Casa de 90 m2 custa até mais 85 mil euros do que há três anos

Preço das casas disparou em média 38% desde 2019. O Porto é onde o valor mais subiu. Já o rendimento disponível em Portugal cresceu menos quatro vezes, no mesmo período, e ficou pelos 9%. Os preços das habitações não estão ajustados ao poder de compra dos portugueses, sobretudo para a classe média.

03 fev, 2023 - 06:30 • João Carlos Malta , com gráficos de Salomé Esteves



A cidade do Porto é onde os preços mais subiram em termos absolutos. Foto: José Coelho/Lusa
A cidade do Porto é onde os preços mais subiram em termos absolutos. Foto: José Coelho/Lusa

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Que as casas estão mais caras e que o dinheiro que os portugueses têm nos bolsos não chega é algo que é percecionado com facilidade. Agora, um estudo da Century 21, intitulado “Acessibilidade à habitação em Portugal”, traduz esta realidade em números.

A grande conclusão: entre 2019 e 2022, os preços das casas subiram 38%, enquanto o rendimento disponível das famílias apenas aumentou 9%.

A classe média tem cada vez mais dificuldade em aceder ao mercado de habitação. As famílias que se situam nestes escalões de rendimento - 60% do total - têm disponíveis apenas 42% do "stock" de casas para venda adequadas aos rendimentos que auferem.

Este estudo usa como exemplo uma casa de 90 m2. Todos os cálculos realizados têm por base esta dimensão de habitação. Quando calcula a subida do preço médio de aquisição, os resultados variam entre os 375.480 euros em Lisboa e os 59 mil euros na Guarda.

Na capital, os preços subiram em média 70 mil euros para a mesma casa, nos últimos três anos. Mas é no Porto que os preços, em termos absolutos, mais subiram: um aumento de 85 mil euros. O valor da venda na segunda maior cidade do país cresceu 50% quando olhamos para os preços de 2019 em relação aos de 2022.


No Algarve, a mesma casa está cerca de 65 mil euros mais cara. São as três zonas do país em que o preço da venda da habitação mais subiu.

Mas se os valores são exorbitantes nestas regiões, essa não é uma realidade generalizada no país. Este mesmo estudo revela que em 15 das 18 capitais de distrito, a taxa de esforço é inferior a 40%, mesmo com projeções de 5% de subida das taxas de juro.

O CEO da Century 21 Ricardo Sousa concorda que também na habitação há um país a duas velocidades. “Portugal tem diferentes realidades. Claramente há um fator demográfico, n o movimento das populações que se concentram na Área Metropolitana de Lisboa ou na Área Metropolitana do Porto e também no Algarve”, começa por dizer à Renascença.

“O movimento para estes territórios provoca um aumento da procura [e dos preços].”

A estes fatores, garante, juntam-se “o crescimento do turismo ou o regresso do turismo pós-pandemia, que vem colocar pressão nestes três mercados”.


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"Em Portugal, neste período, uma subida média nas nossas capitais de distrito de 9% do rendimento disponível dos agregados familiares, que compara com o aumento de 38% em média, do que o valor dos imóveis no nosso território", Ricardo Sousa, CEO da Century 21.

Analisando o estudo, a economista Susana Peralta afirma que os preços altos das casas, e a sua subida, são uma realidade quase constante. No entanto, não é uma inevitabilidade.

“Isto não é uma fatalidade. Há políticas públicas que podem ajudar a mitigar o problema do preço.”

No lado da procura, Peralta aponta para a atribuição de benefícios errados, como aqueles dados a residentes não habituais nos impostos. “São tipicamente pessoas com alto rendimento que vêm para cá pagar menos impostos do que as pessoas portuguesas residentes em Portugal”, explica. A estes, juntam-se os fundos imobiliários que beneficiam destas mesmas ajudas, concretiza a economista.

No que diz respeito à oferta, Susana Peralta concorda que há um problema nos licenciamentos para nova construção.

Taxa de esforço dispara nas grandes cidades

No estudo “Acessibilidade à habitação em Portugal” está também calculada a taxa de esforço por capital de distrito na aquisição de casa. E também aqui a tríade Lisboa, Porto e Algarve regista as maiores subidas. Correspondem também às zonas em que o acesso a uma casa é mais difícil.


