Não é indiferente para Adelino Gomes que esta memória seja desfiada com o vagar possível na Renascença, rádio onde trabalhou antes do 25 de Abril de 1974.

Do Terreiro do Paço ao Largo do Carmo, a conversa passa por várias moradas, recuperando emoções, surpresas e medos. Também incompreensões e inquietações e até perguntas por fazer por quem aos 79 anos ainda procura originais perdidos nas gavetas da sua carreira.

O objetivo era falar da reportagem mais marcante da vida de um dos mais conceituados jornalistas portugueses.

Tudo o que foi eliminado no registo sonoro integral que pode aqui escutar foi um inesperado toque de um telemóvel que não quis estar em silêncio perante o relato do dia mais feliz da vida do seu portador.

Quando é que o cidadão Adelino Gomes se tornou jornalista no dia 25 de Abril de 1974?

Eu desci como cidadão. Era jornalista numa revista da oposição, a “Seara Nova”, que era mensal. O número que ia sair a 1 de junho tinha já entrado na tipografia. Quando saí, ia como cidadão, à procura daquilo que me tinham dito: “Lisboa está cercada”. Andei à procura de onde começava o cerco e, como tanta gente, cheguei ao Terreiro do Paço. Aí ainda era cidadão.

Os militares não deixavam passar e nós, da rádio, não tínhamos carteira profissional. Aliás, mesmo entre os jornalistas da imprensa escrita, só aqueles que trabalhassem em jornais diários tinham carteira profissional. Por exemplo, os jornalistas de “A Bola” não tinham e, no entanto, do meu ponto de vista, faziam o melhor jornalismo que então se fazia.

Não consegui convencer os soldados a deixarem-me passar. Até que apareceu um fotógrafo, Carlos Gil, que infelizmente morreu muito cedo.

- “Ó Carlos Gil! Explica aqui a estes soldados, pá, que eu também sou jornalista!”.

E ele lá conseguiu convencer os soldados e eu entrei. Ainda não passei a ser jornalista, na medida em que nem levava uma caneta...

E mais: tinha uma dúvida - que era aquela que era necessária - eu e milhares de pessoas que estavam ali.

O que é que se está a passar?

Não, de que lado é que estes tipos estão.

Se era [um golpe] de direita de Kaúlza de Arriaga..

Exatamente.

Ou se era algo...

Dos tais capitães, do tal “movimento de capitães”. Eu tinha algumas informações por trabalhar na revista “Seara Nova”.

Ao longo de 50 anos houve muita gente que disse que se falava de “algo”. O que é um pouco estranho porque, apesar de tudo, havia algum segredo na operação. Até que ponto realmente se sabia de “algo”? Ou é também uma construção em que se juntam algumas peças à posteriori sobre conversas que se ouviram aqui ou ali?

“Não sei em que medida é que o cidadão normal sabia. As pessoas que estavam na comunicação social iam sabendo. E uma pessoa como eu, que estava numa revista chamada “Seara Nova”, sabia ainda por outras razões acrescidas. As pessoas da oposição sabiam de maneira geral, até porque alguns comunicados desse “movimento dos capitães” chegavam às pessoas. Não eram publicados, mas chegavam às pessoas mais informadas”

No meu caso, tinha uma razão. No dia 17 ou 18 de março - portanto a seguir ao golpe de 16 de março - quando eu cheguei à “Seara Nova”, a senhora que estava de serviço logo de manhãzinha disse-me: “não vá para a sua sala, porque vai haver aqui uma conferência de imprensa com uns jornalistas estrangeiros e eu já estive ali a preparar aquilo tudo”.

Lá fui para outro sítio, daí a pouco eles chegaram e fui para lá ouvir a conferência de imprensa clandestina sobre o que é que se tinha passado dois ou três dias antes. Quem é que eles eram? Gostava eu ainda hoje de saber. Ainda há pouco tempo estive em Paris a ler tudo o que foi escrito pelos enviados especiais no 16 de março para saber se encontrava lá a história.

Mas a história era realmente clandestina. Eram dois elementos do Movimento das Forças Armadas levados pelo então aspirante miliciano chamado António Reis, [depois] grande historiador e que também fazia parte da equipa da “Seara Nova”.

Ele estava colocado na Escola Prática de Administração Militar e depois do trabalho, todos os dias, ia para a “Seara Nova”. Ele tinha sido conquistado para o movimento clandestino dos capitães pelo capitão Teófilo Bento e pelo alferes Geraldes, que, entretanto, foram encarregues de ocupar a RTP quando o golpe se fizesse, porque a RTP era ali mesmo ao pé, no Lumiar.

“Nós vamos fazer mesmo um golpe de Estado”

Estavam cá muitos jornalistas estrangeiros, como de costume. Como todos fazíamos quando íamos a um sítio qualquer, eles iam ouvir as fontes oficiais do regime, seja ele uma ditadura ou lá o que for, e depois ouvir os da oposição e até aqueles que seriam clandestinos. Os jornalistas estrangeiros que vinham a Portugal iam normalmente ao jornal "República", ao "Diário de Lisboa" e à revista “Seara Nova”. Contactavam jornalistas que estivessem aí e faziam uma conferência de imprensa clandestina.

É aí que começa a ter informações sobre o que poderia acontecer?

Ali eu fiquei a saber, na verdade, que existiam mesmo aqueles fulanos de quem falávamos.

​Adelino Gomes descreve os contactos em que Teófilo Bento pede informações sobre as instalações da RTP, que este iria ocupar no golpe militar de 25 de Abril.

Dez dias depois, esse capitão procurou-me na “Seara Nova”, porque, entretanto, alguém lhe tinha dito que eu era um homem da rádio e da televisão, embora tenha passado vagamente pela RTP. Ele foi à “Seara Nova” e disse: “Nós vamos fazer mesmo um golpe de Estado”. Dizem-me que você trabalhou na rádio e na televisão. Somos nós que vamos ocupar a RTP. Precisamos também de informações sobre a rádio. Diga-me lá quem é que a gente deve neutralizar?”

O Adelino fez um croqui da RTP.

Isso é o fim disto. A primeira pergunta foi: “quem é que a gente deve neutralizar na rádio?” Eu fiquei aflito. Neutralizar, na linguagem militar, significa dar um tiro ou pelo menos prender. “Na Emissora Nacional, não conheço ninguém, é porta-voz do regime. E no Rádio Clube Português? Há dois ou três assim mais conservadores, mas ninguém é contra uma mudança de regime ou vai telefonar para a PIDE”.

Lá lhe dei os nomes – foi mesmo assim – do Joaquim Furtado, do Júlio Isidro, do João Paulo Guerra. Da Rádio Renascença, não me perguntou nada. E depois continuou: "Digam-me lá uma coisa. Um tipo quando chega às instalações da RTP no Lumiar, onde é que está o primeiro polícia que a gente encontra?”. A verdade é que fiquei a saber [do golpe] e fiz o tal croqui.

Tentou desenhar onde é que as coisas estavam ali distribuídas?

Desenhei muito mal. Mas a verdade é que, três dias depois do 25 de Abril, fui à RTP - estava desempregado e a pensar que podia ir para ali trabalhar, mas acabei por ser convidado para ir para o Rádio Clube Português.

