Audição de Pedro Nuno Santos no Parlamento

"Já há mais costistas do que pedronunistas a defender Galamba"

05 jun, 2023 - 23:29 • Susana Madureira Martins

Esta terça-feira, Pedro Nuno Santos é ouvido no Parlamento sobre a privatização da TAP e, daqui a dez dias, regressa para a audição no inquérito à gestão da companhia aérea. Os socialistas afastam a ideia de um "ajuste de contas" do ex-ministro com o PS, mas já se admite que as relações com João Galamba não são as melhores. "Parece que o amigo Frederico é mais importante", assume-se no partido.

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Os socialistas flutuam entre o "nervosismo" sobre como será o tom usado por Pedro Nuno Santos neste regresso ao Parlamento, após meses remetido ao silêncio, e a semi-expectativa, semi-convicção de que o ex-ministro das Infraestruturas não irá entrincheirar-se num ajuste de contas contra o próprio partido e o Governo.

Depois da demissão em dezembro, na sequência da polémica indemnização à ex-administradora da TAP Alexandra Reis, o ex-governante e ex-dirigente do PS nunca mais teve qualquer intervenção pública e é agora chamado em dose dupla.

Das audições desta terça-feira na comissão de Economia sobre a privatização da TAP e na comissão de inquérito à gestão da companhia aérea, marcada para dia 15, os socialistas esperam que Pedro Nuno "se possa defender" e sobretudo que "não surjam novos episódios que possam atiçar isto", admite à Renascença um dirigente socialista.

A mesma fonte admite que há um "nervosismo" no partido com as audições dos pesos pesados como Pedro Nuno ou Fernando Medina na comissão de inquérito e que, em relação ao ex-ministro das Infraestruturas, há essa questão de saber em que estado irá surgir perante os deputados.

"Como ministro era muito agressivo, muito contundente", salienta este socialista, que se questiona: "vamos ver se será um tom tipo o da desculpa do aeroporto" ou o tom "firme de espírito e sangue na guelra" que caracterizou as intervenções do ex-ministro no Parlamento.

Ou seja, no PS também não está esquecida a polémica de há um ano em torno do despacho revogado sobre o novo aeroporto a que se seguiu um declaração de Pedro Nuno a lamentar "uma falha relevante" por ter dado luz verde ao novo aeroporto de Lisboa sem conhecimento do primeiro ministro.

A expectativa, ainda assim, é que ninguém conte "com festa, há que conter" danos e acredita-se que o próprio Pedro Nuno "quererá que seja o mais possível uma audição sólida, mas sem história", admite a mesma fonte socialista.

Ajustes de contas de Pedro Nuno com António Costa ficam na gaveta. Ou não

O antigo governante dentro de um mês irá regressar ao Parlamento, após a suspensão do mandato de deputado. As duas audições serão reveladoras do modo como Pedro Nuno ensaia o futuro daqui para a frente.

No PS não se esperam propriamente ajustes de contas do ex-ministro com o partido ou com António Costa, mas é o próprio futuro que o dita. "Todas as pessoas têm ambições legítimas, mas não se ganha o partido contra o partido", salienta à Renascença um membro do Secretariado Nacional, que acrescenta que o ex-líder António José Seguro "fez isso e não correu muito bem".

Na comissão de inquérito as oposições deverão carregar nas tintas sobre as mensagens de telemóvel e os e-mails trocados entre o ex-secretário de Estado das Infraestruturas e a então CEO da TAP.

Deverá vir à tona a troca de correspondência sobre a indemnização a Alexandra Reis ou o pedido de Hugo Mendes para alterar um voo a favor do Presidente da República, que provocou uma dura crítica do primeiro-ministro ao modo como a tutela das Infraestruturas se relacionava com a TAP.

Este remoque de António Costa em abril ou a resposta seca que o primeiro-ministro deu há dias ao PSD sobre se é uma prática normal guardar um documento como o plano de reestruturação da TAP apenas no computador de um adjunto de um ministro - "não considero uma prática normal" - têm Pedro Nuno como alvo, mas a maior parte dos socialistas acredita que não deverão chegar para que dê um encosto ao líder em plenas audições.

"Pedro Nuno Santos não tem nada a ganhar em apertar com António Costa e no partido seria visto como um ressabiamento", acredita um dirigente do PS. O ex-ministro "tem de defender-se", mas isso não significa exatamente "um ajuste de contas". Aliás, para este socialista "os laços de lealdade serão para com António Costa e o PS".

