E agora? O percurso e o futuro do "pedronunismo" em seis pontos

Há questões ainda por esclarecer, mas a saída, aparentemente limpa, de Pedro Nuno Santos do Governo, pode ser o sinal de arranque de uma nova vida dentro do Partido Socialista. O agora ex-ministro, em tempos um “jovem turco” socialista, que irá continuar a frequentar os corredores do Parlamento, continuará a ter peso dentro do partido. E a lançar charme junto dos antigos parceiros da geringonça.

29 dez, 2022 - 20:08 • Fábio Monteiro



 

Pedro Nuno Santos (PNS) demitiu-se, mas o “pedronunismo” continua vivo. Pelo menos, para já. O agora ex-ministro das Infraestruturas irá continuar a circular pela Assembleia da República no papel de deputado do Partido Socialista. E a sucessão de António Costa na liderança partido não deixou de ser uma carta fora do baralho.

A corrida eleitoral interna do PS pode até mesmo ter acabado de arrancar – o que é curioso. Em 2013 e 2014, quando Costa (recuou) e avançou para desafiar a liderança de António José Seguro, Pedro Nuno Santos estava na retaguarda a apoiar e alavancar a candidatura. Por oposição, neste momento, aparece na fotografia quase como um opositor de outro partido.

O jovem turco que levou Costa às costas

A realidade é: algumas das linhas ideológicas com que Pedro Nuno Santos se cose são bastante diferentes das de António Costa. O primeiro-ministro nunca apareceu num Congresso do PS a evocar Marx.

Não foi também o homem que disse, em plena crise da troika, que as pernas dos banqueiros alemães “até tremiam”, que se estava “marimbando” e ameaçou usar a “bomba atómica”: não pagar a dívida.

Ao mesmo tempo, PNS é o político que um dia apareceu a conduzir um Maserati do pai. E aquele que comprou um Porsche, mas depois disse ter-se arrependido.

Criado em São João da Madeira, distrito de Aveiro, Pedro Nuno Santos entrou para a Juventude Socialista com 14 anos. Cresceu numa família com posses financeiras; o pai é dono da empresa Tecmacal, que opera na área do calçado. Licenciou-se em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG).

Entre 2004 e 2008, foi líder da JS. Aí, lutou pela legalização da interrupção voluntária da gravidez e para lei do casamento das pessoas do mesmo sexo. Em 2005, entrou na Assembleia da República pela mão de José Sócrates, mas não ficou para a segunda legislatura.

Desde cedo, PNS começou a ganhar peso dentro das distritais do PS, chegando inclusive a liderar a federação de Aveiro. (E o nível de influência hoje é ainda maior.) Em 2013, quando António Costa ameaçou pela primeira vez – mas depois acabou por recuar – desafiar a liderança de António José Seguro, o jovem turco foi um dos agitadores internos do PS. Idem em 2014, quando Costa chegou a vias de facto.

Quando Costa começou a cozinhar a geringonça nos bastidores, antes da ida às urnas de 2015, Pedro Nuno Santos foi sempre um dos socialistas que o acompanhou. Ninguém ficou surpreso com a nomeação para secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares no primeiro executivo de Costa. A proximidade com os partidos à esquerda do PS de PNS era conhecida.

 

O Delfim desalinhado

A sucessão de António Costa na liderança do Partido Socialista não é um tema novo. Em boa verdade, a discussão já começou em 2019, após a vitória nas legislativas do PS – mas então sem maioria absoluta. Com tanto burburinho sobre Delfins, o primeiro-ministro até já foi obrigado a vir lembrar o seu tempo ainda não “acabou”.

Até esta semana, Pedro Nuno Santos sempre apareceu como o candidato mais bem colocado. Devido ao apoio das distritais, mas não só. Ao nível nacional, é aquele que tem mais lastro, mais vocal, que melhores sentimentos evoca nos eleitores dos partidos à esquerda do PS.

Além de PNS, os restantes candidatos na fila são Mariana Vieira da Silva, Ana Catarina Mendes e Fernando Medina (que ainda tem explicações a prestar sobre a demissão da secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis); todos ministros, todos membros do Governo. Os três estão conotados com a ala centrista do PS.

Medina, que trabalhou com e sucedeu a António Costa na Câmara da Lisboa, é o mais próximo pessoal e politicamente do primeiro-ministro. (Durante muito tempo, foi visto como o único Delfim de Costa.) Se não tivesse perdido as eleições autárquicas de 2021 para Carlos Moedas, poderia estar melhor colocado para a sucessão.

Uma sombra nas legislativas de 2022

António Costa conquistou a maioria absoluta para o PS nas eleições legislativas de 30 de janeiro de 2022. Mas, durante toda a campanha, Pedro Nuno Santos foi um dos nomes mais balados pela oposição. Rui Rio invocou-o inúmeras vezes

“A probabilidade de voltar a haver uma 'geringonça' e voltar a governar quem não ganhou as eleições volta a colocar-se em cima da mesa, porque o entendimento de Pedro Nuno Santos com o BE é um entendimento ainda mais fácil do que o entendimento de António Costa”, afirmou o então líder do PSD, após um dos debates televisivos.