Ele estava lá na RTP, mas rodeado de pessoas. A seguir ao 25 de Abril, um militar tinha toda a gente à volta dele porque na cabeça das pessoas era garantido que qualquer militar era o mais virtuoso homem no mundo e no universo. Quando me viu, tirou o meu croqui da farda e disse: “eu ocupei isto com o croqui feito por aquele senhor”. Foi uma honra para mim. A verdade é que eu não acreditava muito, tinha aquela dúvida, até pela maneira como ele se comportou.

“Na Baixa, a primeira questão tem a ver com isso. Estes tipos eram “os tais” - essa era a minha questão, mas parece que também eram para outras pessoas - ou são os do Kaúlza [de Arriaga, general] porque isso foi tornado público. Embora a Censura não deixasse passar tudo, houve uma denúncia e, portanto, havia a ideia de que Kaúlza estava a preparar-se para fazer um ‘golpe antes do golpe”

Vou-lhe dizer exatamente como pensei quando cheguei ali: “estes tipos são de de Cavalaria, que tem um bocado da fama de uma arma conservadora”. As grandes famílias tinham sempre pessoas na Cavalaria e tudo isso desde o passado longínquo.

Tinham aqueles capacetes que brilhavam assim àquele solzinho entre as nuvens brancas daquela quinta-feira, 25 de Abril. Aquilo brilhava e sabe o que é que a mim me lembrava - e depois vim a saber, lembrava a outra gente? Ao golpe de Estado de Pinochet em la Moneda [Santiago do Chile] que tinha sido a 11 de setembro de 1973, seis a sete meses antes.

“A minha sorte... o meu 25 de Abril é só sortes. Não digo isto por falsa modéstia. São tantas coincidências que são inacreditáveis”. Adelino Gomes reencontra um antigo colega de liceu, agora figura crucial da operação militar.

Pergunto ao Carlos Gil:

- Já percebeste de que lado é que estes tipos estão?

- Não percebi.

- Mas quem é que está a comandar isto?

- É aquele fulano ali à frente. Chama-se Maia.

- Maia?

Eu sabia que ele tinha andado na tropa, que tinha ido para a Academia e fui lá ter com ele. E ainda não fui jornalista. Disse:

- Ó Maia ! De que lado é que tu estás?

É uma pergunta que um jornalista não faz. [Deveria dizer] De que lado é que o senhor capitão está? Mas aqui não, era o colega. E aí entra a Rádio Renascença. São para aí 10 da manhã e ele respondeu-me com uma pergunta:

- Ó pá, tu não tiveste um problema qualquer, que tiveste que ir para o estrangeiro por causa de umas coisas que disseste num programa na rádio?

Fiquei admiradíssimo que soubesse.

- Sim.

- É pá, estamos a fazer isto para que ninguém mais tenha que sair de Portugal por causa daquilo que diz, escreve ou pensa.

Toda a gente tem o seu 25 de Abril. Ainda hoje a minha definição, o meu 25 de Abril é a liberdade de expressão. E foi feita às 10 da manhã.

- Ó Maia, dá cá um abraço !

E então abraçámo-nos. São dois colegas, não é o jornalista e a sua fonte [de informação].

Contacto com o Limite

Ao longo da reportagem, quando está o microfone ligado, mesmo quando o entrevista, utiliza sempre a expressão “capitão Maia”. É um distanciamento próprio também da profissão?

É que ali, ainda sou eu, o cidadão.

Ainda é o Adelino e o Fernando.

E o Fernando Salgueiro Maia. Só que poucos minutos depois, os fotógrafos ficaram admiradíssimos - ninguém tirou uma fotografia àquele momento, tenho muita pena.

- Esse é teu amigo?

E poucos minutos depois, começámos a ver os soldados, todos a correr para os veículos. E lá veio um fotógrafo qualquer, cujo nome não me lembro.

- Pergunta ao teu amigo para onde é que eles vão!

E eu fui à procura do meu amigo. Portanto, ainda não é o meu entrevistado.

- Ó Maia, o que é que está a acontecer?

- É pá, olha, vou dividir a coluna em duas partes. Uma coluna vai para a Penha de França [onde ficava a Legião Portuguesa] e a outra vai para o Largo do Carmo.

- E tu, para onde é que vais?

-Vou para o Largo do Carmo

- Porquê?

- Porque recebi informações de que está lá o Presidente do Conselho e, provavelmente, também o Chefe de Estado.

E então aí já fui um bocadinho de jornalista. E digo assim: "E nós podemos ir contigo?"

E entra na coluna.

Pois. E ele diz assim:

- Claro!

- Mas para isso tens que arranjar um veículo, uma viatura.

- Tens razão. Arranjem aí um veículo ou uma viatura para os jornalistas!

Na coluna de Salgueiro Maia, Adelino Gomes torna-se oficiosamente jornalista. “Mas ainda não tinha uma caneta, não tinha um microfone. Não tinha nada, não estava a trabalhar na rádio”.

Quando a coluna começa a andar, vêm dois tipos que são os primeiros "homens da Rádio". Isso é muito importante e [há que] também tirar o chapéu também ao programa “Limite”. São os dois primeiros repórteres, durante muito tempo são os únicos repórteres da rádio. Na Baixa, eu não vi nenhum outro repórter da rádio, senão estes dois [Paulo Coelho e Pedro Laranjeira].

Quando estamos a abandonar, a coluna está a partir do Terreiro do Paço pela Rua Augusta e eu, que estou ainda “sem fazer nada”, ajudo os repórteres Pedro Laranjeira e Paulo Coelho a subir [para a viatura]

Não conhecia o Pedro Laranjeira de lado nenhum. Conhecia vagamente Paulo Coelho de o ver dois ou três anos antes na Rádio Renascença, onde ele era locutor.

Mas não eram jornalistas e isso também é importante na forma como o processo segue.

Exatamente. Nenhum deles era jornalista, é muito importante. Portanto, eu ajudo-os a subir. O Paulo Coelho, que era o que me conhecia vagamente, põe o microfone e tinha uma Uher [gravador de bobinas], que não sei se era da Rádio Renascença, penso que era do “Limite”.

Tinha uma Uher que eu também tinha utilizado quando trabalhei no “Página Um”. Durante três meses suspenso aqui na Rádio Renascença - por ordens do Governo, devo dizer - não recebi um tostão e a certa altura, o “Página Um”, com uma bondade infinita, disse que só tinham uma Uher para me pagar.

Estava a nascer o meu segundo filho, estava há três meses desempregado e eles deram-me uma Uher. “Agradeço muito, mas não vou poder alimentar os meus filhos com a Uher”. Mas ainda hoje ainda tenho a Uher.

Silêncio e tanta gente

O Paulo Coelho pega no microfone e diz “temos aqui um jornalista sénior”. Quer dizer, chamou-me velho, não é? Eu tinha para aí oito anos de trabalho.

Tinha 29 anos.

Tinha começado a trabalhar, a profissionalizar-me em 1966. Portanto, oito anos já era um velho, não é?

- Como é que se sente?

Fez-me aquela pergunta muito famosa. Portanto, ainda aqui estava a ser um cidadão.

O cidadão Adelino foi o primeiro entrevistado da reportagem?

