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Mais de 20 mil famílias da classe média já pediram ajuda à DECO

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Crédito à habitação. Mais de 20 mil famílias da classe média já pediram ajuda à DECO

07 out, 2022 • Marina Pimentel


Jurista da associação de defesa do consumidor defende criação de "uma linha de crédito, à semelhança do que foi feito em 2009, para ajudar essas famílias” em dificuldades, face ao aumento das taxas de juro e à inflação.

O Governo anunciou finalmente medidas para diminuir o impacto da subida dos juros no empréstimos à habitação. Mas há quem receie que se trate de uma mão cheia de nada.

O Secretário de Estado do Tesouro revelou, na quinta-feira, que prepara uma proposta de lei de resposta ao agravamento da taxa de esforço das famílias, que passaria pela extensão dos prazos de amortização da dívida.

O anúncio foi feito durante um debate agendado pelo Bloco de Esquerda e em que foram votados 16 projetos dos partidos da oposição, no âmbito da habitação, tendo sido aprovados na generalidade apenas dois, um do BE e outro do Livre, exatamente sobre a imposição de limites para a taxa de esforço das famílias no crédito à habitação.

Os dois projetos baixaram à comissão parlamentar. Mas a deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua teme que, “pela forma como o debate decorreu, pela agressividade manifestada pelo PS, que este partido queira desvirtuar a proposta na comissão parlamentar”.

O que é que podia desvirtuar a proposta? “O PS tem tendência a fazer isso, que é aprovar grandes ideias, e depois vai impondo condições e restrições no acesso que tornam a medida inviável na sua aplicação prática”, responde a deputada bloquista.

Também a jurista da DECO Natália Nunes teme que o Governo venha a dificultar tanto o acesso que torne a medida inútil.

"Eu espero que não venham a inspirar-se no que foi o regime extraordinário de 2012, que vigorou até 2015, e é reconhecido por todos que foi um regime que deixou de fora todas aquelas famílias que efetivamente precisavam de ter aceso a um regime específico. Porque tinha uma malha tão apertada, em termos de requisitos, que impossibilitava na prática que as famílias recorressem a ele.”

Moratórias não chegam

Uma das medidas que se previa que viesse a ser acolhida na proposta de Orçamento do Estado do próximo ano (OE 2023), já não o deverá ser, uma vez que acabou chumbada com os votos do PS. Em causa dois projetos do PAN e do Chega que defendiam a reposição da possibilidade de as famílias descontarem as prestações ao banco nas deduções à coleta do IRS, medida que foi revogada em 2011, com a Troika.

Inês Sousa Real, a única deputada do PAN, já não acredita que a ideia possa ser recuperada, em sede de debate do Orçamento do Estado para 2023.

”Não nos parece que o Governo esteja com essa disponibilidade. Esperamos evidentemente que o trabalho que seja feito em sede de orçamento, que o PS não fique isolado nesta matéria, porque é fundamental garantirmos que as famílias têm um alívio efetivo, porque não podemos reiteradamente dar apenas as moratórias como resposta, como aconteceu no tempo da pandemia, porque o que acontece é que são créditos que não desaparecem, são dívidas que não deixam de existir, e é fundamental garantirmos um alívio efetivo, porque bem sabemos que a atualização salarial também não vai correr ao ritmo da inflação.”

O deputado do Chega Filipe Melo diz que “é ao Governo que compete corrigir e combater as desigualdades sociais”. Mas acredita que em sede de OE 2023 vai ainda ser possível aprovar medidas “para minorar o impacto da subida dos juros sobre o crédito à habitação”. Lembra que “os países do sul da Europa estão muto mais vocacionados para a compra de habitação, e que isso tem sido alimentado pelos vários governos, e os do norte para o arrendamento. Por isso quando acontecem estes fenómenos, saímos prejudicados”, conclui o parlamentar do Chega.

Mais de 20 mil famílias já pediram ajuda

A subida das mensalidade pagas ao banco é um problema que afeta mais de um milhão e 800 mil portugueses, que têm crédito bancário e que não negociaram uma taxa fixa. Todos os créditos à habitação com taxa variável, 93%, estão indexados à Euribor, cujas taxas têm vindo a subir dramaticamente nos últimos meses, para domar a pressão inflacionista. Por causa disso, as prestações da casa estão a subir: este mês, a taxa de juro médio para novos empréstimos já ultrapassou os 2% pela primeira vez desde maio de 2016.

A DECO revela que “já tem pedidos de ajuda de mais de 20 mil famílias, a maioria da classe média”. Natália Nunes admite que há situações muito preocupantes, porque o que se prevê é que as mensalidades vão subir muito ao longo do próximo ano. "E há famílias que já nem estão a conseguir fazer face ao aumento registado em setembro”, destaca.

A jurista da DECO diz que após 2012 a banca contratou crédito à habitação em condições que hoje tornam quase impossível a restruturação da dívida.

“Houve muito crédito que foi contratado já com condições no limite, em termos de maturidade, em termos de duração. Nós temos crédito à habitação com a duração de 50 anos, em que se permitia que os titulares do crédito tivessem até 80 anos. Essas famílias que têm esses créditos à habitação ,como é que agora os vão conseguir restruturar a dívida? Dificilmente.”

Natália Nunes defende, por isso, que “deve ser criada uma linha de crédito, à semelhança do que foi feito em 2009, para ajudar essas famílias”.

O economista Pedro Brinca explica que todas as medidas destinadas a combater a inflação geram sofrimento sobretudo nos mais desfavorecidos. Mas contrapõe: "O contrato social que temos enquanto sociedade exige que se definam limites a partir dos quais não pode impor-se mais sofrimento às pessoas."

Defende por isso que "as medidas sejam mais condicionais e muito mais focadas em quem precisa muito e quem está em condições de privação que nós, enquanto sociedade, através do processo político, rejeitamos. Isso para mim é o que me faz sentido”.

O professor da Universidade Nova acha globalmente “positivo que os partidos da oposição tenham tentado apresentar soluções para o problema, até porque não se percebia que tendo o Governo aprovado medidas para suster as rendas no arrendamento, nada fizesse em relação à subida das prestações pagas ao banco” por quem tem casa própria.

Questionado sobre o facto de os bancos não refletirem a subida dos juros apenas para os credores e não para os depositantes, o economista defende que “não se resolve com legislação, mas com a existência de uma verdadeira concorrência entre os bancos”.

O crédito à habitação e a subida dos juros foi o tema em debate neste episódio do "Em Nome da Lei", transmitido aos sábados na antena, a seguir às 12h00. O programa está disponível também nas plataformas de podcast e no agregador da Renascença, o popcast.

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