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TAP. Reunião secreta, viagem presidencial e um governo em apuros. A Comissão de Inquérito em 10 pontos

12 abr, 2023 - 13:43 • João Carlos Malta

Os últimos dias têm sido agitados no Parlamento. Uma vez mais, a TAP está no centro de todas as polémicas. Tudo começou com as explicações à indemnização de 500 mil euros a Alexandra Reis, mas em curso está um autêntico raio-x à gestão da companhia nos últimos anos. O Governo está na berlinda com mais casos polémicos a serem conhecidos.

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Reuniões preparatórias de audições no Parlamento, uma viagem de Marcelo a Moçambique que justificou um pedido do Governo à CEO da TAP, ou a tentativa de o marido de Christine Ourmières-Widener ser fornecedor da TAP.

Entre os dossiers mais mediáticos da comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP entre 2020 e 2022 está a tentativa para esclarecer dúvidas sobre a saída de Alexandra Reis da companhia aérea, com uma indemnização de meio milhão de euros.

E se a companhia aérea já tinha motivado a saída do ministro Pedro Nuno Santos e do secretário de Estado Hugo Mendes, as revelações feitas até ao momento parecem ter aumentado a pressão sobre o Governo. A oposição quase em uníssono pede consequências.

Num momento em que ainda falta ouvir várias personalidades, chamadas pelos deputados, fazemos um ponto da situação para que saiba quais foram as principais novidades das audições que até agora se realizaram na Assembleia da República.

Esta quinta-feira, os trabalhos continuam com o presidente da CMVM, Luís Laginha.

Uma reunião que causou escândalo

A CEO demissionária da TAP, Christine Ourmières-Widener, reuniu com deputados do PS, assessores e elementos do gabinete do Ministério das Infraestruturas, liderado por João Galamba, antes da audição na Assembleia da República, em janeiro deste ano, a propósito da indemnização de 500 mil euros atribuída a Alexandra Reis.

A reunião terá sido sugerida pelo ministro das Infraestruturas João Galamba, de acordo com a ainda presidente executiva da transportadora portuguesa.

O caso foi denunciado pela Iniciativa Liberal e tem sido alvo de críticas generalizadas por quase toda a oposição, com acusações de subversão das competências das instituições.

Galamba em comunicado não nega a existência da reunião, mas diz que esta juntou deputados do Partido Socialista, a CEO da TAP e assessores e chefes de gabinete do Governo foi agendada pelo gabinete do Ministério dos Assuntos Parlamentares e que foi a TAP a pedir para participar nesta reunião.

O PS considera o caso como "fait-divers". Carlos Pereira, do PS, e que esteve presente nessa reunião, diz ter sido um encontro normal, de cariz preparatório. Acrescenta ter-se tratado de uma videoconferência, não presencial.

O presidente do Parlamento, Augusto Santos Silva, veio garantir que a reunião é um episódio "que não se repetirá". Já o presidente do PS, Carlos César, escreveu numa publicação na rede social Facebook sobre o "embuste" de considerar que essas reuniões entre os grupos parlamentares, o Governo e as empresas públicas são "algo de inédito, como se não tivesse sempre acontecido com todos os partidos e não fosse mesmo tido como integrando o exercício informado da função parlamentar de cada".

O voo de Marcelo que Hugo Mendes quis adiar

A audição à presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, na comissão parlamentar de inquérito fica marcada pela divulgação de um pedido do ex-secretário de Estado das Infraestruturas Hugo Mendes para alterar um voo do Presidente da República a Moçambique.

O objetivo do pedido seria agradar a Marcelo Rebelo de Sousa, descrito como "o nosso maior aliado político".

A mensagem do ex-secretário de Estado foi lida, esta terça-feira, na comissão de inquérito, pelo deputado Bernardo Blanco, da Iniciativa Liberal (IL).

"Bom dia, sei que isto é um incómodo para ti, mas não podemos mesmo perder o apoio político do Presidente da República. Ele tem-nos apoiado no que diz respeito à TAP, mas se o humor dele mudar, tudo se perde. Uma frase dele contra a TAP ou o Governo e ele empurra o resto do país contra nós. Não estou a exagerar. Ele é o nosso principal aliado político, mas pode transformar-se no nosso pior pesadelo", citou Bernardo Blanco.

A presidente executiva da companhia aérea foi questionada sobre a viagem do Presidente da República, a Moçambique, realizada em março do ano passado, em que o ex-secretário de Estado Hugo Mendes pediu para mudar o voo de Marcelo Rebelo de Sousa.