Não, não. Antes de mim – descobrimos depois quando fizemos um disco disso - a primeira entrevista é extraordinária. Eu gostava muito de saber e já andei a perguntar a eles e àquele que eu pensava que foi a pessoa que respondeu, que foi aquele que eu e o Alfredo Cunha descobrimos 30 anos depois, o célebre cabo apontador Costa que se recusou a disparar.

Aqui há tempos, perguntei-lhe se se lembrava de ter dado uma entrevista para a Rádio Renascença para o programa "Limite" logo às 7h00 da manhã, porque a voz era muito parecida e ele falava à moda camponesa. A pergunta é muito interessante e é do Pedro Laranjeira, que sobe ao carro de combate M47 e diz assim:

- O senhor está aí em cima num carro de combate, que é um tanque, que é uma arma poderosa. O que é que o senhor vai fazer?

E ele responde – e isso está no disco que andou por aí, mas que foi descontinuado, infelizmente:

- Eu estou aqui. E, à ordem do comandante, disparo.

O primeiro entrevistado foi um cabo apontador do M47. E por aquilo que eu vi quando estivemos a depois a fazer a montagem do disco, o segundo entrevistado, fui eu. Não faço ideia, mas disse “olhe, sinto não sei o quê”. Só que no final o repórter parou o gravador.

Naquela hora e tal em que eu já lá estava, ninguém dizia nada. Era o silêncio dos 48 anos que se estava a prolongar naquela manhã do 25 de Abril e só quando a coluna começou a andar é que as pessoas começaram a falar.

Não me canso de agradecer a solidariedade, a generosidade daqueles dois repórteres - que afinal não eram repórteres mas que estavam a fazer reportagem e que se transformaram em verdadeiros repórteres - que garantiram a verdadeira única grande reportagem que foi feito ao longo daquele dia na rádio.

As pessoas começaram a gritar “Viva a liberdade!”, coisas que há 48 anos que não se ouviam ou então a polícia batia na pessoa. E ali estava toda a gente. E eu olhei para eles e eles não estavam a gravar nada. E então há uma generosidade extraordinária, mas ao mesmo tempo um impulso.

Na altura disse assim:

- Peço desculpa, vocês não se importam que eu também faça um bocadinho de reportagem?

Eles tinham ali a reportagem de uma vida. Não sabia ainda como é que ia acabar, mas depois olhas à volta e só vês fotógrafos e alguns tipos que, como se vê na fotografia do Carlos Gil, estão a tirar umas notas, mas não há rádio e muito menos há televisão.

E eles dizem:

- Faz favor.

Adelino Gomes conta que provavelmente não teria dado o microfone a Paulo Coelho, este diz ter ficado aliviado. Está criada uma equipa de três repórteres da Renascença

Aquilo é um microfone que roda pelos três? É o Adelino que o empunha? Era uma equipa de reportagem em torno de um microfone?

Isso é extraordinário. Vamos andando, vamos rodando. Descobri agora - não me lembrava disso - que a certa altura, como não havia televisão e são muitas horas lá em cima, no largo do Carmo, nós somos uma espécie de redação. Nós representamos a redação e então vai toda a gente ter connosco, outros jornalistas, e começamos a trocar informações. E percebi também que, às vezes, por exemplo, o Paulo Coelho diz: “fui agora lá acima e vi que GNR veio de não sei onde”.

Ele vai e traz uma notícia.

Mas outras vezes sou eu. Há também qualquer coisa em que diz assim o Pedro Laranjeira: “o Adelino foi ali abaixo e tem uma história para contar”. É como se fosse, imagina, uma redação de rádio ao vivo, onde todos os jornalistas vêm trocar e receber informações.

Horas tensas no Carmo

Logo na primeira conversa com o então capitão Maia, este refere-se à garantia de adesão da população ao golpe, como se soubesse à partida às 3h00 da manhã de Santarém que tinha aquela adesão toda. Faz referência à necessidade de não fazer baixas e, mais à frente, há uma terceira questão sobre o programa e “para onde é que isto cai”. O jornalista procura sempre o máximo de informação, mas naquela altura havia muito mais dúvidas do que de certezas. Apesar de aparentemente haver uma vantagem militar, o Carmo era um largo apertado, militarmente não é um lugar totalmente fácil.

Pois não. E ainda por cima com aqueles milhares de pessoas ali, era muito complicado.

“O momento mais tenso é quando Salgueiro Maia [faz o terceiro ultimato] depois de ter dado ordens de disparo para as janelas e para cima. Os dois primeiros ultimatos eram ainda uma ‘brincadeira’. Agora, no terceiro - ele disse isto - recebeu ordens para, de qualquer maneira, acabar e, se for necessário, destrói-se o edifício. Ele pega no megafone e diz que vai contar até três”.

Não conheço repórteres que digam que nunca tiveram medo. Tive muitas vezes medo quando estive mais próximo dos acontecimentos. E tivemos todos medo como toda a gente, quando ele disse que ia contar até três.

Aí finalmente, procurámos onde é que nos devíamos [abrigar], uma vez que ele ia destruir o edifício.

Nós, os repórteres, não encontrámos melhor sítio do que os urinóis que há no Largo do Carmo. Descemos e ficámos ali.. Na nossa reportagem ouvem-se quatro vozes - nós os três e o Luís Pereira de Sousa, que foi depois uma grande figura da RTP e que andava lá a fazer reportagem. Penso que ele era correspondente de uma rádio da África do Sul.

Há por ali mais rádios. Entrevistam alguém de uma rádio dinamarquesa.

Sim, há um dinamarquês e há ele [Pereira de Sousa]. E evidentemente estava o Rádio Clube Português e o grande repórter que foi - que pena ele ter-nos deixado tão cedo - o Alfredo Alvela.

Enquanto nós estávamos a 100 metros da Rádio Renascença, onde uma namorada polaca do Pedro Laranjeira ia levar e trazer bobinas, o repórter do Rádio Clube Português tinha a outra maneira que, aliás, sempre foi usada por repórteres sempre que possível, que é ir a uma cabine telefónica ou a casa das pessoas.

Ele fez as dois coisas. Ia à cabina telefónica, mas, a certa altura, já não tinha moedas ou ia à casa das pessoas por onde tinham também entrado militares, que ficavam em frente ao quartel-general. No caso da cabine, falava três minutos ou coisa assim, porque depois já não tinha mais moedas. O problema das casas é que não tinham o telefone junto da janela, não havia telemóveis e ele não podia estar lá muito tempo, porque não estava a ver o que é que se estava a passar. E podia passar-se qualquer coisa a qualquer momento.

Maia conta:

- Um!

Devem ter passado dois ou três minutos.

- Dois!

E aí, na nossa gravação, a essa altura, num silêncio absoluto, ouve-se a voz que reconheço obviamente do Paulo Coelho, que, assim como um miúdo, tinha ele 20 anos, diz assim:

- Tá-Tá-Tá-Tá !

Estava-se à espera, eles iam começar e ele:

- Tá-Tá-Tá-Tá !

Quando nós saímos finalmente e acaba essa tensão - que foi terrível - descobrimos que, com aquele medo, tínhamos ido para a casa de banho das senhoras e não dos cavalheiros.

