No dia 25 de Abril de 1974, João Soares estava a ser entrevistado pela Renascença. Há 50 anos a conversa com o jornalista Adelino Gomes foi breve, durou pouco mais de um minuto e decorreu junto ao Quartel do Carmo, em Lisboa, o epicentro dos acontecimentos.

“Não há garantias efetivas de que isto é efetivamente o começo de um regime democrático”. Com 23 anos, João Soares tinha o pai Mário Soares exilado e era percetível o grau de incerteza com que encarava a viragem política e social da revolução.

Essa curta conversa de há 50 anos é agora relembrada pelo próprio João Soares à Renascença, que confessa que andava há muitos anos à procura desta gravação sem qualquer sucesso. “É excelente como testemunho”, diz o socialista.

Cinquenta anos passados, o dirigente do PS, antigo deputado e ex-ministro revela uma memória fotográfica sobre os acontecimentos do dia “mais feliz” que diz ter tido na vida. Tudo começou com o telefonema de uma tia para a casa da família em Lisboa.

“Ligámos o rádio, percebemos o que se estava a passar e partimos imediatamente para a baixa, mais concretamente para o República”, conta João Soares, referindo-se ao jornal da época que era “uma espécie de quartel-general de todos os civis próximos da corrente socialista”.

É a partir da zona da rua Nova da Trindade, em Lisboa, que João Soares sai em direção ao quartel do Carmo com jornais debaixo do braço. “Fizemos esse percurso todo a distribuir jornais às pessoas e o jornal República foi o primeiro a trazer, no fundo da primeira página, uma inscrição a dizer ‘este jornal não foi submetido a nenhuma comissão de censura’.

João Soares lembra-se do encontro com o capitão Salgueiro Maia, que cumprimentou. “Era um homem de uma simplicidade e ao mesmo tempo de uma firmeza tranquila, serena”, recorda Soares. “Dissemos-lhe que devia ir ali à PIDE e ele diz: ‘não se preocupem, primeiro temos de tratar disto aqui e depois destes se renderem aqui logo tratamos disso’".

“Pertenço a uma família que acreditava que a revolução se ia fazer sempre no mês seguinte ou no ano seguinte”, salienta João Soares, que relembra características do pai, “um homem que tinha uma confiança fantástica, de uma coragem serena e tranquila, mesmo nas circunstâncias mais adversas”.

Soares lembra-se das visitas ao pai no parlatório do Aljube, “esteve sempre sorridente, sempre bem disposto e sempre com uma grande confiança, que aquela porcaria daquele regime ia cair um dia e caiu”.

Onde estava o país a 24 de abril de 1974? João Soares responde que estava com “a maior taxa de analfabetismo de toda a Europa Ocidental e também da Europa de Leste” e “que tinha a maior taxa de mortalidade infantil no mesmo quadro”.

Soares lamenta que os portugueses se entretenham com o desporto nacional que é dizer “mal de nós próprios”, porque ”mudámos isso, mudámos” e “isto não tem nada que ver com partidos”, com o dirigente socialista a salientar, por exemplo, que foi Leonor Beleza que “teve o papel mais importante na redução drástica da taxa de mortalidade infantil”.

Ou que foi o pai, enquanto primeiro-ministro, e António Arnaut como ministro dos Assuntos Sociais que “puseram de pé o serviço Nacional de Saúde, que ainda hoje é dos melhores serviços nacionais de saúde de toda a Europa”, defende João Soares. “É tão simples como isto”, remata o socialista.

A lição do 25 de Abril, Soares diz que a guarda na memória e nos olhos. A “pouca conversa” que teve com Salgueiro Maia junto ao Quartel do Carmo. A seguir a esse dia esteve várias vezes com o homem que é um dos símbolos da revolução e de quem guarda um testemunho de “profunda gratidão”.