14 mar, 2017 - 09:09 • Ricardo Vieira (texto) e Conceição Sampaio (vídeo)
Expulsar a “escumalha marroquina” da Holanda. Foi com estas palavras que o líder do Partido da Liberdade (“Partij voor de Vrijheid” - PVV) deu o tiro de partida para a campanha num bairro multiétnico de Roterdão. Wilders é um dos favoritos a vencer as eleições legislativas desta quarta-feira. Mesmo que não vença, pode tornar-se uma peça importante num futuro novo governo.
O programa eleitoral de Geert Wilders é minimal, directo e sem floreados ou muitas explicações. Resume-se a uma folha A4, com 11 pontos e uma pequena introdução em que o candidato de extrema-direita, que prefere descrever-se como um liberal, retrata um país cercado de ameaças por todos os lados.
“Milhões de cidadãos holandeses estão, simplesmente, fartos da islamização do nosso país. Basta de imigração e asilo em massa, terror, violência e insegurança. Este é o nosso plano: em vez de financiarmos o mundo inteiro e pessoas que não queremos cá, vamos gastar dinheiro com os cidadãos holandeses”, defende o homem que sonha ser primeiro-ministro.
Erradicar o islão e fechar fronteiras
“Desislamizar a Holanda” é o primeiro ponto e a grande prioridade do político conhecido pelo estilo “yuppie”, cabelo louro incandescente e por escrever mensagens bombásticas e abrasivas nas redes sociais, à semelhança de Donald Trump.
Se for eleito, o “Mozart de Venlo” vai encerrar todas as mesquitas, escolas islâmicas e proibir o Corão, que considera ser uma inspiração para o terrorismo. Chega mesmo a comparar o livro sagrado dos muçulmanos ao “Mein Kampf”, de Adolf Hitler.
Numa recente entrevista à televisão pública holandesa, declarou que a “ideologia islâmica” pode ser “mais perigosa” que o nazismo.
“Se não permitirmos os símbolos desta ideologia na Holanda, o nosso Estado de direito ficará mais forte e não mais fraco porque o islão é uma ideologia disfarçada de religião. Estou certo que se houvessem templos nazis na Holanda isso causaria uma grande revolta”, disse.
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Mas a cruzada de Wilders não fica por aqui. Quer travar a imigração de muçulmanos, que representam cerca de 5% da população, banir o véu islâmico e “outras manifestações islâmicas que violem a ordem pública”, deixar de receber refugiados muçulmanos e fechar as fronteiras, retirar todas as autorizações de residência a requerentes de asilo e fechar os centros de acolhimento.
O líder do Partido da Liberdade, que vive ameaçado de morte e rodeado de fortes medidas de segurança, promete “muito dinheiro extra para a defesa e para a polícia”. Quer permitir a “detenção preventiva” de radicais islâmicos, bem como retirar a nacionalidade e expulsar do país os criminosos com dupla nacionalidade. Os jihadistas holandeses que tenham estado na Síria a combater ao lado do autoproclamado Estado Islâmico vão ser impedidos de regressar, prometeu.
Além de promover a islamofobia, Geert Wilders é também um eurocéptico. A segunda prioridade do seu programa eleitoral é avançar para o “Nexit”: abandonar a União Europeia e tornar “a Holanda independente outra vez”. Outra é reduzir a idade de reforma para os 65 anos.
O mundo (fechado) de Wilders
O fundador e mentor do Partido da Liberdade nasceu há 53 anos em Venlo, uma cidade industrial de Limburg, a província mais a sul da Holanda, de maioria católica.
O pai era um operário que passou à clandestinidade durante a ocupação nazi da Holanda, na II Guerra Mundial. A mãe é natural das Índias Orientais Holandesas, a actual Indonésia.
Casado com a diplomata húngara Krisztina Marfai, Wilders vive actualmente em regime de quase reclusão, cercado de apertadas medidas de segurança 24 horas por dia, 365 dias do ano, devido a ameaças de morte.
Tem sido assim desde que o cineasta Theo Van Gogh foi assassinado numa rua de Amesterdão, em 2004. O homicídio foi cometido por um extremista islâmico em retaliação contra o filme “Submissão”, escrito pela deputada de origem somali Ayaan Hirsi Ali e realizado por Theo Van Gogh, que critica a forma como o islão radical trata as mulheres.
Anos mais tarde, Geert Wilders também produziu uma curta-metragem de 17 minutos, para tentar demonstrar que o Corão leva ao terrorismo. “Fitna” mescla imagens de vários atentados, como os ataques contra as Torres Gémeas em Nova Iorque, acompanhadas por excertos do livro sagrado islâmico e declarações de imãs radicais.
O filme estreou em Março de 2008, na internet, e causou polémica um pouco por todo o mundo. Nenhuma estação de televisão transmitiu o filme e a rede terrorista Al-Qaeda emitiu uma “fatwa” a apelar ao assassinato do político holandês.
Em 2015, o homem forte do PVV escapou a um ataque contra um centro de convenções em Dallas, nos Estados Unidos, onde decorria um concurso de caricaturas de Maomé. Dois homens abriram fogo no exterior do edifício e foram abatidos pela polícia. O ataque foi reivindicado pelo Estado Islâmico.