 

Lisboa tem uma taxa de esforço média de 67% (mais 19 pontos percentuais do que há três anos, em que a taxa era de 48%). No Porto é de 50% (mais 20 pp do que há três anos). O Algarve é onde essa taxa de esforço mais subiu, em 22 pontos percentuais (pp), para os 57% no ano passado.

Se se retirar da equação Porto, Lisboa e Faro, bem como áreas circundantes, todos os distritos ficam nos 30% de taxa média de esforço ou abaixo. Cumprem, portanto, os rácios determinados pelo Banco de Portugal (BdP).

Em outubro do ano passado, segundo os dados do BdP, 90% dos créditos realizados desde 2019 foram contratualizados com uma taxa de esforço inferior a 27%.

Os dados da instituição liderada por Mário Centeno apontam para que, no pior dos cenários, a taxa de esforço das famílias que compraram casa desde 2019 deverá ficar muito abaixo dos 40%, meta definida pelo BdP.

Lisboa. Mais de 1.300 euros/euros, em média, para pagar o crédito

Em linha com os principais indicadores do valor dos imóveis, as prestações do crédito à habitação para a compra de uma residência de 90 m2 apresentam um contraste forte entre Lisboa e o Porto, e as respetivas áreas metropolitanas, e as outras cidades do país.


Lisboa é a única cidade onde a compra de uma casa de 90 m2 com recurso a um financiamento soma atualmente um encargo superior a 1.300 euros mensais. No Porto, já custa menos 400 euros por mês (881 euros).

Faro ainda supera a fasquia dos 500 euros mensais, tal como as cidades das áreas metropolitanas das duas grandes cidades e a região do Algarve, mas em todas as outras capitais o valor é de 500 euros ou menos.

É na Guarda que se paga menos de prestação ao banco por uma casa de 90 m2: são 208 euros por mês.

Não há casas para a classe média

Outra grande conclusão do trabalho é a de que há uma desadequação entre o que o mercado oferece para compra e o que os portugueses podem adquirir.

Ricardo Sousa explica que o desfasamento entre a procura e a oferta foi uma das preocupações do estudo da Century 21 “e quantificar o que tanto se fala sobre as necessidades da classe média e a oferta de habitação para classe média”.

“Se olharmos para todo o território, temos 60% da população dentro deste escalão que consideramos classe média e apenas 42% da oferta está direcionada para o poder de compra destas famílias.”

Mais de metade das casas para venda são adequadas para a classe média alta e alta com rendimentos a partir dos 19 mil euros por ano e mais de 32.500 euros anuais, que pertencem ao 5.º e 6.º escalões do IRS. Em Lisboa, 95% das habitações no mercado são para estes segmentos e no Porto 89%.

Em Lisboa, 49% da população pertence à classe média, mas tem apenas 5% da oferta disponível ajustada ao seu rendimento.


Ricardo Sousa, CEO da Century 21 em Portugal e Espanha. Frame vídeo: Inês Rocha/RR
Ricardo Sousa, CEO da Century 21 em Portugal e Espanha. Frame vídeo: Inês Rocha/RR

“Isto reflete vários acontecimentos que vêm do passado, nomeadamente uma diminuição de fogos novos concluídos, a transformação de habitação para efeitos turísticos ou de turismo”, avança o CEO da Century.

Já do lado da oferta, adianta Ricardo Sousa, houve também “uma aposta sucessiva dos promotores investidores imobiliários no segmento médio e médio alto, ficando a habitação disponível para a classe média sem uma atenção específica por parte dos operadores privados e públicos”.

Para resolver o problema, o líder em Portugal e Espanha da imobiliária norte-americana diz que, de uma forma pragmática, “é necessário, fundamental e urgente aumentar o stock de habitação social em Portugal, principalmente nas cidades e nos mercados onde há uma maior tensão na procura”.

Só assim se aliviará a pressão sobre os segmentos médio e médio-baixo, refere Ricardo Sousa.


Para além disso, é preciso aumentar o fluxo de imóveis disponíveis para venda.

“Temos em Portugal aproximadamente 700 mil imóveis que não estão a ser utilizados, e devem ser criadas condições para que os proprietários coloquem esses imóveis no mercado”, avança o responsável da Century 21.