E temos o Povo

Havia um lugar para os jornalistas? Porque estavam na primeira linha, protegidos e a população estava no largo do Carmo.

Eu até digo, a certa altura, que nunca estive em nenhum golpe de Estado em que os jornalistas fossem tão bem tratados.

O Maia de vez em quando quase vai perguntar: ‘precisam de alguma coisa?’. Disponibilizaram carros para nós lá estarmos a ver as coisas! É uma coisa extraordinária. Era como se estivéssemos a assistir - como, aliás, eu começo por dizer - a um espetáculo, de tal maneira que as pessoas já no final, e como eles nunca mais se rendiam, diziam assim:

- Está na hora! Está na hora!

É também ao microfone do “Limite” e, portanto, da Rádio Renascença, que se diz aquilo que considero ser a entrada do povo no golpe de Estado, transformando-o numa espécie de processo revolucionário.

Isso dá-se entre as 12h30 e as 13h00. Eles devem ter chegado ao Largo do Carmo pelo meio-dia, dispuseram os carros, o material e os homens. Agora aqui eu já era jornalista e já tratava Maia como “capitão Salgueiro Maia”. Andávamos atrás dele, mas ele primeiro tinha que resolver aquele problema.

A certa altura, aparece ao pé de nós. Põe a G3 de cano para baixo, a tiracolo:

- Então, meus senhores, façam favor de fazer perguntas.

Salgueiro Maia promove a primeira conferência de imprensa em liberdade. “A 50 metros do inimigo e ele de costas”, observa Adelino Gomes que fala num comportamento “de John Wayne” enquanto o capitão responde durante 10 minutos. “E então aparece aí o Povo”

Nessa altura digo algo que provoca a resposta dele:

- Mas o capitão Maia não desconhece que a GNR tem também [meios]

- Impossível! É impossível uma reação! Temos todas as viaturas blindadas do exército português connosco.

E aí, ouve-se uma voz que o microfone capta e que fica para a história, do meu ponto de vista. É um alferes que está ao lado dele, há pelo menos duas fotografias que foram tiradas. Ouve-se mal, ele era um bocadinho gago e ficou para a história:

- E temos o Povo.

E aí, Maia continua a ser comandante e diz que, além do Povo “de cujo apoio nós nunca duvidámos”, tem todas as viaturas.

Para mim, a certa altura, o golpe de Estado deixou de ser um mero golpe de Estado porque o próprio homem que está no terreno a comandar a operação diz que “eles” já fazem parte de nós.

Na verdade, na prática, os militares estavam já estavam distribuídos pelo meio do povo. Já não havia possibilidades nenhumas.

Há um momento em que a reportagem vai ao Largo Bordalo Pinheiro, onde se descreve que as pessoas estão ao pé dos agentes da Guarda Nacional Republicana.

Até lhes chamam nomes !

Ouve-se isso. A reportagem descreve que não há medo desse ponto de vista.

“Há uma determinação absoluta. Também não sei como é que foi aquilo. Mas antes disso houve aquilo a que eu chamaria uma ‘intuição inexplicável’. Como é que às 10:30 da manhã, o tal momento em que aparece um microfone, as pessoas começam logo a dizer “Viva a Liberdade”? Como é que as pessoas acham que aqueles são “os bons”? Como é que as pessoas sabem mais do que eu? Às 10:30 da manhã a falar de Junta de Salvação Nacional?

Cinquenta anos depois, ouviria mais Povo naquele dia?

Mais pessoas ainda? Há muito mais pessoas que não estão nessa gravação. Aquilo são minutos e minutos... No livro das fotografias de Alfredo Cunha e em que eu colaboro com Matos Gomes e Fernando Rosas, eu ponho lá um diálogo. Não me lembrava nada, por isso é que eu gostava muito de aceder ao original que ainda não apareceu. Naquela tarde foram gravadas à volta de sete a oito horas. Aquilo que passou na Renascença na madrugada do dia 26 e do dia 27 são duas horas e 45 minutos.

Mesmo nessas quase três horas - que eu só ouvi há meses - há coisas de que não me recordo. Essa, por exemplo, das pessoas chamarem nomes ao GNR.

Aquelas pessoas têm coragem, determinação e já fazem parte da operação. São a terceira parte da operação. Há o regime, os revoltosos e o Povo. E o Povo está com os revoltosos.

E o próprio Salgueiro Maia, numa entrevista posterior, virá dizer:

- Não podia começar ali a dar tiros, porque se eles respondessem, matavam lá pelo menos centenas de pessoas.

É uma entrevista que o Adelino fez para a “Fatos & Fotos”, registada menos de oito dias depois com o próprio Salgueiro Maia, com fotos do Carlos Gil.

É que eu no final [da operação a 25 de Abril] pedi-lhe:

- Posso ir entrevistar-te daqui a dias?

- Olha, aparece lá em Santarém.

O inesperado em falso direto

Há uma passagem da reportagem em que o Adelino diz que gostaria de entrevistar um agente da GNR. Ao longo da reportagem, pensou nas perguntas que faria se encontrasse alguém do regime? Se tivesse a possibilidade de entrar no Carmo e fazer uma pergunta a Marcello Caetano, pensou na pergunta que ia fazer?

Não, não pensei. Não havia tempo para pensar na pergunta. As palavras vinham. Aquele é o verdadeiro direto – que não foi em direto, infelizmente. Na altura, na véspera, mesmo se soubesse, não podíamos pedir à Marconi para arranjar umas linhas para o Terreiro do Paço.

"Há várias singularidades naquele dia. No direto daquilo que é inesperado, o repórter só pode agarrar-se ao que vê e ouve e segui-lo"

Às vezes, eu ou qualquer repórter que nessas circunstâncias esteja a fazer um direto, às vezes prolonga um pouco mais a frase. Mas de uma maneira geral, aquilo é uma catadupa de acontecimentos que atrás da qual vão as palavras, vai o olhar do repórter. Ele está a viver aquilo, está a seguir como se fosse numa torrente de água.

Sentiu a pulsão, o impulso de chegar ao outro lado nesta história para fazer uma pergunta?

Sim. Claro, isso está sempre presente.

Só que o problema é que nós não chegávamos a entrar lá [no quartel do Carmo]. Há uma frase que é “vem alguém a sair alguém de lá, nós não podemos ir lá”, eles nem deixam entrar os que estão a fazer a guerra.

Mas a certa altura deixaram entrar um tenente-coronel. Eu estou ali, na ânsia, e disse ao tenente-coronel:

- O que é que esteve a fazer?

-Ó pá, vocês também perguntam a uma mulher que está a dar à luz se está a gostar muito?

Nós estávamos ali a assistir a um parto. Não sabíamos é que era o parto da Liberdade. Não se põe a questão de poder entrevistar Marcello Caetano, sei que não posso sequer entrevistar o guarda que está ali na primeira porta.

Tiros, boatos e telhados

Quando os agentes da GNR se aproximam e quase estão a descer em frente ao Teatro da Trindade, vêm vários com com armas.

Primeiro foi um boato, não foi? Os boatos também atravessaram a transmissão, mas esse não era.

Era e por isso nós fomos ver. De vez em quando vem o Paulo Coelho dizer que esteve a ver algo. Assim como nós não acompanhámos, nem sabíamos que ia haver um grupo de pessoas que ia para a rua António Maria Cardoso [onde era a sede da polícia política].

