04 abr, 2017 - 11:36 • Opinião de Jacinto Lucas Pires (escritor)
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Acabo de ouvir a entrevista do primeiro-ministro à Renascença. Assim de repente, destacaria a frase de António Costa dizendo que o governo não é a Alice no País das Maravilhas. Fiel à sua personagem, o entrevistado de hoje apresentou-se como um pragmático com os sonhos no bolso, um politicão alérgico à expressão “reformas estruturais”.
As jornalistas Graça Franco e Raquel Abecasis começaram a entrevista pelo sistema financeiro e o primeiro-ministro respondeu-lhes com grande tranquilidade. Uma tranquilidade talvez até excessiva, diria este modesto ouvinte. Dava impressão que António Costa hesitava entre mostrar que está em cima dos dossiês e adormecer a opinião pública. “Ponto por ponto”, “passo a passo”, o chefe de governo, jogando nesta fase mais para os ouvidos à direita, assumia-se como o grande explicador. O maquinista de um “veículo” ou “mecanismo” sem demasiados pruridos ideológicos, mas eficaz a tapar buracos, a resolver problemas, a gerir prazos, estatísticas, expetativas.
A segunda parte foi mais para os ouvidos à esquerda: o emprego como “objetivo principal”, maior justiça fiscal (aumentar a progressividade dos escalões do IRS), combate à precariedade no setor privado e no setor público. Ainda assim, a política — no sentido próprio de uma visão para a sociedade — era quase sempre traduzida para pragmatês. E, propositadamente ou não, António Costa parecia vestir o fato de mero guardião de um triplo compromisso (as regras da União Europeia, o acordo com o BE e o PCP, o programa do PS); o líder de um governo faz-tudo que só está ali para resolver problemas, não para ajudar a mudar o mundo.
De resto, foi gerindo a conversa com a habitual bonomia. Que eu desse conta, a única questão a que se escapou foi a das escolas com contratos por associação.
O placar das sondagens dirá, imagino, que saiu desta entrevista com os três pontos mas com uma exibição não mais que certinha. Da minha parte, parece-me pouco que um “otimista impenitente” se contente com o elogio da “normalidade”. Ainda tenho aquela tirada a ressoar. Se não queremos ser o País das Maravilhas, queremos o quê?
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico