos durante o mês de janeiro, e elogia o trabalho na formação do Sporting e FC Porto.

"O FC Porto foi campeão da Youth League, campeão da II Liga, o Sporting tem uma linha de jogadores atrás, que pergunto se não se aproveita nenhum? Se temos de formar um plantel com 26 jogadores, espaço para três ou quatro jovens. Eventualmente terá oportunidade, e veremos se agarra ou não", concluiu.

Um total de 27 convidados passaram pelo auditório de Renascença e deixaram o seu contributo para reduzir o tom da controvérsia no futebol português.

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  • Manuel
    17 set, 2019 Moura 14:19
    Esta noticia está aqui " plantada " há 3 meses, será que se esqueceram de tirar?
  • 03 jun, 2019 22:02
    O fim de semana que passou foi para mim um recordar de de 45 anos. Refiro-me às cerimónias de Jonas Malheiro Savimbi. Esta semana começou com a Conferência RR sobre " como melhorar o futebol ". Falo de um para comparar com o outro, caso. Há 45anos fui militar ( obrigado ) na Província do Bié em Angola. Conheci toda a Província, fui muitas, mas muitas vezes ao Andulo. Devo dizer que tenho SAUDADES daquela Terra. Vim embora em finais de 1974. Pouco tempo depois deu-se a Guerra Civil, a guerra de GUERRILHA do Kuito. Foi o que foi até finais de 88 e nunca mais aquela Província foi e é o que FOI. Foi um cruzar de acusações que parece terem terminado este fim de semana. Será que terminaram mesmo. Pois bem, aqui e no que diz respeito ao Futebol há quantos ANOS existe esta guerrilha entre SUL/NORTE ou vice-versa? Não pense ninguém que possa haver PAZ LINGUÍSTICA no Futebol Português. A troca de GALHARDETES vai continuar. Acusações vão continuar. Não vai haver CIMEIRA que salve este estado de coisas. Não s(ejamos)ou ingénuo para acreditar ou ter esperança que isso possa acontecer. Os acontecimentos MUNDIAIS dizem-nos que o Homem é um ser EGOÍSTA e como tal é só esperar para ver. Claro que aqui e agora poderia explicar melhor esta minha visão, mas, seria logo mal entendido ou talvez alcunhado de um MAL FALANTE. Não, não é dizer MAL é dizer que o simpaticamente CORRETO não existe na CABECINHA dos Homens do Futebol. Ninguém, mas mesmo ninguém quer perder o PODER que tem. Um dia PERDE.

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