21 fev, 2024 - 23:46 • Sandra Afonso
Que desafios Portugal enfrenta? Para responder a esta pergunta em tempo de eleições legislativas, a Renascença fez uma série de entrevistas temáticas, onde se inclui a atual entrevista a Tiago Oliveira, sobre trabalho.
Veja aqui as restantes entrevistas:
A valorização do trabalho é a grande bandeira do sindicalista Tiago Oliveira que, aos 43 anos, se prepara para ser o mais novo secretário-geral da CGTP.
O atual dirigente da União de Sindicatos do Porto já tem um largo currículo como representante dos trabalhadores, uma história que começou em 2003, como delegado sindical na Auto Sueco, na Maia, onde ainda trabalha. Agora deverá dar o grande salto, caso se confirme em votação, no congresso da CGTP de 23 e 24 de fevereiro, a nomeação da comissão executiva. Em causa está a sucessão de Isabel Camarinha, impedida de se recandidatar, por ter atingido o limite de idade.
Em entrevista à Renascença, o futuro secretário-geral da CGTP considera que os movimentos inorgânicos de protesto são positivos e não vê qualquer problema com os mesmos. As organizações sem ligações a sindicatos são uma vantagem e não uma ameaça para o sindicalista.
Tiago Oliveira analisa as propostas eleitorais apresentadas pelos partidos, sobretudo o PS e a AD, que neste momento têm mais probabilidade de assumirem a próxima legislatura.
O sindicalista destaca a herança que as duas forças políticas do centro deixaram em anteriores governos e critica a valorização salarial apresentada, porque ficam aquém da proposta da CGTP.
Alvo de críticas é também a entrada dos privados nos serviços públicos.
Sobre a atividade sindical, Tiago Oliveira prefere não comentar. Este filho de sindicalista está habituado ao meio e sabe que este ainda não é o momento, primeiro é preciso "ouvir" os votos dos congressistas. Sobretudo os que acusaram algum desconforto, com a ligação de Tiago Oliveira ao PCP.
Há muitas propostas em comum entre os partidos, nomeadamente PS e AD. Destaco o salário mínimo de 1.000 euros e o salário médio acima de 1.700 euros até 2028. É suficiente?
A questão aqui não se prende apenas com o salário mínimo nacional (SMN), prende-se com a valorização dos salários de uma forma geral, com a valorização de quem todos os dias garante que nada nos falta, e esses são a maioria da população, são os trabalhadores.
A proposta da CGTP, neste momento, assenta na valorização dos salários, um aumento de 15%, com um mínimo de 150 euros. É por isso que nos vamos continuar a bater.
E sobre as propostas dos candidatos a primeiro-ministro?
Relativamente à campanha eleitoral, é positivo a CGTP ter já lançado a necessidade urgente da subida dos salários, nomeadamente do SMN, permitiu que o debate fosse assumido por todos os partidos políticos. A questão agora prende-se com a forma de aplicação.
Há várias propostas, dependendo do partido político. A diferença é o prazo temporal que cada um apresenta. Entendemos que não pode depender de um mandato de três ou quatro anos. É uma emergência nacional, para responder às dificuldades do aumento do custo de vida, do custo da habitação, do aumento dos preços dos bens essenciais, dos custos energéticos. Reparemos no aumento brutal do preço dos combustíveis, em curso, e nos lucros astronómicos que a própria Galp apresentou para o ano de 2023, de mais de mil milhões de euros.
Há uma desvalorização muito grande do trabalho, em prol dos grandes grupos económicos e financeiros e, por isso, vamos continuar a bater pelo aumento concreto dos salários, pela valorização dos trabalhadores, reformados, pensionistas e jovens. Embora seja uma discussão em curso, estamos em campanha eleitoral, queremos uma resposta concreta a um momento muito difícil para os trabalhadores.
Não encontra essa resposta em nenhum dos programas eleitorais que foi apresentado?
Encontra-se em algumas das propostas apresentadas. Há partidos que acham que podemos atingir a proposta da CGTP durante o mandato de quatro anos. Isso rejeitamos por completo, porque já hoje os trabalhadores têm mês a mais para o salário que têm, dificuldades enormes na resposta às necessidades básicas, a sobreviver durante um mês e, por isso, não acompanhamos a diluição do salário mínimo nos mil euros durante o mandato, nem que procurem colocar as empresas como ponto de partida de discussão. Para nós, a discussão deve começar pela maioria da população: os trabalhadores, os reformados, os pensionistas e os jovens. É a esses que temos de dar resposta.
