08 mar, 2022 - 22:44 • José Pedro Frazão , enviado especial à Ucrânia
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Tatiena aguarda o autocarro para Cracóvia junto à estação central de Lviv.
Ariz, professora de teatro, diz que os seus quase 40 anos de vida foram muito bonitos, mas, agora, a vida mudou para esta ucraniana de Odessa, no sudeste da Ucrânia.
À beira do mar Negro, o futuro tornou-se ainda mais turvo. Um dia, alguém na família pôs Tatiena a pensar duas vezes na vida: "o meu primo fez-me uma pergunta decisiva: ‘para que é que fizeste nascer uma criança? Para ficar neste mundo num abrigo anti-bombardeamento?’ Então, percebi que queria que a minha filha vivesse em paz. Espero que esta situação esteja a chegar ao fim".
A filha veio para Lviv no último comboio de Odessa que saiu já na madrugada de dia 6 de março. Tem 16 anos e uma história para escrever no mundo.
À Renascença, Tatiena conta que a filha "é de uma geração completamente diferente".
"Eu estudei a primeira e a segunda guerras nucleares, sabia todos os detalhes militares, li tudo sobre guerra, mas a minha filha é de uma geração completamente diferente. Por exemplo, a minha filha não sabe o que é andar nos comboios apenas apoiado num pé ou entrar nas filas. Graças a Deus tivemos uma viagem calma de Odessa para Lviv. Foi o último comboio a partir e conseguimos lugar nas camas superiores disponíveis. Estamos agora aqui, graças a Deus", desabafa.
Odessa está encostada à Rússia, mas a circunstância nunca assustou esta especialista em dramas de palco.
"Nunca esperei que acontecesse uma coisa destas. Todo o mundo deve saber que a Ucrânia tem um grande coração e sabem genuinamente o que é o amor. E quando se ama alguém não se apunhala essa pessoa pelas costas".
Como é que Tatiena vai reconstruir a vida na Polónia, longe de casa? "Sou atriz e professora de teatro. Para ensinar a arte do teatro, é suposto estar feliz. Mas a minha alma não está ainda preparada para isto. Mas recebi muitos pedidos de alunos para continuar a trabalhar comigo e estou a pensar voltar a dar aulas agora on-line.
Vai ficar tudo bem. A frase que se ouviu por aí na pandemia tem uma versão ucraniana, em nome de um país inteiro e não retalhado.
"Vejo, não apenas Odessa, mas todo o território como uma só Ucrânia. Na língua ucraniana há uma expressão que diz que “ tudo vai ficar ucraniano” como “tudo vai ficar bem”. Depois de reconstruirmos o nosso território, todos os países vão querer ser nossos amigos".
À beira da hora do recolher obrigatório em Lviv, a exceção à lei é ainda mais triste. Quem está nas filas para fugir da cidade não tem multa, não tem culpa.
Marena está ali ao lado, noutra fila, a do comboio.
"Eu e a minha família deixámos hoje Kiev. Fizemos uma viagem de 11 horas de comboio. Neste momento, vamos para a Polónia. Quando lá chegarmos, espero que os voluntários polacos nos ajudem a decidir para onde devemos ir a seguir. Se Riga, na Letónia, ou Tallin, na Estónia. Ainda não decidimos".
Esta esteticista viu a guerra entrar-lhe no bairro num destes dias terríveis da capital ucraniana.
"Decidi tirar a minha família da Ucrânia, porque a minha casa em Kiev fica numa região que está a ser bombardeada. Primeiro, trouxemos a nossa família para Kiev, mas depois a casa ao lado da nossa foi bombardeada, e aí percebemos o que é realmente a guerra. É por isso que estamos a tentar chegar à zona ocidental da Ucrânia e, talvez, mais além".
Veio com pouco mais do que a roupa que traz vestida. Vem devidamente preparada para a noite gélida dos comboios e das estações que vai percorrer até encontrar de novo quatro paredes que serão casa provisória.
"Só trouxemos mesmo o necessário, porque estávamos a fugir. Até ao último minuto, não acreditámos que a Rússia fosse mesmo atacar civis ucranianos com bombardeamentos. É por isso que só trazemos connosco alguns documentos, dinheiro e as coisas mais importantes. Hoje até brinquei com a situação no comboio, com as minhas amigas, e disse-lhe que temos que ir às compras arranjar mais roupa. Mas hoje estamos muito otimistas, porque só demoramos 11 horas a chegar de Kiev a Lviv".
Há bastante esperança na voz desta mulher que encontrei à entrada do terminal: "eu, a minha família e os meus amigos temos esperança de que isto termine dentro de uma ou duas semanas. Pelo menos, os ataques aéreos e os bombardeamentos. Estamos prontos a regressar à Ucrânia e reconstruir a nossa cidade. Para já, estamos prontos para ficar fora durante um mês, pelo menos, por motivos financeiros. Mas espero poder regressar a casa o mais cedo possível".
Por fim, um apelo á mobilização Marena quer que todos em Portugal e na Europa saiam à rua, por todos aqueles para quem a rua foi saída de emergência.
"Os portugueses não devem distanciar-se desta situação. Se virem que a Ucrânia está sob ataque, se virem que está tudo muito mal por cá, devem levantar-se e sair à rua em protesto e apoiar-nos, porque nunca sabemos que país será a seguir. Se Portugal alguma vez for bombardeado, estamos prontos a ajudar. Por favor, pedimos todo o apoio que nos possam dar agora".
Tatiena e Marena, duas ucranianas em fuga a partir da estação gelada de Lviv no Dia Internacional da Mulher.