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Randolph Galloway foi o último a dizer “vamos ver” e a conseguir o que agora deseja Rúben Amorim

06 mai, 2024 - 14:15 • Inês Braga Sampaio

Nascido em Sunderland, terra de navios, o inglês foi o primeiro treinador em Portugal a conquistar o tricampeonato e o último a ser bicampeão pelo Sporting. Mais de 70 anos depois, poderá ser o sonho de quebrar o jejum a convencer Amorim a ficar em Alvalade.

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"Dizem que jamais seremos bicampeões outra vez. Vamos ver…" É esta a frase que desperta a esperança do Sporting. O sonho do terceiro título em cinco épocas, do bicampeonato que escapa há 71 anos. Apesar do mercado em Inglaterra, da badalada viagem a Londres e das dúvidas sobre o futuro, Rúben Amorim deixa-se tentar pela quebra de um jejum que dura desde 1953, uma obra de Randolph Galloway.

Quem sobe a costa este de Inglaterra, para lá de Norwich, Hull e Middlesbrough, chega a Sunderland, uma cidade que se celebrizou pela produção de barcos no século 14, de vidro no século 17 e, quando estas duas indústrias começaram a decair, no final do século 20, de carros. É industrial da praia Roker à Rhyope.

Sentada a sul de Newcastle e dividida a meio pelo rio Wear, esta urbanização portuária, fundada em 674, caracteriza-se pelos tons de cinzento, castanho e tijolo, e por estar de costas voltadas ao sol - quem lá vive poucas vezes tem o privilégio de o cumprimentar. Ali nasceu, a 22 de dezembro de 1896, quase cem anos antes de Sunderland ser elevada a cidade - aconteceu apenas em 1992 -, Randolph Galloway, o primeiro treinador tricampeão em Portugal e o último bicampeão pelo Sporting.

Com cerca de 15 anos, juntou-se ao Real Exército Britânico, primeiro como músico. Serviu na Índia, como mensageiro, fruto do seu atleticismo, e na Irlanda. Na I Guerra Mundial, integrou o regimento de Yorkshire, os "Green Howards", que têm museu em Richmond. Cedo mostrou dotes de desportista: na Irlanda, juntou-se a uma equipa de râguebi e foi selecionado para representar o exército irlandês em provas de atletismo. Quando regressou da guerra, não teve direito a medalha por ter cometido pequenos delitos ainda antes de se juntar ao exército.

De volta a Inglaterra, Galloway ingressou no futebol como jogador. Estreou-se a nível sénior pelo Derby County, na extinta Second Division, e marcou logo um golo no primeiro jogo, num empate, por 1-1, frente ao Southampton. Foi pelos "lilywhites" que mais alto brilhou, antes de bater o recorde de transferências do Nottingham Forest (dez anos antes de Brian Clough, que levaria os "garibaldi" à glória, nascer) e representar clubes como Luton Town, Coventry City (ex-clube de Viktor Gyökeres, a grande estrela do novo campeão nacional) e Tottenham - chegou para substituir o internacional inglês Tom Roberts, mas uma lesão ditou o princípio do fim da carreira.

Pendurou as botas em 1929, aos 33 anos, e estreou-se como treinador no Sporting de Gijón. A carreira em Espanha prosseguiu em Valência e Racing de Santander, antes de chegar ao comando da seleção da Costa Rica. Seguiram-se o Peñarol, do Uruguai, e o Young Fellows (não confundir com o Young Boys), da Suíça.

Em 1950, Randolph Galloway aterrou em Lisboa, longe de imaginar que faria história no futebol português e pelo Sporting. Três anos bastaram.

Sporting é Campeão Nacional. Veja a festa dos jogadores e dos adeptos
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O técnico inglês chegava ao Sporting com o objetivo de reconquistar o título nacional, que tinha escapado, na época anterior, para o Benfica - uma vitória que impedira o inédito tetracampeonato dos leões (esse viria apenas mais tarde).

Já sem Fernando Peyroteo - a despedida de Alvalade fora na temporada anterior -, a missão de Galloway afigurava-se ainda mais difícil. Ainda assim, o plantel do Sporting contava com nomes históricos como o guarda-redes João Azevedo e quatro dos Cinco Violinos (José Travassos, que em 1950/51 marcou 30 golos, Albano, Jesus Correia e Manuel Vasques), além do central goleador Mário Wilson.

Foi uma entrada de rompante de Galloway: levou o Sporting ao título com 11 pontos de vantagem para o FC Porto e 15 para o Benfica. Foi a última grande campanha de João Azevedo, que no ano seguinte cederia a baliza ao jovem Carlos Gomes.

Na segunda época, o treinador fixou João Martins a ponta de lança e o jovem português retribuiu com 12 golos, que ajudaram ao registo ofensivo dos leões e à conquista do bicampeonato, ainda que, desta vez, com maior aperto: apenas um ponto sobre o Benfica e cinco sobre FC Porto e Belenenses.

Ninguém sabia, na altura, entre os festejos e as afirmações do regresso do domínio do leão, que o Sporting nunca mais seria bicampeão. Também ninguém sabia que, na temporada seguinte, Galloway voltaria a fazer história.

Em 1952/53, os 26 golos de João Martins mascararam o ocaso dos Cinco Violinos. Azevedo era suplente, Travassos estava lesionado, mas o Sporting tinha, além do seu goleador, Juca e Carlos Gomes a segurá-lo ao topo. Os quatro pontos de vantagem com que se sagrou campeão e fez de Randolph Galloway o primeiro treinador a ser tricampeão em Portugal não faziam adivinhar que nunca mais, durante para lá de 70 anos, o leão festejaria duas vezes seguidas.

Galloway saiu do Sporting pelo próprio pé, pela porta grande - uma das razões para uma eventual saída de Rúben Amorim este verão - como o terceiro treinador da história do clube com mais golos marcados (309).

Na temporada seguinte, em 1953/54, já sem o treinador "mackem" - alcunha dada aos habitantes de Sunderland -, o Sporting completaria o tetra - o primeiro da história do futebol português e o último dos leões. Sete títulos em oito anos, o penúltimo da década de 50 e o último consecutivo.

Sem Randolph Galloway, contudo, o bi (e o tri) não se repetiria. O Sporting foi novamente campeão em 1962, 1966, 1970, 1974, 1980, 1982, 2000, 2002, 2021 e, agora, 2024, mas nunca mais conseguiu celebrar em dois anos seguidos. É isso que tenta Rúben Amorim. É isso que poderá fazer o treinador que perguntou "e se corre bem?" e, depois, quebrou o jejum de 19, e ainda repetiu o feito três anos mais tarde, ficar.

Randolph Galloway ainda treinou o Vitória de Guimarães, antes de se despedir dos relvados. Morreu a 10 de abril de 1964, em Mapperley, na zona de Nottingham, ainda 28 anos antes de Sunderland ser promovida a cidade e 60 anos antes do segundo campeonato de Rúben Amorim pelo Sporting.

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