Olhamos para a discrepância entre os lucros acumulados dos grandes grupos económicos e os salários da maioria da população e concluímos que, aqueles que apoiarem o aumento efetivo dos salários, o aumento do SMN, esses de certeza que estão do lado certo, do lado da maioria, do lado dos trabalhadores.
As carreiras da Função Pública estão a ser abordadas pelos partidos, além de situações pontuais e específicas levantadas por protestos de rua, como é o caso dos polícias?
A questão tem sido abordada: os serviços públicos, o Serviço Nacional de Saúde (SNS), a escola pública, a sustentabilidade da Segurança Social, as forças de segurança. Agora, a questão fundamental é olhar para o que tem sido a importância dessas estruturas na esfera do Estado, a potencialidade de resposta às necessidades da população e o que alguns partidos querem e têm como propostas, a sua aplicação, a aposta no setor privado para colmatar deficiências no que dizem que têm sido as respostas dadas por estes serviços.
O SNS tem sofrido os maiores ataques na sua sustentabilidade, seja através da valorização dos seus profissionais, seja através de meios e equipamentos para assegurar o seu funcionamento, seja através do seu próprio financiamento. Metade do Orçamento do Estado para a saúde vai para o sector privado, logo aqui está uma demonstração do que têm sido as políticas de sustentabilidade no Serviço Nacional de Saúde.
Fala do SNS, que tem sido marcado por fortes protestos dos profissionais e onde aumentam as queixas dos utentes. De quem é a responsabilidade?
Não podemos apenas responsabilizar o SNS quando há queixas, temos de responsabilizar os responsáveis pelo estado em que as coisas se encontram. Este desvio orçamental identifica exatamente os culpados e as políticas em curso demonstram que há uma aposta no setor privado, o mesmo que, por exemplo, muito recentemente, no tempo da pandemia, deixou de dar resposta quando ela era mais necessária. Essa resposta recaiu no SNS.
Há Estado a menos?
O mesmo se passa na escola pública com a desvalorização dos seus profissionais, os professores, os auxiliares e com o repetido recurso ao sector privado para responder às necessidades do sector público, quando defendemos exatamente o oposto. A escola deve ser o garante da educação para todos de igual forma e isso tem sido descurado, tem sido uma forma de desvalorizar a escola pública em detrimento do setor privado.
O mesmo se passa com os serviços públicos e com as forças de segurança, quando partimos do princípio que olhamos para a necessidade económica em detrimento daquilo que são as necessidades das pessoas e dos seus profissionais. Neste momento, temos as forças de segurança na rua, em protesto, com toda a legitimidade, porque sentem que têm sido esquecidos durante anos e anos e que é a sua hora de mostrar o descontentamento que sentem.
Este retrato que apresenta é também o resultado das contas certas apresentadas pelos governos de António Costa?
As contas certas de que o Partido Socialista tanto se vangloria são conquistadas à custa de uma política que não tem tido como alvo principal a valorização dos trabalhadores, das pensões de reforma, a valorização daqueles que são parte fundamental para o país andar para a frente.
Olhemos para os lucros abissais dos grandes grupos económicos e financeiros, a Caixa Geral de Depósitos, o Novo Banco, para todas essas instituições financeiras. Olhemos para o setor privado, que continua com lucros enormes, e olhemos para as condições de trabalho diárias dos que têm insegurança no posto de trabalho, que têm vínculos de trabalho precário, que trabalham sem qualquer tipo de estabilidade laboral. Aqueles que hoje, em pleno século XXI, têm horários de trabalho completamente desregulados, porque trabalham sábados, domingos e feriados para conseguirem um sustento digno para fazer face ao custo de vida mensal. Olhemos para as ameaças ao despedimento, as ameaças em torno da garantia de um posto de trabalho permanente.
Há tanta coisa por fazer! Tanta coisa para avançar e para sentirmos que, de facto, somos valorizados enquanto trabalhadores, que não deixaremos de ter em conta essa situação nas eleições do dia 10 de março.
E olhando para as propostas, sobretudo do PS e da AD, os partidos com maior probabilidade de formarem Governo, vê nelas essa valorização do trabalho e dos trabalhadores?