Alguém dizia:

- Olha, tiros! De onde é que vêm os tiros?

Podia ser da GNR ou da PIDE.

E também na tentativa de perceber o que se passou verdadeiramente ali aquela hora na Rua António Maria Cardoso, onde era estava indefinido o que estava a acontecer.

No caso da PIDE, nós já apanhámos o refluxo. Ouviram-se uns tiros, alguém diz que é a GNR e vamos todos subir em direção ao Teatro da Trindade quando já vem gente. Fazemos uma entrevista, há uma senhora que lhes chama nomes e estamos juntos a fazer perguntas - também está lá o Alvela - e ela disse:

- E depois largaram-nos um cão, um cão mesmo!

E levanta a saia e mostra que foi mordida por um cão.

A certa altura começa a correr que há agentes da PIDE nos telhados e que vão dar tiros. Isso dá muito jeito a Maia porque está a tentar que as pessoas recuem para que possa sair com Marcello Caetano. E isso é um bom argumento que Francisco Sousa Tavares [quando se dirige por megafone à multidão] depois aproveita muito bem para dizer:

- Assim, ninguém pode garantir que nesta praça existam condições para que o homem que acaba de nos salvar possa sair em condições.

Ele está a falar de Spínola.

Mas, numa análise retrospetiva, quase tudo aquilo que se relatava era verdadeiro. E a incerteza é descrita assumindo o “não sei” sobre quem estava no quartel do Carmo ou quem acompanhava Marcello Caetano. Isso existiu ao longo do dia todo?

Sim, acho que sim, era natural também que confessássemos isso.

Pela primeira vez na minha vida vou dizer que disse uma mentira em toda essa reportagem. E é logo no princípio, quando eu digo que “toda a gente está tão mal informada como nós estamos”.


“Eu estava bem informado e, quando disse “nós” referia-me à generalidade das pessoas. Quer dizer, não sabia que era naquele dia, mas sabia que estava iminente”

Uma das tentações é aparecer como sabendo tudo e começar para ali a contar tudo o que tu se sabe.

Teve essa tentação?

Não. Isso saiu-me. “Tão mal informados como nós estamos”, tão sem saber o sentido disto. Era um bocadinho verdadeiro, porque, na verdade, o livro de Spínola tinha provocado um efeito sobre as pessoas que já tinham alguma informação e que também tinham uma postura, digamos, crítica em relação ao regime.

E é citado ao longo da reportagem, inclusivé por Maia.

Sim, é verdade. Mas, no meu caso que vinha da tal revista da oposição e que tinha uma postura contra o regime, a questão foi esta: aquele livro era muito importante, mas muito limitado do ponto de vista daquilo que gostaríamos, sobretudo em relação à guerra colonial. E sabendo que a guerra colonial era a grande questão, ser Spínola a figura máxima deste golpe de Estado era qualquer coisa que não me entusiasmava.

Qual era o sentido? É esta a palavra que utilizo, não sabíamos o sentido em que isto vai evoluir. Já sabíamos que estes homens tinham um conjunto de reivindicações também sobre o Ultramar, mas não sabíamos o sentido.

Sabia desde o início, nessa altura, que aquela corrente estava associada aos generais Spínola e Costa Gomes?

Sabíamos que o general Spínola estava metido nisso e dizia-se que o Costa Gomes [também], mas não era claro para mim.

Não sabia até que ponto Spínola dirigia mais ou não. Não tinha a certeza se era ele a “cabeça”. Se reparar nos relatos - não apenas do meu relato - sobre aquilo que Maia disse ao longo daquelas horas, quando a primeira coluna de Cavalaria 7 se aproxima da coluna de Maia e entra por ali adentro, comandada pelo alferes David e Silva, o Maia diz:

- O que é que estás aqui a fazer?

- Vinha aqui para proteger...

- Pá, passa para este lado.

E começam a falar. Há uma pergunta que um outro tenente-coronel depois fará:

- Mas quem é que está à frente disto?

E o próprio Maia diz que há um conjunto de generais. Há alguém que pergunta:

- E o nosso General Spínola tem alguma coisa a ver com isto?

- Sim.

- E os comunistas têm alguma coisa a ver com isto?

- Não, que eu saiba, não. Há um conjunto de generais.

O nome de Spínola vai sendo continuadamente utilizado em todas as declarações que Maia faz até entrar pela segunda vez no quartel do Carmo e falar com Spínola lá dentro. Acho que para Maia, que esteve com ele na Guiné-Bissau, Spínola é a referência. E aliás era visto como um spinolista. Há, no entanto, uma mudança em Maia, já dentro do quartel do Carmo. Na conversa que teve com o Marcello Caetano, conta que falou em Spínola. E quando vê Spínola a entrar lá e, como ele diz, “começa a atuar como se a guerra fosse toda dele”[Maia] começa a mudar

Spínola tinha muita importância. Todos os homens que estiveram na Guiné reviam-se em Spínola, porque foi o primeiro homem que disse a Marcello Caetano que aquilo não tinha solução.

Na sua reportagem há uma dúvida que coloca. “Falam na transmissão do poder. O que é isto da transmissão do poder”, questiona.

Pois, aí eu fiquei muito admirado. Isso seria um péssimo sinal. A expressão “transmissão de poder” é suspeita no sentido de que “estamos aqui numa mudança de regime ou estamos aqui para uma evolução da continuidade?”

“Só garanto o que ficou gravado”

Adelino, Coelho e Laranjeira. A propósito, essa equipa do “Limite” tinha um locutor e um sonoplasta. O que chama a atenção é a presença do sonoplasta na reportagem.

Entre aquilo que um e outro disseram ao longo do tempo, há ali versões diferentes. É como com os militares, fazer perguntas a militares que estiveram no Largo do Carmo é ouvir uma história [diferente] por cada um.

Todos estiveram lá, dizem eles.

E até se chateiam uns com os outros, dizendo "quem fez isso, fui eu”. Quando tenho ouvido estas coisas que se passaram nessa noite, dizia: “não me lembrava nada disto, não me lembrava nada disto”. As únicas coisas que eu garanto são as que ficaram gravadas. Aí não tenho dúvidas nenhumas, por isso é que estou mais ou menos à vontade para falar disso.

O Paulo Coelho conta que saiu de madrugada, era também locutor de continuidade. Por exemplo, o Pedro Laranjeira dizia que teve umas informações. O Carlos Gil disse que os avisou “para estarem ali pela Baixa” de manhã.

Não sei como é que foi. A verdade é que eles foram para lá e, portanto, não foi ninguém da redação. Isto é muito importante. Devemos também tirar o chapéu ao Carlos Albino, aquilo era um golpe de Estado e não se podia dizer a ninguém.

Ele recebeu esta informação e só trocou a informação com o Manuel Tomás, o outro sonoplasta.

Discursos de ódio no Carmo

Há um momento na reportagem onde diz que havia um problema com um gravador. Ouvimo-lo a dizer que “ainda temos uma cassete e meia e se calhar é capaz de dar até ao fim”, como se decretasse o fim da reportagem. Na gravação que foi depois transmitida na Renascença, quase dá a entender que está a acabar e depois ainda fica 40 minutos a falar. Tinha a noção de que era um momento que estava quase a acabar?