“Mas como o imobiliário é imóvel, não podemos mudá-los para os sítios em que é preciso. A reabilitação urbana, a nova construção tem de ser agilizada”, concretiza.

E se a Euribor subir?

Este estudo faz ainda projeções do valor a pagar por mês, se a Euribor subir um, dois ou até a um limite de três pontos percentuais. Em Lisboa e na sua área metropolitana pode levar as prestações para níveis incomportáveis para a maior parte das famílias.

No pior cenário, na capital, para uma casa de 90 m2 o crédito pode subir de 1.322 euros para mais 500 euros (1.876 euros). Isto na possibilidade da Euribor subir para os 6% − uma realidade afastada por Ricardo Sousa, que se sustenta nos indicadores macro.

“O pior cenário − e que não é expectável neste momento tendo em conta os indicadores macro, tanto nacionais como globais − é uma taxa de juro nominal acima de 5%. Aí teríamos toda a Área Metropolitana de Lisboa com sobrecarga do custo de acesso à habitação. Esse impacto na prestação mensal iria deixar a esmagadora maioria das famílias sem acesso à habitação”, refere.


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"Não é uma fatalidade que os preços das casas tenham que subir", Susana Peralta, economista.

Contudo, num cenário menos longínquo, em Lisboa, uma taxa de 4% da Euribor encareceria a prestação em 171 euros.

No entanto, Ricardo Sousa diz que a triagem de acesso à habitação está atualmente a ser feita à entrada.

As famílias que adquiriram casa no passado, sobretudo depois do ano 2018, “estão protegidas destes aumentos, porque apesar de as taxas de juro estarem negativas, o Banco de Portugal, através das medidas macro prudenciais, impôs aos bancos comerciais o teste de uma carga de 3% adicional de taxa de juro”.

“Ou seja, quem já está no mercado está protegido a estas subidas. Este teste continua a ser exigível, ou seja, eu tenho de testar a capacidade da família não a 3% da Euribor, mas a 6% da Euribor”, diz.

“Isso faz com que no acesso à habitação, as famílias já estejam a sentir os 5%. Quem está a ir agora ao mercado está a ser testada a sua taxa de esforço não a 2,8%, mas a 6%. Isso faz com que muitas famílias estejam fora do acesso à habitação”, conclui.

Arrendar não compensa financeiramente. Lisboa é exceção

Para o arrendamento, o cenário não é muito diferente. Em Lisboa, arrendar uma casa de 90 m2 custa o triplo do que se paga, por exemplo, em Beja, a cidade com arrendamento mais barato do país (351 euros).


A capital apresenta um preço médio de 1161 euros, um valor que não dista muito da média dos 1017 euros cobrados na área metropolitana. Mas Lisboa, em 2022, foi a única capital de distrito onde arrendar casa é mais barato do que comprar.

As cidades do interior continuam a ser as mais acessíveis, mantendo uma tendência registada desde 2018. Em termos da evolução das rendas entre 2019 e 2022, a tendência geral foi de acréscimo, com exceção de três capitais de distrito do interior – Bragança, Castelo Branco e Beja – onde a renda para uma casa de 90 m2 é atualmente menor, e de Lisboa, onde o valor para arrendar uma casa de 90 m2 é semelhante ao registado em 2019.

Nas restantes cidades, as rendas são superiores ao que eram há três anos, a maioria das quais refletindo aumentos de 80 euros a 120 euros mensais. Em nove capitais de distrito, o rendimento das famílias não permite arrendar uma casa de 90 m2, o que implica optar por casas mais pequenas.

São os estrangeiros que estão a amentar os preços?

Um tema que é sempre discutido em relação ao encarecimento dos preços da habitação nas grandes cidades e áreas metropolitanas, bem como no Algarve, é da compra de imóveis por estrangeiros, mas o CEO da Century 21 desvaloriza.

“O número de transações de casas vendidas em Portugal a clientes internacionais é inferior a 8% do número de vendas totais, continua a ser ainda marginal ou pouco expressivo. Também é verdade que o valor médio dos imóveis que estes clientes compram é praticamente o dobro daquilo que a aquisição média de um português. A aquisição média do cliente português situa-se entre os 160 a 170 mil euros e os clientes situam acima dos 300 mil euros”, concretiza.

