Tempo
|

Reportagem

"Somos o bode expiatório". Empresários criticam travão ao alojamento local em Gaia

23 jan, 2023 - 07:00 • André Rodrigues

Executivo socialista liderado por Eduardo Vítor Rodrigues vai aprovar, esta segunda-feira, a suspensão por um mínimo de seis meses, de novos registos de imóveis para Alojamento Local (AL), alegando a necessidade de disciplinar o setor e de garantir que esta modalidade não substitui o arrendamento tradicional. Empresários dizem-se perseguidos e garantem que esta decisão não resolve nada.

A+ / A-
OuvirPausa
0:00 / 0:00

Sábado, 16h00. O vento torna a tarde mais fria, mas o sol convida à travessia entre o Porto e Gaia pelo tabuleiro superior da Ponte Luiz I.

Um enxame de pessoas, famílias, turistas passam para o lado de Gaia, como que atraídas pela música ao vivo que anima o Jardim do Morro.

É um clássico das tardes de fim de semana e “é a melhor vista para o Porto”, sorri Sónia Afonso, empresária de Alojamento Local (AL) que gere cerca de 20 imóveis em Gaia, a cidade onde viveu, desde sempre, apesar de ter nascido do outro lado do rio na freguesia da Sé.

Sónia conta à Renascença que foi apanhada de surpresa por esta decisão da Câmara de Gaia de suspender novos registos de AL por seis meses, renováveis por mais meio ano, até que esteja em vigor a versão definitiva do regulamento municipal sobre estes alojamentos.

Entre os principais argumentos, o município alega que já dispõe de uma “resposta sólida” em alojamentos turísticos e quer, por isso, aplicar um travão para reduzir a pressão dos AL, para que não substituam o arrendamento tradicional.

Perante estes argumentos, Sónia Afonso diz que “nada disso faz sentido” e que esta decisão da autarquia de Gaia “não resolve nenhum problema daqueles que sabemos que existem na habitação”.

E justifica: “os AL que existem advêm, na sua maioria, de habitações que estão a ser reabilitadas e que são, muitas vezes, utilizadas por emigrantes que utilizam a casa quando estão cá, ou como segunda habitação. O facto de estarem a fazer Alojamento Local ajuda-os a pagar as contas, a conseguir manter o imóvel, mas não retira nenhuma casa ao arrendamento tradicional”.

AL, o “bode expiatório”

Sónia conclui, assim, que esta intenção da Câmara de Gaia é “a solução mais fácil, é um tapar de olhos para criar a sensação de que alguma coisa está a ser feita”.

No centro histórico de Gaia, nas ruas transversais à Avenida da República, perto da ponte Ponte Luiz I, há vários edifícios que reclamam uma reabilitação. “Acham que a solução é deixar isto ao abandono?”, questiona.

Sónia Afonso defende que “havia margem” para o AL ainda crescer um pouco mais, “sem que isso traga pressão exagerada”.

“Era uma das possibilidades que tínhamos de reabilitar estes edifícios devolutos que vemos nesta zona histórica da cidade. Podem ser reabilitados alguns para habitação, com certeza, mas muitos têm espaço para serem reabilitados para Alojamento Local”

Contudo, diz, “estamos a ser um bode expiatório”, com consequências “altamente gravosas para toda a comunidade”.

Para esta empresária, o AL “é um negócio de pessoa a pessoa, carregado de afetos, onde os turistas têm um contacto muito próximo com a realidade e com a identidade local”.

“Nós levamos os nossos lençóis à lavandaria que fica aqui no bairro, a senhora que vem fazer limpeza é daqui da cidade; quando os nossos hóspedes nos pedem informações, nós enviamo-los a tomar o pequeno almoço ao café que fica por baixo do prédio. Tudo isso gera uma economia importante à volta do Alojamento Local”, detalha.

Com esta suspensão, “tudo isso fica posto em causa”.

AL corresponde a 0,9% das casas de Gaia

Em declarações à Renascença, o presidente da Associação de Alojamento Local em Portugal (ALEP), Eduardo Miranda, também diz ter sido apanhado de surpresa por este travão ao AL, que vai ser aprovado esta segunda-feira pelo executivo socialista liderado por Eduardo Vítor Rodrigues.

Contudo, segundo este responsável, esta decisão tem uma origem mais profunda, que é transversal às questões da habitação em Portugal: “é, fundamentalmente, um sintoma de que não há grandes medidas para a habitação”.

Miranda lembra que “a construção de novas habitações é que é o problema principal, quando se fala de habitação social ou habitação acessível. Só que, como isso leva tempo, é preciso ganhar tempo. E ganhar tempo, muitas vezes, é o pretexto para encontrar um elo mais fraco, um bode expiatório”.

“Desvia-se todas as atenções para o Alojamento Local para que seja alvo de uma certa raiva social e deixa-se de lado a verdade”, acusa o presidente da ALEP.

Por outro lado, este responsável adverte que a adoção de “regras de suspensão onde não há indícios de pressão vai criar zonas de contenção que vão contribuir para um enorme agravamento fiscal para os pequenos operadores”.

Ou seja, pessoas que, “em muitos casos, investiram todas as suas poupanças nisto e que dependem disto”.

De acordo com o Censos 2021, o concelho de Vila Nova de Gaia tem 13.500 casas inabitadas e 1.200 alojamentos locais, a maioria feitos em casas de segunda habitação ou em imóveis reabilitados.

Para Eduardo Miranda, o resultado é simples de apurar: “O AL corresponde a 0,9% das casas do concelho de Gaia. São 1.200 alojamentos num concelho que tem 140 mil casas”.

E mesmo na zona histórica de Gaia, onde se concentra metade dos imóveis de AL existentes no concelho, “estamos a falar de 600 alojamentos locais, numa zona que tem 2.200 casas vagas”.

“Vejam se os debates sobre isto trazem números reais. Não. Trazem um ou dois números, o problema da habitação, o aumento dos preços, criam o ambiente dramático para justificar uma medida que não faz o menor sentido e não vai resolver rigorosamente nada”, lamenta o presidente da ALEP.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+