Uma coisa é certa, o passado fala por si. Só conseguimos construir o futuro olhando para o passado e analisando o percurso e as políticas que têm sido seguidas. Olhamos para a AD e para o período da troika e o significado que teve para os trabalhadores e na retirada de direitos, na penalização de salários, na retirada de feriados. Um período marcante e negro na história dos trabalhadores.
Opções políticas que foram tomadas, não nos podemos esquecer disso. Tudo aquilo que sentimos no nosso dia a dia é fruto de opções políticas. Se falamos do SNS, da escola pública, das relações de trabalho, da Segurança Social, estamos sempre a falar de opções políticas que são tomadas.
Se olharmos para o passado recente e aquilo que foi a opção política do PSD, do CDS, para não extrapolar e recuar ainda mais, no período da troika vemos exatamente aquilo que foram as opções políticas do Governo, de retirada de direitos a quem trabalha e de manutenção dos lucros aos grandes grupos económicos e financeiros.
Só encontra críticas à direita?
Da parte do Governo do Partido Socialista, há uma observação muito rápida e fácil de fazer. O Governo do Partido Socialista no período pós-troika teve uma correlação de forças na Assembleia da República que lhe permitiria ir muito mais longe do que aquilo que foi na restituição de salários e direitos aos trabalhadores.
Houve coisas positivas que marcaram esse período, sem dúvida, mas ficou muito aquém daquilo que era possível. Fica marcado por essa parte negra do Partido Socialista, em que, por exemplo, a facilitação dos despedimentos podia ter sido revogada, a questão da contratação coletiva podia ter sido alterada a nível da legislação laboral, a questão da valorização dos salários, o combate ao trabalho precário podia ter ido muito mais longe.
Esse período também fica marcado por uma oposição do Governo socialista, quando tinha na Assembleia da República condições para ir muito mais longe. E ainda mais marcado fica nos dois últimos anos, quando o próprio Partido Socialista na campanha assumiu que se tivesse maioria absoluta, agora sim, é que iríamos ver políticas sociais que iriam responder aos interesses de quem trabalha. Nada foi feito nesse sentido.
Concluindo, nenhum dos maiores partidos defendeu e deu prioridade aos trabalhadores?
O que posso dizer relativamente ao PS é à AD é que ambos os partidos marcaram no seu posicionamento opções políticas de fundo que pouco contribuíram para a valorização do trabalho e daqueles que trabalham diariamente e que precisam de estabilidade, de dignidade, para ter uma vida com futuro e com perspetivas de futuro.
Precisamos de olhar para os interesses de quem trabalha, no sentido de garantir que são valorizados na Assembleia da República.
Temos assistido a muitos protestos na rua. Ultimamente, os polícias têm sido os mais ativos, mas não são os únicos. Além dos sindicatos e associações, estamos a assistir a cada vez mais iniciativas geradas por movimentos inorgânicos. Isso preocupa-o, enquanto sindicalista?
Pelo contrário, qualquer tipo de forma de organização dos trabalhadores que parta do princípio de crescimento da sua condição de classe de cada trabalhador, que parta do princípio de que cada trabalhador sente a força do coletivo e que unidos conseguimos atingir as melhorias das nossas condições de vida, para nós são vantagens, que saudamos e que queremos que assim continue.
Obviamente, cá estaremos, como organização sindical que somos, para continuar a ser o baluarte, para continuarmos a ser o farol da luta pela conquista de direitos, pela reposição de salários, pela melhoria das condições de vida de quem trabalha.
Obviamente, hoje existem movimentos inorgânicos, que surgem nas redes sociais mas, no nosso ponto de vista, a partir do momento em que o trabalhador tem consciência de que pode lutar por uma vida melhor, seja através do movimento A, do movimento B ou através do seu sindicato de classe, aquilo que o trabalhador tem de garantir é organização, é unidade, na conquista de uma vida melhor.
Já tem muitos anos de experiência, não só sindical mas também como dirigente, sente-se preparado para novos voos, mais altos?
Neste momento sou dirigente da União de Sindicatos do Porto. Tenho um conjunto de camaradas de um coletivo muito forte que se tem empenhado ao longo destes anos, junto daqueles que compõem esta grande organização que é a CGTP e a União aqui no Porto. É aqui que, por enquanto, me sinto bem. É aqui que, por enquanto, hei de estar.
Mas está aberto a novas experiências?
Será sempre o órgão máximo da CGTP a ter essa decisão e será chamado a discutir isso no próximo congresso da CGTP, nos dias 23 e 24.