À esquerda e à direita ficam críticas à reforma fiscal anunciada na noite de segunda-feira por Luís Montenegro, líder social-democrata, na festa de rentrée do PSD no Pontal. As opiniões vão desde ter ido demasiado longe ou ter ficado aquém na redução de impostos defendida já para este ano, segundo os fiscalistas contactados pela Renascença.

Há também quem alegue que pode ainda ter passado por cima da constituição.

Pedimos uma análise à proposta a dois antigos Secretários de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio e Rogério Fernandes Ferreira, que assumiram o cargo em governos com ideologias opostas.

Paulo Núncio, vice-presidente do CDS, diz que as medidas anunciadas por Montenegro são "positivas", mas ficam aquém do necessário. O fiscalista defende que "perante a maior carga fiscal da democracia portuguesa, o IRS deve ser reduzido em pelo menos 2 mil milhões de euros, e não apenas em 1.200 milhões de euros, como propões o PSD, para que a receita volte aos níveis de 2015".

O fiscalista acrescenta ainda que "a redução deve abranger todos os escalões de rendimento, sem exceções, ao contrário do que o PSD propõe, para que todas as famílias possam beneficiar de um alívio fiscal."

Já para Rogério Fernandes Ferreira este não é o momento para apesentar este tipo de alterações, a cerca de um mês da apresentação do Orçamento do Estado para o próximo ano. O antigo secretário de Estado diz que são mudanças que requerem tempo, "projeções não se fazem de repente nem se devem fazer à pressa".

Por isso, "desaconselha estas medidas já para este ano, sem ter o contexto global das suas implicações, inclusivamente no âmbito do sistema fiscal e perante outros impostos".

Deve ou não existir IRS Jovem?

O IRS jovem também divide os dois fiscalistas, apesar de ser uma medida do governo de António Costa, já em vigor. O PSD vem agora insistir da redução para 15% da taxa de IRS, para os jovens até aos 35 anos.

Paulo Núncio defende uma isenção de IRS para todos os jovens até aos 30 anos, "para os incentivar no início da vida profissional e combater a fuga para o estrangeiro dos mais qualificados".

Já Rogério Fernandes Ferreira não confia em alterações fiscais para reter o talento no país, lembra que "os jovens portugueses hoje em dia são internacionais", admite que "a fiscalidade ajuda", mas "não podemos criar impostos específicos para determinados setores da população".

A medida que pode ser inconstitucional

O PSD quer introduzir na lei um mecanismo para que a Assembleia da República (AR) debata o excedente de receita e para que "o país saiba o que o Estado faz com o excedente fiscal".

Rogério Fernandes Ferreira lembra que a AR não governa, "fiscaliza a execução orçamental" e a constituição tem mecanismos, a lei travão, que "proíbem os deputados de aprovarem medidas que impliquem a diminuição de receitas ou o aumento das despesas e que interfiram no equilíbrio orçamental".

Por isso, o fiscalista defende que esta medida deve ser "muito bem pensada, para ver se é exequível do ponto de vista constitucional". No entanto, o antigo governante admite já "que não seja (constitucional)".

O que o PSD deixou fora do pacote fiscal

O fiscalista e vice-presidente do CDS critica a ausência de apoios fiscais "significativos" às famílias com filhos. Para Paulo Núncio, "é fundamental utilizar o sistema fiscal, o IRS, para incentivar a natalidade e salvaguardar e proteger as famílias com filhos". A proposta não consta no pacote fiscal do PSD, mas "devia constar numa futura reforma do IRS", diz Paulo Núncio.

Rogério Fernandes Ferreira aponta várias medidas em falta, como reduzir os impostos através dos benefícios fiscais: "se conseguirmos alargar a base de tributação através da reavaliação dos benefícios fiscais, que se traduza imediatamente na redução das taxas dos impostos, que não seja aproveitada para aumentar a receita global".

O antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais defende ainda a revisão das garantias e dos direitos dos contribuintes, ameaçados pela informatização do sistema, a criação do provedor do contribuinte e a criação do regime geral das taxas e demais contribuições a favor das entidades públicas.

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