Sim. A partir do terceiro ultimato e quando Spínola entra lá [no quartel do Carmo] isso significa rendição. Portanto, é uma questão de tempo. Maia estava preocupado com qualquer ‘parvoíce’, qualquer descontrolo.

Havia um helicóptero sobre o Carmo.

O helicóptero passou e ele disse: “é nosso”. Mas o helicóptero levava um helicanhão.

Quando aparece a ideia de a PIDE estar nos telhados, aí tudo se podia descontrolar. Depois do discurso de Sousa Tavares, já está tudo controlado. Era só [necessário] que as pessoas recolhessem um pouco, porque havia discursos de ódio da multidão. E por isso mesmo havia esse medo, sobretudo dele.

Ódio de fazer justiça pelas próprias mãos?

Pois, era esse. Imagine agora que, mesmo que não houvesse discurso de ódio, uma multidão que tem o homem derrotado, que é o primeiro-ministro que representa o regime, que o vê ali, destrói aquilo. E aquilo era uma chaimite, não era um carro de combate. A chaimite era vulnerável. Forte, mas vulnerável.

Então aí, as palavras foram relevantes.

Exatamente.

Noutras revoluções que acompanhamos ao longo do tempo, existiram esses movimentos de invasão e justiça pelas próprias mãos.

Claro. Mas Maia também disse isso, tinha dado a palavra de honra que, num ser humano e ainda por cima num militar, é para ser para ser [cumprida]. Ele tinha dado a palavra de honra a Marcello.

Marcello diz:

- Então e depois, o que é que fazem?

Ele diz:

- Está previsto que o senhor saia daqui numa viatura e nós garantimos a segurança.

E quando ele vem cá fora, vai à janela e diz às pessoas, como um militar:

- Meus senhores, é preciso recuar, é preciso abandonar.

O “Maia mítico” está a ser criado ali, mas é uma criação posterior. O “Maia mítico” anda por ali de um lado para o outro a dar ordens, mas as pessoas lá não sabem quem é esse Maia. É alguém que ainda por cima está a dar uma ordem [e as pessoas pensam]:

- Então a malta está aqui, estes tipos nunca mais se rendem, se calhar somos precisos nós para fazer esta coisa e ele está-nos a mandar recuar?

Há também essa desconfiança lá no fundo. Por isso mesmo ele desce e diz o que ouvi :

- Vocês não conhecem ninguém da oposição que estes tipos respeitem? Eles viram-me com aquela cara de menino lá em cima e não me ligaram nenhuma.

E então antes de Sousa Tavares, falam ainda duas pessoas. Ele passa o megafone primeiro a Pedro Coelho que depois do 25 de Abril foi secretário de Estado das Pescas.

Pedro Coelho era mais baixo ainda do que o Maia e começou a falar ao megafone. Agora, imagine, com uma multidão de 3000 pessoas, a segunda fila, já não o vê. E lá na quinta já ninguém o ouve.

Portanto desistiu e depois, falou uma pessoa bastante mais alta, que era João Soares, filho de Mário Soares que, poucas horas antes tinha aparecido ali com braçadas da extraordinária e histórica edição do “República”, que dizia "este jornal não passou por nenhuma comissão de censura” que é uma declaração de liberdade de imprensa.

Adelino Gomes elogia a intervenção do advogado e político português, marido de Sophia de Mello Breyner, considerando que Sousa Tavares proferiu “o melhor discurso político do Século XX português”

É o senhor que sabe o que é comunicar. Primeira coisa: não pode estar à altura das pessoas. E vai para cima da guarita e depois faz um discurso que devia ser estudado nas universidades sobre as regras do discurso, a retórica.

É extraordinário. Ele não faz um discurso, porque há um senhor [Salgueiro Maia] que lhe diz que é preciso que as pessoas recuem e isso é uma encomenda. É uma encomenda, como quem diz “vai ali comprar-me uma boa garrafa de vinho”.

E em cinco minutos, só no fim é que diz “é preciso abandonar esta praça”. Mas depois inventa uma coisa. Abandonar esta praça? “Vamos fazer uma manifestação”, mas também não pode ser ali. “Vamos para o terreiro do Paço”, vão-se embora daqui.

Ele começa assim:

- Povo Português!

Quando um tipo diz isto com esta força, do meu ponto de vista, cada cidadão diz “eu sou o Povo, eu sou o Povo”.

- Fomos libertados graças a estes militares!

E depois diz logo assim:

- Estão há 18 horas sem comer e sem dormir!

Alerta que “precisam de ir fazer outras operações que forem necessárias”. E depois há alguém que diz:

- Olha, há ‘pides’ nos telhados!

E ele [Sousa Tavares] diz assim:

- Sim, dizem que há ‘pides’ nos telhados. Ninguém pode garantir que haja nesta praça as condições necessárias para que o homem que acaba de nos libertar...

Está ele a entronizar, não o Maia, mas o Spínola. E depois diz:

- É preciso abandonar esta praça !

Portanto, ele já os tem nas mãos.

A revolução é controlada pela palavra.

Para mim é o melhor discurso de um político - porque isto é um discurso político - do século XX português.

Se calhar, aquela entrada da RTP seria, de algum modo - para quem fosse um pouco ousado a defender essa tese e tem que ter melhores argumentos do que eu - se calhar foi o fim de tanta importância da Rádio.

Há pouco estive a dizer que nós éramos o Centro, vinham todos dizer coisas e estávamos ali. A redação era a redação da Rádio porque não estava lá a televisão. Se estivesse lá a televisão, que em Portugal era a RTP, ninguém nos tinha ligado nenhuma. Se calhar foi o último momento de glória do repórter da Rádio no meio de um golpe de Estado, em que um microfone atrai os próprios outros jornalistas. Portanto, se calhar foi o canto do cisne.

Aqui hoje em dia tem que se juntar a Internet.

Tudo. E as televisões todas em que cada um diz uma coisa qualquer. Aquilo realmente ali é muito curioso. Por isso aquela expressão que falava ainda há bocado – quando Maia diz que a revolução se ganhou pela rádio - não tem razão num determinado sentido.

Tem razão, se disser que foi muito importante por causa dos comunicados, porque a rádio - já que estou numa estação de rádio, tenho que dizer isso - a rádio não transmitiu nada em direto.

Houve uns diretos no Rádio Clube Português. Os noticiários do Rádio Clube Português transmitiram algumas chamadas telefónicas, mais nada. Infelizmente, a nossa reportagem nem sequer entrou. É um mistério que nunca percebi [mas] começo agora a ter uma outra ideia.

Há pessoas que ainda hoje me dizem:

- Quero agradecer-lhe aquela reportagem que fez no dia 25 de Abril

- Olhe, desculpe, no dia 25 de Abril, não.

- Então, eu passei o dia a ouvi-lo!

- Não ouviu nada, sabe? Isso só passou na madrugada seguinte.

As pessoas ficaram com essa ideia, o que também nos mostra a importância da Rádio, mas na verdade na Rádio, os comunicados sim, foram a informação essencial até meio da tarde.

Uma questão técnica: não seria possível fazer diretos naquele tempo?

