10 mar, 2022 - 00:00 • Teresa Paula Costa
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“Antes de ser russa, sou um ser humano”, diz Natalya Novikova que, há mais de uma semana, desdobra-se entre a instituição bancária onde trabalha, a casa que partilha com a filha e o marido ucraniano e o estádio municipal de Leiria, o local onde a Câmara Municipal preparou os camarotes para acolher refugiados ucranianos.
Em entrevista à Renascença, Natalya conta que, quando o marido lhe contou que a Rússia tinha invadido a Ucrânia, “não quis acreditar”. “Recebi a mensagem de manhã do meu marido e disse-lhe: ‘Estás a brincar??!!’” “Não estou! Vê as imagens”, foi a resposta de Dmytro Kovalchynskji.
Ao ligar a televisão, “não queria acreditar!” Até ao último minuto, não queria acreditar que o Presidente russo tivesse sido capaz.
“Fiquei em estado de choque!”, conta. Além disso, “fiquei preocupada com a Ucrânia e com a minha família que está na Rússia”, pois anteviu logo as sanções a que o país ficaria sujeito e que dificultariam a vida à população.
Mas o que fez despoletar a ideia de ajudar os conterrâneos do marido foi o facto de, dois dias antes, uma amiga ucraniana ter ido passar férias ao país natal. Uma amiga em perigo que Natalya sentiu necessidade de “salvar”, assim como aos seus familiares.
A esta necessidade interior juntou-se o facto de vários amigos ucranianos que vivem em Leiria terem familiares na Ucrânia. “A intenção foi salvar os entes queridos”, admite a jovem que, para isso, foi pedir ajuda à autarquia.
Sensibilizado, o executivo camarário responde positivamente.
Mas, antes da Câmara começar a desenvolver os preparativos, já o marido de Natalya estava a caminho da Hungria na sua viatura particular.
Dmytro Kovalchynskji vive na região de Leiria desde 2009. Apesar de se ter licenciado em turismo, o jovem é motorista profissional. Por isso, está habituado a percorrer milhares de quilómetros e não se fez rogado quando pensou em meter-se à estrada em busca dos conterrâneos.
“Estava em França quando ouvi as notícias e pensei logo em como podia ajudar: pensei em juntar-me aos combatentes para defender o meu país, mas percebi que, como não tenho experiência militar, não seria útil, assim, enquanto os meus amigos ucranianos estão a proteger o país, eu estou a proteger as ‘costas’ deles, a trazer as mulheres e filhos deles para um sítio mais calmo”, diz à Renascença.
No seu carro, trouxe para Leiria três pessoas. Vários desconhecidos que souberam pelas redes sociais ajudaram a pagar as despesas. Dias depois, iria numa caravana de várias carrinhas que traria para Leiria mais 21 pessoas, sobretudo mulheres e crianças.
Em Leiria, estão envolvidos na campanha de resgate e acolhimento voluntários portugueses, ucranianos e russos. Uma união que espelha a harmonia que há anos reina na comunidade de leste existente na região.
“Temos moldavos, romenos, naturais do Cazaquistão e do Ubzequistão, todos falamos a mesma língua, o russo”. Um exemplo de como pessoas de várias nacionalidades podem viver em paz e harmonia. “Somos todos humanos, somos todos irmãos e ajudamo-nos uns aos outros.”
E nem agora, com a guerra, a nacionalidade é um problema. “Já cá estou há 20 anos, todos sabem como sou, que estou sempre pronta a ajudar.”
Por causa da guerra, Maria Postolenco teve de deixar Kiev com a mãe. Aos 14 anos, vê-se sem teto e sem posses. Mesmo assim, quer voltar para a Ucrânia.
“Sinto-me bem, mas quero voltar para casa, para a Ucrânia, porque gosto de estar aqui, mas a casa é a casa.”
Por enquanto, a casa é um camarote no estádio municipal de Leiria. Um alojamento de luxo comparado com o que experienciou na Roménia onde esteve num pavilhão cheio de colchões.
Um conforto e bem-estar que a câmara municipal de Leiria quis dar aos refugiados.
“Não se trata de ser um centro de acolhimento de cinco estrelas, mas acima de tudo, está em causa a dignidade humana e, enquanto tivermos condições para garantir essa dignidade e essa qualidade, iremos fazer de tudo para que assim seja” disse à Renascença o vereador da proteção civil e ambiente.
“Se fosse o contrário, era isso que nós gostaríamos de encontrar do outro lado”, justificou Luís Lopes, que considerou importante tratar as pessoas “com dignidade e sem o rótulo de refugiado, de deslocado, mas de cidadão do espaço europeu.”
Cada quarto foi mobilado de acordo com o agregado familiar.
O espaço tem capacidade para acolher 70 pessoas. Esgotada essa capacidade, “vamos para as alternativas que já estamos a preparar”. Trata-se de unidades hoteleiras que estão, neste momento, fechadas e outras infraestruturas privadas.
Luís Lopes tem consciência de que alguns refugiados querem regressar logo que a situação acalme, por isso “não estamos a pressioná-los no sentido de se integrarem rapidamente, mas estamos a fazer a recolha e o diagnóstico de todas as ofertas que temos em termos de alojamento, emprego e educação para que, se isto se prolongar, eles tenham serviços de saúde e educação, em primeira instância, e depois, emprego e habitação.”