Há até quem entenda que nas duas audições Pedro Nuno "vai defender o Costa, com a sua pose de estadista". Um deputado ouvido pela Renascença salienta que o ex-ministro "construiu a sua narrativa, vem defender-se" e que, entretanto, "já passou muito tempo depois das críticas do Costa".

O mais provável é "atirar-se ao [Diogo] Lacerda Machado e ao [David] Neeleman", sendo que o ex-administrador da TAP disse na recente audição no Parlamento que houve pressão política quando o secretário de Estado Alberto Souto de Miranda lhe pediu para votar contra o orçamento da companhia aérea para 2020. O ex-ministro poderá aproveitar a oportunidade para clarificar se houve ou não orientação nesse sentido.

Entre os mais próximos de Pedro Nuno Santos também não se acredita que as audições sirvam para ajustes de contas, mas também é conhecido o feitio belicoso do ex-ministro e que se se sentir apertado não irá "deixar que ponham o ónus" em cima dele ou que "se safem".

"Neste momento já há mais costistas do que pedronunistas a defender o Galamba"

Há uma incógnita sobretudo em torno da audição na comissão de inquérito à gestão da TAP. Como irá Pedro Nuno abordar o tema dos incidentes no Ministério das Infraestruturas e que envolvem o ex-adjunto de Frederico Pinheiro?

Desde logo é preciso registar que o ex-adjunto de João Galamba disse em entrevista à Renascença que Pedro Nuno Santos está ao seu "lado neste momento difícil", revelando que conversou com o "amigo" sobre a exoneração.

"Nos tempos difíceis, estive sempre ao lado do Dr. Pedro Nuno Santos e obviamente que o Dr. Pedro Nuno Santos também está ao meu lado, como muitos amigos, neste momento difícil", afirmou o ex-adjunto de João Galamba, declarações que não foram desmentidas pelo ex-ministro.

De registar também que tem havido uma curiosa troca de galhardetes entre a chefe de gabinete de João Galamba e a ex-chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos.

Na audição na comissão de inquérito, questionada sobre os incidentes no Ministério das Infraestruturas que levaram a recorrer às secretas para recuperar um computador, Eugénia Correia, chefe de gabinete de Galamba, foi sibilina.

Questionada pelos deputados se algo acontecesse ao computador como se resolveria, já que o plano de reestruturação não estava arquivado, a chefe de gabinete de Galamba atirou a Pedro Nuno.

“Tem de fazer essa pergunta a quem geriu o gabinete antes de mim. Cheguei a 4 de janeiro e, a partir desse momento, todos os documentos do gabinete constam do arquivo. O que aconteceu antes do dia 4 não sou eu que sei”, atirou Eugénia Correia.

A chefe de gabinete de Galamba acusou ainda Frederico Pinheiro de violência dentro do Ministério das Infraestruturas, algo considerado estranho por Maria Antónia Barbosa, ex-chefe de gabinete de Pedro Nuno que chegou mesmo a elogiar o ex-adjunto.

São cargas de ombros mútuas que causam desconforto entre os socialistas. Um dirigente do partido admite à Renascença que no inquérito vão ser colocadas perguntas a Pedro Nuno "em relação ao Frederico e aí algumas coisas são estranhas", sobretudo quando "a chefe de gabinete de Pedro Nuno disse que o Frederico era bom tipo".

Aqui a questão deste dirigente nacional do PS é "porque é que a máquina do Pedro Nuno está a defender o Frederico?". Não há propriamente uma resposta, mas a mesma fonte reconhece que isto "foi visto com alguma surpresa, como uma perplexidade", porque o que "seria normal é que houvesse uma defesa do ministro, do amigo João Galamba".

O mesmo dirigente conclui que "parece que o amigo Frederico é mais importante do que João Galamba", dando a entender que as relações entre o ministro e o ex-ministro, conhecidos por serem próximos, estarão agora afastados.

"Lá por serem jovens turcos não quer dizer nada", assume esta mesma fonte que aconselha: Pedro Nuno "tem a ganhar em ser cauteloso e não querer hostilizar a pessoa que tem a informação do lado dele". O dirigente nacional conclui mesmo que "neste momento já há mais costistas do que pedronunistas a defender o Galamba".

Um elemento do Secretariado Nacional do PS espera que Pedro Nuno não dê gás à "cena de pancadaria do gabinete, que não tem nada a ver com a comissão de inquérito", questionando mesmo "por que vai alimentar a coisa? Isso era fazer a agenda da oposição", conclui.

O mesmo dirigente nacional diz à Renascença que é bom que os principais protagonistas do inquérito sejam ouvidos: "O pior é quando os nossos não falam durante semanas, por organização da própria comissão".

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