A dado momento, PNS chegou a mesmo a afirmar: "Se o doutor Rui Rio acha que eu sou um papão, então só tem uma solução: votar em António Costa.”

 

Apoios dentro do PS e no Governo

Dentro do PS e do Governo de António Costa, não faltam fãs de Pedro Nuno Santos. E, tendo em conta as primeiras reações ao anúncio da demissão, o cenário não deverá mudar rapidamente.

A ex-eurodeputada e candidata presidencial Ana Gomes, poucas horas depois de ter sido conhecida a demissão, escreveu no Twitter: “PNS sai como sempre esteve no Governo: com seriedade, convicção e dignidade. E com ambição para o País. A tempo de revigorar o Partido Socialista, espero.”

Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e camarada de Pedro Nuno Santos desde os tempos da JS, reagiu de forma mais contida. “Lamentamos, naturalmente, a decisão de saída do ministro das Infraestruturas e da Habitação. Valorizamos muito todo o trabalho e as marcas que tem construído e que estou certo de que o Governo continuará. É uma decisão individual que respeitamos e compreendemos que a tenha tomado", disse.

A ex-ministra e deputada Alexandra Leitão – que nos últimos meses tem vindo a ser crítica de algumas das opções do Governo -, em declarações à “CNN Portugal”, veio dizer: “Uma palavra para a enorme dignidade e humildade com que Pedro Nuno Santos sai do Governo, assumindo uma responsabilidade política que é notável."

Não esquecer, também, o que ainda aconteceu em outubro: após a continuidade de Pedro Nuno Santos no Governo ter sido posta em causa devido ao anúncio “precipitado” do aeroporto de Alcochete, Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial, afirmou publicamente numa sessão na Covilhã: “Perdoem-me o aparte, andei de coração apertado o dia todo, mas hoje estou duplamente feliz. Pedro estás aí a ouvir-nos? Mando um grande, grande abraço!”

A afirmação de Ana Abrunhosa causou desconforto junto de alguns militantes socialistas mais próximos do primeiro-ministro.

O legado da geringonça

Entre 2015 e 2019, Pedro Nuno Santos, enquanto secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, foi o principal elemento de ligação entre o Governo de António Costa e os parceiros da geringonça: Bloco de Esquerda, PCP e Verdes. Muita da sua fama e mérito vem desse período. Em 2017, foi o próprio governante a lançar o epíteto e garantia de que “o PS nunca mais vai precisar da direita para governar”.

Ora, corra como correr o resto da atual legislatura, é garantido que Portugal não voltará a Costa como primeiro-ministro. E quem herdar o trono do PS, para continuar no poder, terá, é quase certo, de fazer acordos à esquerda.

Segundo várias sondagens publicadas ao longo de 2022, o grau de aprovação do Governo tem vindo a descer e se houvesse eleições, no curto prazo, o PS já não conseguiria alcançar uma maioria absoluta.

De momento, nenhum dos putativos delfins de António Costa tem melhores relações com os partidos à esquerda do PS que Pedro Nuno Santos. Nem Fernando Medina nem Ana Catarina Mendes têm muitas ligações nos partidos desse campo político. Mariana Vieira da Silva está praticamente no mesmo pacote.

Na teoria, o agora ex-ministro das Infraestruturas parece ser o mais bem colocado para conseguir uma nova vitória.

Recorde-se: em janeiro deste ano, antes da ida às urnas que deram a maioria absoluta ao PS, Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, afirmou que o impedimento da reedição da geringonça era o “obstáculo Costa”.

Em declarações à Renascença, Pedro Soares, ex-deputado do BE, admitiu ter “toda a simpatia” por Pedro Nuno Santos e recordou ter tido “vários processos negociais que, no geral, correram bem” com o ex-ministro.

Uma saída limpa?

Num Governo acusado recorrentemente pela oposição de sacudir culpas, Pedro Nuno Santos escolheu sair alegando dando como justificação a “responsabilidade política” – uma expressão que tem peso e histórico dentro do Partido Socialista – pela nomeação e desconhecimento do valor da indemnização da TAP a Alexandra Reis.

A última vez que um governante do PS a utilizou foi o falecido ministro Jorge Coelho, após a tragédia de Entre-os-Rios.

Isto não quer dizer que a ficha de Pedro Nuno Santos esteja totalmente limpa ou que o futuro da TAP não se venha a tornar cadastro no currículo do ex-ministro. Há questões ainda por esclarecer sobre a polémica em torno do caso de Alexandra Reis.

Em todo o caso, o ministro da Infraestruturas sai com liberdade e margem para continuar na vida política. Vai continuar a circular pelos corredores do Parlamento. Porventura, para ganhar ainda mais lastro dentro do PS. Ou a dizer publicamente o que faria diferente de António Costa.


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