26 nov, 2015 - 22:20 • João Carlos Malta , Joana Bourgard (fotos)
Uma, duas e outra vez. António tentou convencer os três polícias protegidos pelas barreiras de ferro que queria entrar. Tinha uma missão e queria muito cumpri-la. Na mão trazia um ramo de flores. Cinco rosas. Lá dentro estava a destinatária, Francisca Van Dunem. A mulher que nasceu em Luanda e que é a primeira negra a chegar a um executivo. Um facto que entra para os livros de História, como outros que aconteceram nesta quinta-feira no Palácio da Ajuda em Lisboa.
Para António Marinho, ex-operador de comunicações aeronáutica, este final de tarde frio de Novembro foi também marcante para a sua história. Pela primeira vez foi ver a tomada de posse de um governo. Por três ordens de razão, enunciou, parecendo já um político no púlpito.
Primeiro, “o momento histórico que o país vive” que, na opinião do octogenário, marca o fim à existência de “portugueses de primeira e de segunda que a direita criou”; em segundo, “a inteligência de António Costa que conseguiu criar esta solução”; e, por fim, a mulher a que se destinava o ramo de rosas que segurava nas mãos. Mas porquê dar flores à nova ministra da Justiça?
“Vivi durante muitos anos em Angola e gosto que uma pessoa como ela que, trabalhou muito para estar onde está, possa chegar a ministra. É bom ver uma angolana que escolheu o nosso país para viver se sinta bem em Portugal. Gostaria imenso de lhe dar estas rosas”, diz à Renascença António Marinho.
Ainda ficou muito tempo à espera de entrar, mas a inamovível barreira policial não cedeu. Van Dunem tomou posse e saiu. Pelo menos desta vez António não conseguiu.
Desfile de bombas
Pelo contrário, António Costa foi finalmente empossado como primeiro-ministro. O 13º desde 1976. Depois de ver Passos ser indigitado, de ajudar a dissolver o XX Governo ao fim de 11 dias, esperar que Cavaco ouvisse variadíssimas opiniões sobre a melhor decisão a tomar, mais de 50 dias depois das eleições, o secretário-geral do PS tomava liderança de um governo histórico em Portugal (pela primeira vez a esquerda parlamentar une-se para sustentar um governo do Partido Socialista).
No Palácio da Ajuda, o desfile de convidados para a tomada de posse dos 17 ministros, mais António Costa, e dos 41 secretários de Estado alongou-se durante muitos, muitos minutos. Dezenas, centenas de VIP’s chegavam nos bancos de trás das bombas alemãs de nome Mercedes e BMW. Tun, tun, Tun-tun, a placa metálica colocada no local em que os carros paravam não deixava ninguém passar despercebido.
Perto das 15h45, chegava António Costa. Um minuto depois, ou menos, Passos Coelho seguia-lhe o caminho. Os rostos não falam mas comunicam. Costa sorri, Passos mantem a expressão fechada. Ninguém fala aos repórteres que estão ali às dezenas para conseguir uma palavra. À entrada havia que manter a solenidade.
Coração político à esquerda
De volta ao gradeamento, a 50 metros da entrada para a cerimónia, uns passos ao lado de António estava Luís Mateus. Um angolano de 34 anos. O bancário lamentou que não deixem ver os políticos de mais perto. A curiosidade fê-lo querer avistar quem o vai governar nos próximos tempos.
A motivação foi encontrá-la à esquerda que é também onde está o seu coração político. Não podia ficar em casa, diz. Luís pensa que é um bom sinal para a democracia a compatriota Francisca chegar ao poder. E poderá até ter reflexos na melhoria das relações entre Portugal e Angola. “Com um governo de esquerda vai ser melhor”, perspectiva.
Em relação aos últimos quatro anos, Luís diz que nem sequer foi muito prejudicado. Não? “Não, estive empregado todo este tempo. Mas a mim preocupam-me os outros, os que perderam muito. Não acredito também que as coisas vão mudar muito para mim agora, mas para o país acho que vão mudar”, vaticina.
Afinal há ou não alternativa?
