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O Governo considera que o artigo do Orçamento a impedir a transferência de cerca de 476 milhões de euros para o Fundo de Resolução pode ser inconstitucional e admite pedir a fiscalização da norma que foi aprovada no Parlamento esta quinta-feira de manhã.

Em declarações à Renascença, o ministro das Finanças, João Leão, disse que o artigo proposto pelo Bloco de Esquerda, e que teve o apoio do PSD, viola a Constituição.

De acordo com João Leão, não cumpre o princípio do respeito pelos compromissos anteriormente assumidos.

A lei de enquadramento orçamental, recorda João Leão, prevê que o Orçamento do Estado tem de respeitar compromissos anteriormente assumidos.

E, então, como prevê o Governo resolver a situação? “Uma das possibilidades é suscitar a fiscalização da norma junto do Tribunal Constitucional”, respondeu João Leão à Renascença, nos corredores do Parlamento, antes do encerramento da discussão orçamental.

Minutos depois, na intervenção no plenário da Assembleia da República, o ministro das Finanças reforçou a ideia e acusou o PSD de "uma impressionante falta de responsabilidade" ao proibir hoje a transferência para o Novo Banco e disse que o maior partido da oposição "parece envergonhado do que acabou de aprovar".

"O PSD quer obrigar o Estado a entrar em incumprimento perante um contrato que assinou, em relação aos compromissos internacionais que assumiu perante a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu", disse o governante.

"Como pode o PSD querer que se levantem dúvidas sobre a fiabilidade e credibilidade internacional do país ? Como pode o PSD querer colocar em causa a estabilidade do sistema financeiro?", questionou.

Para João Leão, o bloqueio da transferência de cerca de 476 milhões "seria brincar com o fogo em relação a um banco que tem mais de um milhão de portugueses como depositantes".

"Tudo faremos para que ninguém se queime neste processo", sublinhou.

A proposta aprovada "viola a lei de enquadramento orçamental, que obrigado o Estado a orçamentar os compromissos assumidos. O Estado honrará como sempre os seus compromissos. Nisso estamos de consciência tranquila", garantiu o ministro das Finanças.


Constitucionalista dá razão ao Governo

A posição do ministro é apoiada pelo constitucionalista Paulo Otero. Este professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de Lisboa afirma que está em causa uma violação clara do artigo da Constituição, que impõe o cumprimento das obrigações emergentes dos contratos assinados pelo Estado.

“À luz da Constituição, a elaboração do Orçamento tem de respeitar obrigações emergentes de contratos que vinculem o Estado. É isto que diz o número 2 do artigo 105. Aprovando a proibição dessa transferência – se essa transferência constar como consta de um contrato – isso significa que a solução do Orçamento é inconstitucional”, explica Paulo Otero, em declarações à Renascença.

Não é todo o Orçamento que fica em causa, mas apenas o artigo aprovado para impedir a nova transferência do Estado para o Fundo de Resolução e deste para o para o Novo Banco. Se o Presidente da República tiver dúvidas sobre a sua constitucionalidade, pode requerer a apreciação preventiva e nesse caso o OE não poderia entrar em vigor no dia 1 de janeiro, e o país teria de ficar a viver num sistema de duodécimos. É uma das soluções possíveis, mas há outras.

“O Presidente promulga, mas não está impedido de desencadear a fiscalização sucessiva do Orçamento, seja o Presidente, o Governo ou um conjunto de deputados. Já aconteceu anteriormente”, acrescenta Paulo Otero.

Ou seja, o Presidente pode promulgar o Orçamento e pedir ao Tribunal Constitucional que fiscalize a norma em causa. Esse pedido também pode ser feito por um décimo dos deputados eleitos (23).

Uma terceira hipótese pode ser desencadeada pelo Novo Banco. “O Novo Banco não está impedido de impugnar judicialmente a disposição do orçamento e pedir, junto do tribunal em causa, a inconstitucionalidade em relação à solução”, afirma Paulo Otero.