Em entrevista à revista “Der Spiegel” publicada no início do mês, o irmão mais velho de Geert Wilders descreve o mundo fechado do candidato: vive com a mulher num local secreto há 12 anos, não pode ir sozinho à rua e desloca-se numa viatura blindada.
“Poucos políticos têm tão pouco contacto com as pessoas comuns como o Geert”, afirma Paul Wilders, que não defende as ideias radicais do irmão.
“O mundo do Geert tornou-se tão pequeno. Resume-se ao Parlamento, eventos públicos e ao seu apartamento. Ele quase não pode ir a lado nenhum. Está socialmente isolado e alienado da vida normal. Isto não faz bem a ninguém.”
O “mestre” das “soluções simples”
Na mesma entrevista à “Der Spiegel”, Paul descreve o irmão como um “vendedor de ilusões”, um “mestre das mensagens curtas” e das “soluções simples” em tempos complexos.
A campanha de Geert Wilders, na leitura do irmão, alimenta-se do medo de atentados terroristas, dos refugiados, da crise do euro e propõem-se “defender” os holandeses dos muçulmanos, da União Europeia e das elites, à imagem da líder da Frente Nacional francesa, Marine Le Pen, que também vai a votos nos próximos meses.
O “Mozart de Venlo” foi o político mais popular no último ano, mas tem vindo a perder terreno com a aproximação da votação desta quarta-feira e o endurecimento do discurso por parte de outros partidos, nomeadamente dos liberais do Povo para a Liberdade e Democracia (VVD), do primeiro-ministro Mark Rutte.
De acordo com o indicador Peilingwijzer desta segunda-feira, que faz um cálculo baseado em várias sondagens, o partido de Wilders era a segunda força política da Holanda, com 14% dos votos, podendo conseguir entre 20 e 24 deputados.
Os liberais de Mark Rutte estão à frente, com 17% (24 a 28 mandatos), mas as sondagens não são garantia de vitória, como aconteceu recentemente com a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, ou com a vitória do “Brexit” no Reino Unido.
Uma coisa é certa: quem ganhar na Holanda terá sempre que fazer acordos ou coligações para governar num cenário político muito fragmentado. No entanto, as hipóteses de Wilders chegar a primeiro-ministro parecem ser poucas, porque precisaria sempre do apoio de outros partidos para ter uma maioria no Parlamento e ser uma solução sólida.
A tensão dos últimos dias com a Turquia, que culminou com a expulsão de uma ministra turca da Holanda, pode ajudar a baralhar mais as contas das eleições de quarta-feira.
Wilders pronunciou-se sobre a polémica na rede social Twitter. Chamou “islamofascista” ao Presidente turco, Tayyp Erdogan, que por sua vez tinha acusado os holandeses de serem o que resta do nazismo.
Em causa está a participação de governantes turcos em comícios de campanha, junto das comunidades no estrangeiro, para o referendo de 16 de Abril, sobre o reforço dos poderes de Erdogan.
O herdeiro de Pim Fortuyn
Depois de terminar a escola e cumprir o serviço militar, o jovem Wilders fez as malas e trocou os Países Baixos por Israel, onde chegou a viver num “kibbutz”, uma comunidade tradicional judaica. Por lá esteve dois anos e, desde então, é um forte apoiante de Israel.
As fotografias conhecidas dessa época mostram um Wilders em modo hippie, com cabelo castanho e encaracolado, bem diferente da aparência actual.
Regressou à Holanda natal, estudou Direito, interessou-se pela área da saúde e entrou na política. Foi assessor do líder do Partido do Povo para a Liberdade e Democracia (VVD), Frits Bolkestein, que o influenciou fortemente. Bolkestein, que também foi comissário europeu, era um crítico da imigração e da sociedade multicultural.
Foi eleito deputado em 1998 e ascendeu a porta-voz dos liberais do VVD em 2002, ano em que o político Pim Fortuyn foi assassinado por um radical de esquerda durante a campanha eleitoral.
Pim Fortuyn era carismático e controverso. Homossexual assumido, abertamente anti-islão e contra a imigração de fora da Europa, estava em alta nas sondagens quando foi abatido com vários tiros à saída de uma estação de rádio.
Considerado o sucessor de Fortuyn, Wilders deixou os liberais, porque era e é contra a adesão da Turquia à União Europeia, e fundou o Partido da Liberdade, em 2006.
Onze anos depois está na luta pelas eleições, reunindo à sua volta os descontentes com a vaga de refugiados, os desiludidos com a União Europeia e aproveitando em seu favor o medo de atentados.
As eleições na Holanda acontecem meses depois da chegada ao poder nos Estados Unidos do populista Donald Trump e podem ser uma espécie de teste para outras votações importantes deste ano na Europa, nomeadamente em França e na Alemanha, onde os políticos moderados e pró-europeus vão enfrentar movimentos de extrema-direita em ascensão, como Marine Le Pen, em França, ou a Alternativa para a Alemanha.