O futuro responderá se Luís tem ou não razão. Mas a umas dezenas de metros à sua frente, houve coisas que não mudaram. O presidente da República, Cavaco Silva, mostrou mais uma vez desagrado com a indigitação do governo socialista com suporte do PCP, PEV e BE. Disse que não tinha alternativa, afirmou que as respostas às garantias que pediu não lhe dissiparam todas as dúvidas, e alertou que será leal mas não passivo. Foi curto (o discurso demorou dez minutos) e grosso (garantiu que não vai abdicar de nenhum poder a não ser do dissolução que a Constituição lhe cerceia nesta fase).
Deixou muitos recados, desde as metas orçamentais, aos compromissos europeus, passando pela participação nas instituições internacionais. Ainda assim, acabou a desejar sucessos.
Seguiu-se António Costa. Não quer ouvir falar em temores, garante ter um governo confiante. Tinha Cavaco ao lado e não deixou de falar também para ele, ao dizer que a decisão do Presidente da República é a prova de que em democracia há sempre mais do que uma opção.
"Este Governo nasceu da recusa da ideia de que não haveria alternativa à política que vem sendo prosseguida e a sua posse por V.Exa. é a prova de que a democracia gera sempre alternativas", disse.
Num discurso em que elencou das três prioridades do XXI Governo (crescimento, melhor emprego e menos desigualdades), Costa ainda teve tempo de piscar o olho à direita a quem pediu para não radicalizar. E agradeceu a Passos pelos esforços para ”defender a sua convicção do que era o interesse nacional”, mas que o socialista discorda. A austeridade, garantiu, é passado.
Uma hora e meia depois, a tomada de posse terminava. Começava o “flash interview” aos protagonistas. Cavaco foi o primeiro a sair. Rápido e sem palavras aos jornalistas.
E os empresários, onde estão?
Depois um a um saíram os “ex” e os novos ministros, e os "ex" e os novos secretários de Estado. Uma sequência infindável a que se juntaram outras autoridades militares e religiosas. E no meio, um empresário. É Jorge Armindo, CEO da Amorim Turismo.
Garante que vem a todas as tomadas de posse, e que não havia razões para faltar a esta. Diz querer transmitir “confiança”, a mesma que, assegura, António Costa lhe dá. A esquerda do PS, que suporta o governo na Assembleia da República, não a diminui. “Não tenho receio. Já temos uma democracia muito consolidada e não estamos nem no dia 26 de Abril de 1974, nem no 26 de Novembro de 1975. Acredito no António Costa”, disse o empresário.
Mas com esta experiência toda em tomadas de posse de executivos, Jorge Armindo é então um observador privilegiado para medir a proximidade (pelo menos a inicial) que este Governo tem com o tecido empresarial. Estavam presentes muitos empresários? “Eu não os vi”, responde. Estavam menos do que é costume? “Sim”. Porquê? Armindo entabula uma resposta “política”.
“Sabe como é, a tomada de posse foi marcada muito em cima e os empresários têm uma agenda muito cheia”, desculpa.
Mesmo com alguns líderes patronais, como o presidente da CIP António Saraiva, a alertarem para os perigos que aí vêm com o novo executivo, e que podem afastar investidores, Jorge Armindo diz ter confiança em que as dificuldades iniciais serão ultrapassadas.
O CEO da Amorim Turismo sublinha que não é político, que não se politiza, e que não entra nas guerras esquerda direita. Mas vaticina que muitos dos que se achariam impossível aparecerem ao lado deste governo dentro de 15 dias a três semanas “vão lá estar, lado a lado”.
O gestor reconhece o trabalho feito por Passos Coelho, numa “altura particularmente difícil”, mas admite que “não se tem de fazer tudo igual e que há outras políticas económicas que podem ter sucesso”.
Poucos minutos depois, caiu o pano da tomada de posse do XXI Governo. Depois de ter dado vários sinais políticos, como os muito mediatizados casos de Van Dunem, do secretário de Estado de etnia cigana e da governante amblíope, António Costa quis sair da Ajuda com outra marca: trocou o poderoso e robusto carro em que chegou, por um utilitário eléctrico.
Independentemente do tipo, a verdade é que o novo primeiro-ministro precisará de muita energia para colar as peças do seu governo de esquerda, e não deixar que a direita destrua o novo “puzzle da governação”.