Não, só se houvesse aquilo que há hoje. Não havendo o que há hoje, era impossível. Mesmo que imaginemos que Otelo Saraiva de Carvalho, que fez o plano de operações, tinha um filho que era jornalista.

Ou definia que tinha uns cabos e um circuito preparado para fazer o direto.

Mesmo assim! Ele não sabia o que é que ia acontecer no Terreiro do Paço. Mais: não estava previsto o Largo do Carmo! O Largo do Carmo aconteceu em consequência das coisas no Terreiro do Paço e de Marcello Caetano ter fugido para outro lado.

Tecnicamente para se fazer um direto, era como se fazia no futebol. Mas não se faz um direto de um incêndio antes [de eclodir], podia-se depois ir para lá e telefonar de uma cabine telefónica, nesse tempo.

O fim da reportagem no Carmo

E aí foram gravando e era um processo em que as cassetes ou bobinas...

Eram bobinas de Uher, portanto, daquelas de 20 minutos. O sonoplasta disse logo: “20 minutos, não dá”. E então o que é que ele fez? Em vez de gravar a “7 e meio” que é a velocidade profissional, gravava a “3 e 3 quartos”. E, portanto, cada bobina, em vez de ter a duração de 20 minutos, tinha 40 minutos.

De 40 em 40 minutos ele dava a bobina à namorada - a tal polaca - que vinha a correr às antigas instalações que estavam muito próximas.

Não tinha muito tempo para pensar, mas pelo menos no fim, quando Marcello Caetano saiu, nós os três estivemos de acordo: “esta reportagem acabou, o Presidente do Conselho de Ministros rendeu-se, a nossa reportagem, por agora, acabou.

Fomos os três para as instalações a 150 metros do local onde nos encontrávamos. E aí devo dizer que, pela primeira vez, tive tempo para pensar em mim e quem sou eu, o tipo que está aqui e que esteve a falar a um microfone de uma estação de rádio onde estava proibido de trabalhar.

Adelino Gomes explica como foi no final da reportagem se dirigiu com a equipa do Limite à Renascença e contextualiza a intervenção da Censura nas rádios. Na Rádio Renascença, não houve praticamente noticiários até 1972.

Houve então a criação do Serviço de Noticiários.

Antes disso, começou a haver alguns programas menos conformistas e eu trabalhei num desses programas “Página Um” realizado por José Manuel Nunes desde 1968 e onde eu comecei a trabalhar em 1970.

Aliás, como o “Limite”, eram programas autónomos.

Eram programas independentes. Havia algo muito interessante. Às vezes, se a estação de rádio estava muito interessada naquele grupo de pessoas que tinham um programa muito interessante, mas não tinha dinheiro – uma hora de rádio era muito dinheiro – fazia-se assim: “metade da publicidade que vocês arranjarem é para nós e a outra metade é para vocês”. Acho que o “Página Um” era assim.

No meu caso, estava eu a sair da da tropa, contrataram-me, mas eu não era funcionário da Renascença em 1971/72. O meu ordenado era pago a dois terços pela Rádio Renascença e a um terço pelo programa. Portanto, eles estavam interessados. Qual era o “contrato” por palavra? Eu iria criar os fundamentos para um noticiário a sério, porque até aí as notícias eram recortadas dos jornais aqui na Rádio Renascença.

Eu fazia reportagens e comentários no programa. Também havia um outro programa - ainda não havia o “Limite” - que era o Tempo ZIP.

Que era o sucessor radiofónico do ZIPZIP, um programa de televisão com muita popularidade e que tem um papel também específico naquele tempo.

A certa altura, o Carlos Cruz e o Fialho Gouveia saíram da direção daquilo - foram eles que o fundaram - e quem ficou a realizar era o João Paulo Guerra. Ele era um homem politizado, vinha também dos noticiários do Rádio Clube Português. E eu começava a ter também alguma politização. Não tinha qualquer ligação a qualquer partido, mas era realmente um homem de esquerda.

Os dois programas começaram a ter uma ligação. O José Manuel Nunes, que era muito jovem e um tipo absolutamente extraordinário. Foi aqui no programa “Página Um”, que se deu pela primeira vez o relevo ou se fez dar a conhecer aquilo a que se chamou, embora incorretamente, o movimento “baladeiro”. Portanto, a “música de protesto” passou a ter um acolhimento e uma difusão no programa “Página Um”.

Por outro lado, o programa “Página Um” tinha uma grande ligação também à Igreja Católica, no sentido em que tinha pessoas ligadas à Renascença Gráfica. Por exemplo, toda a publicidade era feita por Homero Cardoso, que era um jovem da Ação Católica[nomeadamente na Juventude Operária Católica] e que fazia também publicidade lá. Havia ali uma espécie de aura cristã. Ao mesmo tempo também essas pessoas, ligadas à [revista] Flama , por exemplo, eram gente com alguma tendência para aquilo a que se passou a chamar o “catolicismo progressivo”.

Adelino Gomes explica a importância dos programas independentes como o “Página Um” ou o “Tempo Zip”. “A Renascença estava também a modernizar-se e estava quase numa espécie de compita, sobretudo pelos jovens, em relação ao Rádio Clube Português, que era mais poderoso”, afirma Adelino Gomes. O Padre Américo [Brás da Costa], que era o diretor da estação, gostava muito do José Manuel Nunes. Portanto, é neste quadro de um programa de rádio e, ainda por cima, a estação de rádio dava dinheiro.

Contrastava com o panorama radiofónico que existia da Emissora Nacional e do próprio Rádio Clube?

O Rogério Santos chega a fazer uma definição do Página Um, que eu acho excessiva: éramos uma espécie de “rádio de resistência”, no sentido em que ali se diziam coisas que nas outras estações não se diziam.

E a Censura, como é que agia?

Passou a haver censura, não no sentido da Censura do Estado, daquilo a que se chamava Serviços de Fiscalização no Rádio Clube Português, que eram funcionários pagos para isso. Aqui começou a haver uma pressão cada vez maior por parte da Secretaria de Estado da Informação e Turismo, curiosamente representada pelo Dr. Feytor Pinto, que fazia a ligação com a Renascença.

A certa altura, o Página Um e o Tempo ZIP e, para dizer os nomes verdadeiros, o João Paulo Guerra no Tempo ZIP e eu no “Página Um”, começámos a “puxar a corda”, que cada vez estava a ser mais “esticada”.

Adelino Gomes dá a sua versão sobre uma reportagem em 1972 sobre o destino dos baldios no interior do país, que redundou num trabalho sobre o cemitério de Salazar, transmitida no programa Tempo Zip, iludindo um censor.

Nós começámos a fazer demais, até que chegou o dia 6 de Setembro de 1973, dia doo assalto à aldeia olímpica de Munique, em que um comando palestiniano matou alguns atletas israelitas e reteve outros. E aquilo foi uma emoção mundial, como se deve calcular, e aqui em Portugal também. E eu nesse dia não tinha reportagens. E quando não tinha, fazia um comentário.

