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Bispo americano acusado de abusos e de gastar 300 mil euros para promover carreira

06 jun, 2019 - 16:24 • Filipe d'Avillez

Os abusos financeiros e sexuais do bispo Bransfield, de Wheeling-Charlston, mantiveram-se durante anos. Entre os beneficiários dos seus cheques incluem-se clérigos de grande influência junto do Vaticano.

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O bispo Michael J. Bransfield, que renunciou à diocese de Wheeling-Charlston, na Virgínia Ocidental, em setembro do ano passado, é acusado de ter gasto mais de 300 mil euros em donativos feitos a clérigos influentes, alegadamente para tentar promover o seu próprio estatuto dentro da Igreja.

O Papa Francisco aceitou o pedido de resignação de Bransfield numa altura em que surgiram acusações de abuso e assédio sexual contra padres e seminaristas, mas também de má gestão financeira.

Esta quinta-feira o Washington Post publicou um longo artigo que detalha alguns desses abusos, focando sobretudo os financeiros.

Segundo o jornal, que teve acesso ao relatório final da investigação ao comportamento do bispo, há registo de donativos a outros clérigos que totalizam cerca de 300 mil euros. Os cheques eram passados em nome pessoal pelo bispo Bransfield, que era depois reembolsado pela diocese, explica o relatório.

Os donativos do bispo Bransfield parecem ter tido como objetivo cair nas boas graças dos destinatários e promover a sua própria ascensão na hierarquia da Igreja.

O relatório final não inclui os nomes dos beneficiários dos cheques, mas o Post teve ainda acesso a uma primeira versão que mostra que estes incluem clérigos muito influentes na igreja americana e no Vaticano, incluindo os cardeais Wuerl, Dolan e Burke. Donald Wuerl sucedeu na arquidiocese de Washington ao ex-cardeal McCarrick, que há precisamente um ano se viu no centro de um dos maiores escândalos de abusos na Igreja americana dos últimos tempos. Wuerl sempre negou saber das alegações contra McCarrick, mas já surgiu documentação que comprova o contrário e acabou por resignar também à diocese de Washington.

O cardeal Dolan é arcebispo de Nova Iorque, sendo bastante respeitado enquanto figura de liderança na igreja americana e o cardeal Raymond Burke, que é juiz de um dos mais importantes tribunais no Vaticano, tem-se tornado a figura de proa do setor conservador dentro da Igreja que se opõe a vários aspetos do pontificado do Papa Francisco.

Outros que também receberam donativos são os núncios apostólicos na América, incluindo o atual e os seus dois antecessores, sendo que o imediato é o arcebispo Viganó, que também é uma figura da oposição ao Papa Francisco.

As ofertas do bispo Bransfield não parecem ter sido orientadas por questões de preferência política ou ideológica, contudo, mas pela influência exercida pelas figuras a quem queria agradar.

Por fim, há ainda relatos de donativos ao arcebispo William Lori, de Baltimore, no valor de mais de nove mil euros. Este dado é significativo porque a diocese de Wheeling-Charlston fica na esfera de influência de Baltimore e por isso foi ao arcebispo Lori que se pediu que coordenasse a investigação a Bransfield. Na versão final do relatório dessa investigação os nomes dos destinatários dos donativos tinham sido removidos a pedido do próprio arcebispo.

Em declarações ao jornal americano Lori justifica-se dizendo que a inclusão dos nomes poderia dar a entender que os destinatários dos donativos de Bransfield estavam a par das suas intenções, o que não é o caso. Diz que o dinheiro que ele recebeu vai ser doado a instituições de solidariedade social católicas.

Dono disto tudo

Quando foi nomeado para a diocese de Wheeling-Charlston Bransfield já vinha com uma reputação de grande gastador, habituado a um estilo de vida de luxo.

Na sua nova diocese nada fez para contrariar essa reputação. Enquanto vivia no edifício onde se situam os escritórios administrativos mandava entregar flores frescas todos os dias, no valor de 90 euros por dia, totalizando mais de 160 mil euros. Em média gastava cerca de 900 euros por mês em álcool e gastou mais de dois milhões em despesas de viagens, sendo que muitas delas eram por motivos pessoais. Nunca viajava em classe económica e frequentemente optava por jatos privados.

Embora o estado da Virgínia Ocidental seja um dos mais pobres da América, e os católicos sejam apenas 4% da população, a Igreja beneficia de uma fonte de rendimento que a torna uma das dioceses mais ricas do país. Em 1904 uma milionária de Nova Iorque deixou grande parte da sua herança à diocese, incluindo uma propriedade no Texas. Três décadas mais tarde, segundo o Post, foi descoberto petróleo na propriedade, que rende cerca de 13 milhões de euros por ano.

Segundo o relatório, Bransfield tinha o hábito de dizer-se “dono disto tudo” em referência aos ativos da diocese.

O relatório inclui ainda várias referências aos alegados casos de abuso e assédio sexual de Bransfield, que tinham como alvo sobretudo jovens padres e seminaristas. Vários queixaram-se ao longo dos anos, mas as queixas caíam sempre em saco roto e perto de uma dezena acabou por sofrer de problemas psicológicos em consequência desta situação.

Num caso um jovem padre pediu ao vigário judicial para não ter de acompanhar o bispo numa viagem foi-lhe dito simplesmente que a sua presença era necessária. Acabaria, porém, de ser o vigário judicial Kevin Quirk a tomar a iniciativa de se queixar ao arcebispo Lori sobre o comportamento de Bransfield, na primavera de 2018, conduzindo ao pedido de investigação.

O relatório final, escrito pela equipa de leigos – alguns dos quais especialistas na área do direito – sugere a destituição de Bransfield e a expulsão do estado clerical, pedindo o mesmo para alguns dos seus colaboradores mais próximos, incluindo Kevin Quirk. Pede ainda que os auditores externos, que disseram que nunca relataram as irregularidades por medo de represálias do bispo, sejam despedidos.

Um ano depois do caso McCarrick, este novo caso vem abrir novamente as feridas na Igreja Católica americana, cuja hierarquia atravessa uma crise de confiança devido à sucessão de histórias de encobrimento de abusos sexuais e gestão danosa.

Comentários
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  • João Lopes
    07 jun, 2019 09:03
    Uma vergonha!

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