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"A questão não é que a compra por estrageiros valha 8% no país inteiro. A questão é quanto é que valem nestes micro-locais, que são pontos extremamente localizados. É uma estatística puramente enganadora", Susana Peralta, economista.

A economista Susana Peralta não aceita a apresentação dos números desta forma. “Não faz sentido nenhum. A questão não é que elas valham 8% no país inteiro. A questão é quanto é que valem nestes micro-locais, que são pontos extremamente localizados. É uma estatística puramente enganadora”, argumenta, dando como exemplo o caso de Lisboa.

O mesmo defende para o alojamento local, em que os números da média não podem ser apresentados a nível nacional, quando o problema é local, ou seja, nas grandes cidades portuguesas e até em bairros específicos, e onde de facto esse fenómeno tem um efeito super-inflacionista no preço.

“Em média não temos um problema de acesso à habitação, o problema é que as pessoas não querem viver em Beja, Guarda e Castelo Branco, onde os preços são mais baratos”, avança.


 

O que se devia saber, defende Susana Peralta, é quanto valem as compras desses residentes não habituais em locais específicos e que tipo de imóveis compram. Só assim se iria perceber o reflexo que têm no aumento por metro quadrado. “Claro que essas pessoas têm impacto no preço”, contrapõe.

O problema das médias

Ao olhar para o estudo, a economista alerta ainda para o facto de que quando se olha para médias, há fatores que levam a que os dados possam ser inflacionados. E que por isso se deve olhar para estes números com cuidado.

“Basta haver uma pequena margem de pessoas, de famílias, muito endinheiradas para comprar as propriedades mais caras para esse preço médio continuar a aumentar sem que isso tenha uma relação com o valor médio dos rendimentos das pessoas”, explica.

Diz ainda que “o mercado habitacional é extremamente segmentado e, portanto, o preço por metro quadrado a que alguns tipos de consumidores vão ter acesso é muito diferente do preço por metro quadrado dos outros".

É por isso, acrescenta Peralta, que "é importante olhar para essa diversidade no mercado”, algo que este estudo falha em fazer, olhando “apenas para a diversidade local”, indica.


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"Para este ano, 2023, haverá uma estabilização dos preços, em particular nestes mercados, no centro da cidade de Lisboa, no centro da cidade do Porto e mesmo no Algarve", Ricardo Sousa, CEO da Century 21.

“Estes preços são de transação, ou seja, o valor a que foram vendidas. Eles continuarão enquanto tivermos políticas de atração de nómadas digitais e residentes não habituais, ou vistos gold e fundos imobiliários”, assume. “Os benefícios fiscais são despesa pública. Estamos a perder dinheiro”, acrescenta.

A mesma Susana Peralta alerta ainda para outras limitações metodológicas do trabalho, “muito ligadas à dificuldade que nós temos em ter uma informação mais detalhada, não só acerca dos rendimentos como acerca do preço do imobiliário".

“O rendimento em sede de IRS é uma medida parcial do rendimento, não é uma medida do rendimento disponível das famílias. Para quem os queira, tem de ir ao inquérito às condições de vida e rendimento, mas que depois não dá para inserir nada a nível municipal”, refere.

A falta de acesso à habitação não é geral

Em resumo, Ricardo Sousa diz que não há um problema genérico com o mercado imobiliário em Portugal, pelo contrário.

“Temos 2,9 milhões de famílias e agregados familiares, ou seja 70% das famílias portuguesas são proprietários, e desses, mais de 90% ou não tem encargos com a sua habitação ou tem um encargo inferior a 500 euros mensais”, considera.


O grande desafio que se coloca, segundo o líder da Century 21, e que deve ser o foco da nossa preocupação é o acesso à primeira habitação, a emancipação dos jovens, a família, ou o casal, que está no mercado de arrendamento e quer comprar a sua primeira casa.

Por fim, em relação aos preços para 2023, o CEO da Century 21 antecipa uma estabilização dos preços, em particular no centro da cidade de Lisboa, no centro da cidade do Porto e mesmo no Algarve. Prevê uma relação entre vendedor e comprador mais equilibrada.


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