Christine Ourmières-Widener disse que "desconfiou do pedido" e certificou-se que a antecipação do voo não veio do Palácio de Belém.

"Não fiquei surpreendida deste pedido não ter origem na Presidência da República, mas talvez de alguém no processo que achou que era uma boa ideia. Este voo não foi alterado e o Presidente encontrou outra solução. Não fiquei surpreendida, o Presidente nunca nos pediria para alterarmos um voo. Neste caso teria impacto em mais de 200 passageiros", disse aos deputados a CEO da TAP.

António Costa considerou o email intolerável e garantiu que se tivesse conhecimento do mesmo teria demitido Hugo Mendes na hora.

O caso levou Marcelo a dizer que que não está no bolso nem do Governo, nem da oposição.

CMVM abre processo contra a TAP por saída de Alexandra Reis

O presidente do Conselho de Administrador da TAP, Manuel Beja, adiantou que aComissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) abriu um processo contra a empresa, devido à comunicação sobre a saída da ex-administradora Alexandra Reis.

"Obtive informação cerca de uma hora antes desta audição que a CMVM terá aberto um processo contra a TAP", respondeu Manuel Beja ao deputado do PSD Hugo Carneiro, na comissão de inquérito à TAP.

Antes já o Inspetor Geral das Finanças, António Ferreira dos Santos questionado por Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, se a comunicação feita à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) é mentira, e acabou por assumir que sim.

“Sim, não é verdade que o comunicado público da TAP em como administradora, sai por renúncia própria unilateral apenas porque mudou a estrutura acionista”, admite António Ferreira dos Santos, que ainda em resposta à deputada bloquista assume também que a saída de Alexandra Reis acaba por ser uma "renúncia encapotada”.

Hugo Mendes no olho do furacão

Hugo Mendes, ex-secretário de Estado das Infraestruturas, e conhecido por ser o braço direito de Pedro Nuno Santos, faz quase o pleno em todas as polémicas relacionadas com a companhia aérea.

A Iniciativa Liberal revelou durante a audição à CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, no âmbito da comissão de inquérito à gestão da empresa, que Hugo Mendes enviou um email a 10 de Fevereiro de 2022 a pedir que a companhia alterasse a data de um voo do Presidente da República, para o Governo não “perder o apoio político” do “aliado” Marcelo Rebelo de Sousa.

António Costa considerou o acto “gravíssimo” e “inadmissível”, e o PS admitiu que a situação gerou desconforto, com o presidente do partido a falar de uma “conduta perniciosa” e “estúpida”.

Marcelo Revelo de Sousa foi direto e cortante, acusou Hugo Mendes de estupidez: “Só um político estúpido ia sacrificar 200 pessoas por causa de 24 horas.”

Antes também já se soubera que através de Whatsapp, e com a anuência de Pedro Nuno Santos, o ex-governante tinha dado o “ok” à CEO da TAP para avançar com os 500 mil euros de indeminização a Alexandre Reis.

Muito antes destas polémicas, Hugo Mendes já tinha saído da sombra, quando em junho do ano passado, assinou o despacho do Ministério das Infra-Estruturas que avançava com uma nova solução aeroportuária, divulgada em entrevista à RTP por Pedro Nuno Santos e não comunicada previamente ao primeiro-ministro.

Costa revogou o despacho sem afastar Pedro Nuno, que assumiu a “inteira responsabilidade pelas falhas de comunicação”, nem o secretário de Estado.

Meio ano depois, os dois acabaram por sair do Governo na sequência da indeminização milionária a Alexandra Reis.

Tudo tinha de passar pelo Ministério das Infraestruturas

Na passagem pelo Parlamento a ex-CEO da TAP, Ourmières-Widener divulgou uma mensagem em que Hugo Mendes exigiu que os contactos da TAP com os gabinetes ministeriais passassem pelas Infra-Estruturas: “TODAS as questões relacionadas com o Governo devem ser encaminhadas através de nós (...). Não há ligações diretas entre a TAP e outros ministérios.”

Manuel Beja revelou também ele que o princípio da não interferência do Governo foi progressivamente substituído pela prática do controlo.

“Num primeiro momento, o Ministério das Infraestruturas e da Habitação empenhava-se nas negociações com os sindicatos, o que até poderia ser positivo ao criar um canal alternativo. Tornou-se evidente que qualquer tema com repercussão mediática teria de passar pelo crivo do mesmo Ministério ou de ambos", lamentou.

