Aos 89 anos Eduardo Gageiro recorda ao detalhe o dia 25 de Abril de 1974. O jornalista era então fotografo do jornal Século Ilustrado e naquele dia o telefone tocou cedo em sua casa. Em entrevista à Renascença, recorda que na redação “havia muita gente politizada e ligada a partidos” e por isso teve informação privilegiada.

“Falaram-me para casa às 6h da manhã: ‘Ouve lá! Vai para o Terreiro do Paço, porque hoje é que é, e leva os rolos todos!” conta. Na mala levou 20 rolos, mas quando chegou ao local foi travado por um soldado.

Uma pequena mentira piedosa deu-lhe acesso a tudo. Perante o soldado que lhe disse que não poderia entrar, por ordem do comandante, Eduardo Gageiro teve sangue-frio para dizer: “Mas eu sou amigo do comandante! Leve-me ao comandante!”. Rapidamente confessa à Renascença que “não sabia quem era o comandante”.

“O tipo, cordial, disse ‘leve este senhor ao comante que é amigo do comandante’! Era uma mentira inócua” diz a sorrir, Gageiro. Quando chegou perto do comandante, apresentou-se: “Eduardo Gageiro, do Século Ilustrado!” na resposta ouvi-o: “Salgueiro Maia, mas eu conheço-o!”. Surpreendido, Gageiro interrogou: “Desculpe, mas conhece-me de onde?” e a resposta, ainda hoje o emociona: “Compro o Século Ilustrado todas as semanas”.

Espetador privilegiado dos acontecimentos, Gageiro recorda que de máquina fotográfica na mão, nunca sentiu medo naquele dia. “Ouvi várias vezes, dispara, dispara! Aquilo estava muito complicado. Eu estava atrás da chaimite, da Bula. Se eles disparassem, matavam todos. Acredite, sobre a minha palavra de honra, naquele dia não estava com medo. Estava revoltado. Já tinha sido preso pela PIDE e disse ‘hoje é que é’. Tem de acontecer qualquer coisa. Estou aqui como resistente!”.

Foi um dia longo, o de Eduardo Gageiro que terminou com uma fotografia que lhe ficou na memória e registada no último negativo que tinha no rolo. Estava então na sede da PIDE, na rua António Maria Cardoso, em Lisboa onde tirou uma das imagens icónicas do 25 de Abril, a de um soldado a tirar o retrato de Salazar das paredes da PIDE.

Mas aquela que foi a última fotografia que registou, é bem o espelho dos acontecimentos daquele dia. “Esse dia, acabou às tantas da manhã quando faço a última fotografia de um PIDE em cuecas! Foi o último negativo”, recorda.

Eduardo Gageiro conta que “vinha a sair da PIDE” e os soldados despiram o agente da PIDE e “tiraram-lhe uma pistola das cuecas”. Foi a última fotografia, porque “já não tinha mais rolo!”, relembra.

Questionado hoje como olha para trás para aquele dia e que avaliação faz do que 50 anos depois o país é, o jornalista Eduardo Gageiro recorda que ficou “felicíssimo” no dia da Revolução. “Como todos, pensei que íamos ter um Portugal diferente, mas não é tão diferente como eu gostaria que fosse”, diz desmoralizado o jornalista.