Fiquei muito interessado naquilo e, nas antigas instalações da Rádio Renascença, a gente ia a lanchar à Pastelaria Benard ou à Ferrari. Ou então, para coisas mais baratas íamos à Brasileira. E eu fui à Brasileira e telefonei a minha mulher, porque tinha que dizer alguma coisa e havia dois artigos que tinha lido recentemente. Um era de uma revista de esquerda, o Nouvel Observateur - que ainda existe - e a outra era uma revista espanhola, Triunfo, sobre a violência na história do mundo e como é que se explica isto.

Fui lá e quando voltei para a Rádio Renascença, já tinha as minhas ideias formadas. Entretanto comprei o Diário de Lisboa e fiquei muito indignado com umas declarações do Presidente Nixon que dizia: "o mundo não pode aceitar este terrorismo”.

E quando cheguei à Renascença - não sei se era já a preparar os tais noticiários que não foram criados por mim, mas pelo Carlos Cruz - já tinham um despacho da Agência Associated Press ou da United Press International ou da Reuters - já não me lembro.

Sobre o que tinha acontecido em Munique?

Não. Dizendo que, naquela noite, o Presidente Nixon tinha ordenado o bombardeamento de aldeias, diques e hospitais no Vietname do Norte. E eu liguei as duas coisas e nesse momento eu disse: ” Tenho que escrever aquilo que a censura não vai deixar passar”

E comecei a escrever um comentário que dizia três coisas no essencial:

- Houve um ato de violência esta madrugada, inaceitável, e a morte é um ato verdadeiramente de terror. O mundo ficou indignado. E o mundo está a ser hipócrita em duas partes.

Todos os jornais diziam: “Foi quebrada a paz olímpica”. E o meu artigo dizia que era um ato que devia ser condenado.

O que é que eu fiz com isto? Apareceu-me o censor do dia, que era um homem ligado à publicidade, não era nenhum padre, que disse:

- Então você hoje vai dar uma “pancada” nos palestinianos, não é?

- Sim, também.

Ele não percebeu se havia aqui alguma intenção e foi 2 ou 3 vezes lá. A certa altura, perto das 18h00 - o programa começava às 19h30 - chegou lá e disse assim:

- Você ainda não acabou isso?

- Não. Estou à espera que a minha mulher me traga aqui umas coisas que eu lhe pedi.

- Olhe, eu tenho agora uma reunião. Vou-lhe deixar aqui este número de telefone e se tiver alguma dúvida, liga-me.

- Se eu tiver alguma dúvida, ligo-lhe.

Portanto aqui eu tracei o meu próprio destino, porque não tinha dúvidas nenhumas. Tinha obrigação de dizer aquilo e disse.

Na descrição que faz deste caso, Adelino Gomes lembra que João Paulo Guerra repetiria a gravação no programa “Tempo Zip”. “No dia seguinte, as ordens da Secretaria de Estado, nunca escritas, foram dadas à Rádio Renascença para que os dois programas fossem suspensos e só podiam voltar se nós não fizéssemos parte da equipa”, explica Adelino Gomes, descrevendo o que se recorda dos passos seguintes.

A partir daí, a minha vida ficou sem microfone até à manhã do dia 25 de Abril e mais uma extraordinária, para mim, coincidência. Nessa manhã, o microfone que me aparece é um microfone da Rádio Renascença. É o microfone do programa que ia ser emitido na Rádio Renascença. E, portanto, a primeira vez que eu volto a trabalhar em rádio - porque depois fui para a Alemanha trabalhar na Deutsche Welle - é num programa da Rádio Renascença e é logo na reportagem mais feliz da minha vida no dia mais feliz da minha vida.

Mas a reportagem ou uma parte da reportagem seria transmitida nos dias seguintes na Renascença.

Era bom vocês tentarem saber porque é que essa reportagem daquelas horas todas não foi para o ar.
Adelino Gomes elenca várias explicações, mas expõe a sua teoria mais recente para o sucedido. “Hoje convenço-me que foi por outra razão e que é também uma razão absolutamente extraordinária. É que a namorada do Pedro Laranjeira devia levar as bobinas ao cacifo do programa externo, que era o Tempo ZIP”.

Só assim se compreende que nessa gravação que existe e que passou de madrugada, a montagem tenha sido de uma voz quase cavernícola porque ele não era locutor - é a voz do Pedro Laranjeira.

O que significa que ele tinha aprendido com Orson Welles, porque na Guerra dos Mundos ele, de meia em meia hora, dizia “estão a ouvir uma gravação, isto foi ontem”. Portanto, é ele que faz, foi ele que montou. Logo, se foi ele que montou, isso não foi para os noticiários. Mas a Renascença também não o obrigou a entregar aquilo. Portanto, é um pouco estranho.

Mas passou na madrugada, até me dizem que passou na madrugada de 25 para 26 e depois foi repetido na madrugada de 27.

Um epílogo sobre Maia

Gostaria de fechar a nossa conversa sobre Salgueiro Maia. Com a proximidade que tinha, qual é a pergunta que Adelino deixou por fazer a Salgueiro Maia?

Qual era verdadeiramente o 25 de Abril que tu querias que prevalecesse até hoje?

E a pergunta, teria diferentes respostas consoante os anos em que teria sido feita?

Pois, por isso mesmo é que era a última pergunta. E eu tive a oportunidade de lhe fazer a última entrevista. E não a fiz por razões mais pessoais. Mas era essa a pergunta. Gostava muito de a ter feito, não nos dias antes de ele morrer. Há três entrevistas que foram dadas naqueles meses.

E essa pergunta nunca foi feita a Salgueiro Maia?

Acho que não foi. Ele disse muitas vezes nas entrevistas que estava muito aborrecido com a corrupção, etc. Isso é uma coisa. Outra coisa é “qual é o teu 25 de Abril? hoje qual era o 25 de Abril que tu gostavas que tivesse prevalecido?”

Mas ao repórter Adelino Gomes nunca ocorreu essa pergunta nesse momento?

Não, é que nunca percebi bem. Para mim há um momento muito importante nele, que é o momento da mudança do Salgueiro Maia que vai para a Academia Militar - portanto pouco depois de termos ter andado no liceu - Mais tarde ele diz, e a maior parte deles eram assim: “eu fui para a Academia porque acreditava naquilo que tinha aprendido na escola”.

Ele disse - já não me lembro a quem, mas é uma bela entrevista - e então há esse relato que ele faz que é: foi para a Academia Militar, porque acreditava naquilo que o regime nos ensinava aliás desde a escola primária, que nós éramos o Portugal, multi-racial e multicontinental e tínhamos o Império

Ele foi para lá para isso, para defender o Portugal pluricontinental, esse Portugal do regime.

Adelino Gomes explica o que entende que seriam as motivações de Salgueiro Maia, o que observou em África e a importância de Spínola na vida do capitão de Abril.

Chegando a 25 de Abril, numa parte do dia, Spínola ainda era a sua referência. E depois vê Spínola, no concreto, a dar ordens e fica um pouco...

A mim, disse-me que estavam a fazer aquilo para que ninguém mais tivesse que sair de Portugal. E não disse “por ser pobre” mas “por aquilo que diz”. É a liberdade de imprensa, de expressão, para mim.

Ele, no entanto, sonhou com outras coisas. 50 anos depois esta era a pergunta ao Maia se eu pudesse ir a Castelo de Vide falar-lhe lá para baixo: “50 anos depois, qual seria o 25 de Abril que gostarias que tivesse vingado?”