O chairman deu um exemplo: “Comunicados de imprensa passavam pelo crivo dos ministérios, em matérias da competência da comissão executiva ou do conselho de administração".

Demissões por telefone e de surpresa

A CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener contou esta terça-feira que, no dia antes de ser demitida,reuniu com o ministro das Finanças, Fernando Medina, e não lhe foi dito que iria ser afastada.

"Ainda é muito doloroso para mim. Pediram-me que me demitisse", revelou. Medina ter-lhe-á apenas dito que "a situação estava complicada".

“Para mim foi uma reunião muito difícil, porque o tom da reunião era bastante triste. Diziam-me que os resultados eram fenomenais e que tinha feito um trabalho fantástico, que era a pessoa certa para o cargo, que o processo tinha sido conduzido de boa-fé pela minha parte. Mas que, tendo em conta toda a pressão de várias partes, não havia outra opção para o Governo que não passasse por travar o avanço do meu mandato", lembrou a francesa.

De acordo com Ourmières-Widener, Fernando Medina argumentou que a demissão era a "única via possível devido à pressão política".

Já o chairman Manuel Beja disse que recebeu a notícia do seu despedimento através de um telefonema do ministro João Galamba na manhã do dia do anúncio público, mas sem qualquer referência à justa causa.

"Recebi a notícia da minha destituição por um telefonema do ministro [das Infraestruturas] João Galamba às 10h20 da manhã do dia da conferência de imprensa", começou por revelar.

Sobre se tinha sido informado de que seria por justa causa, o "chairman" assegurou que "nesse telefonema não houve qualquer referência a esse tema".

Alexandra Reis disse ter travado marido de Christine na TAP

A empresa de informática Zamma Technologies em que o marido de Christine Ourmières-Widener é sócio também foi tema na audição de Alexandra Reis.

Este chegou a fazer uma apresentação para a prestação de serviços à TAP.

Alexandra Reis disse que travou a eventual realização do negócio por “conflito de interesses”.

A ex-secretária de Estado do Tesouro Alexandra Reis acabou a dizer que nunca foi tema de conversa com a CEO.

O caso do motorista

Alexandra Reis contou que a presidente executiva da TAP quis demitir o motorista que denunciou o uso do carro da empresa ao serviço de Ourmières-Widener para transportar familiares.

Pediu a Alexandra Reis para o demitir com a justificação de este estar em falta na vacinação contra covid-19.

"Ele nunca seria despedido por não se ter vacinado, porque a vacinação em Portugal não é obrigatória e, por isso, a TAP nunca iria despedir ninguém por não se ter vacinado, isso não iria acontecer", explicou a ex-administradora da companhia aérea.

Mais tarde, referiu, que o motorista em causa acabou por se vacinar.

O conflito Christine/Alexandra visto pelo “mediador”

Manuel Beja revelou no Parlamento que "a tensão e divergências" entre Alexandra Reis e Christine Ourmières-Widener "foram crescendo gradualmente ao longo do mandato, tornando-se evidentes a partir de dezembro de 2021".

"Os objetos de discordância que tive conhecimento não punham, a meu ver, em causa a execução do plano de reestruturação", disse Manuel Beja.

O chairman deixa algumas críticas à liderança de Christine Ourmières-Widener e dá exemplos: "Estávamos a discutir a possibilidade de encerrar o infantário e os argumentos que estavam a ser utilizados não eram de todo aceitáveis e revelavam uma liderança pouco servidora e uma preocupação de bom-senso e razoabilidade que me preocupou bastante".

A saída de Alexandra Reis devia ter sido evitada e garantiu estar seguro quanto ao papel que desempenhou e determinado em defender a honra.

"Acreditei e continuo a acreditar que a saída deveria ter sido evitada", afirmou Manuel Beja.

Alexandra Reis quer devolver indeminização, mas TAP não responde

A antiga administradora da companhia aérea sublinhou ter pedido informações sobre a devolução da compensação de 500 mil euros por três vezes, mas ainda não terá obtido qualquer resposta da parte da TAP.

A TAP ainda não terá dito como o fazer.

A ex-gestora assumiu que não concorda com os argumentos da Inspeção-Geral das Finanças (IGF), que considerou aindemnização de 500 mil euros paga pela TAP ilegal, mas que, ainda assim, quero devolver a verba.

Está há um mês a aguardar que a informem como deve proceder.

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