02 out, 2023 - 01:18 • José Pedro Frazão
Veja também:
É o maior declínio desde 2022 entre todos os países inquiridos no mais conhecido relatório sobre relações transatlânticas. A percentagem de portugueses que considera que o estado da democracia é bom caiu 14 pontos percentuais para 51% de opiniões positivas. 46% dizem que o estado da democracia é globalmente mau e 13% consideram que a democracia está mesmo em perigo.
“Se prestarmos atenção ao contexto político e económico português, ninguém ficará surpreendido”, afirma o sociólogo Pedro Magalhães. O investigador foi um dos comentadores, a par de Raquel Vaz-Pinto, dos resultados portugueses do relatório “Transatlantic Trends 2023”, apresentado na última semana em Lisboa.
O politólogo, especialista em opinião pública, assegura que em Portugal e na maior parte da Europa, as pessoas preferem a democracia como regime. “Mas as mesmas pessoas que não questionam a democracia como regime, podem ao mesmo tempo dizer que as democracias funcionam muito mal. São duas coisas muito diferentes. A satisfação face ao estado da democracia é muito sensível ao contexto, ao desempenho e à aprovação do que está a acontecer”, explicou Magalhães à plateia reunida na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD).
O grupo de pessoas que pensa que o estado da democracia é melhor em Portugal são as pessoas que votam no Partido Socialista. Os mais críticos do estado da democracia são os apoiantes do Chega e Iniciativa Liberal, de acordo com as tabelas disponibilizadas no site do GMF.
Pedro Magalhães não se mostra surpreendido com os resultados e avança três possíveis variáveis que podem conduzir a estes dados.
“Um dos fatores é a perceção de corrupção. Mas isto não explica a mudança porque em Portugal toda a gente pensa que todos os políticos são corruptos.
Transatlantic Trends
O sociólogo Pedro Magalhães e a politóloga Raquel (...)
No Eurobarómetro, 90% dos inquiridos consideram que a corrupção é prevalente em Portugal. A mudança tem que vir portanto de outra origem. A maior fonte de insatisfação em relação ao estado da democracia é a perceção do estado da economia. Quando a economia é percecionada negativamente, as pessoas ficam menos satisfeitas com o estado da democracia”, argumenta o politólogo do ICS, que acrescenta ainda o papel da “polarização política”, que faz com que a satisfação em relação à democracia decresça à medida que o discurso político se torna cada vez mais antagónico.
O especialista em sondagens e opinião pública lembra que os estudos existentes indicam que Portugal é um dos países onde a conceção de democracia está mais ligada aos bens socioeconómicos.
“Não é que desvalorizamos eleições livres e justas ou os direitos humanos. Valorizamos muito isso, mas também valorizamos muito - e faz parte da nossa ideia do que é a nossa democracia - combater a pobreza, combater a desigualdade e essa pode ser uma das razões pelas quais ficamos tão frustrados”, justifica o comentador do estudo apoiado pela FLAD.
No relatório agora divulgado, 31% dos portugueses consideram que as alterações climáticas são um grande desafio de segurança, 20% identificam a imigração e 15% apontam a guerra.
“O que mudou desde as edições anteriores é a subida da imigração”, observa Pedro Magalhães face aos dados divulgados neste relatório. O politólogo lembra que um dos sinais mais constantes das comparações internacionais de Portugal é que o tema da imigração não tinha a mesma importância e consequências do que em muitos outros países europeus.
A imigração em Portugal é então uma questão de menor relevância? “Não sei se isto já é verdade. Se viverem em Portugal, particularmente em Lisboa, se estiverem atentos ao que as pessoas estão a dizer em seu redor, não ficarão surpreendidos que, para cada vez mais pessoas, a questão da imigração se torne mais relevante e importante também na retórica partidária face ao que tem sido até agora. É apenas um ponto dos dados - e eu digo sempre que precisamos de mais dados - mas acho que isto potencialmente anuncia que algo está a mudar nas correntes subjacentes à discussão política em Portugal”, argumenta Pedro Magalhães.
Questionado sobre a crítica dos inquiridos ao trabalho do Governo no combate às alterações climáticas - apenas 7% consideram que está a fazer o suficiente -, Pedro Magalhães acredita que se assiste a uma fenómeno de contaminação em que “se a avaliação geral do desempenho do Governo for má, tudo parece mau, mesmo que o Governo faça bem qualquer coisa”.
Transatlantic Trends
Um estudo de referência sobre relações transatlânt(...)
Sobre o papel dos media, o politólogo assume que há muito a estudar sobre redes sociais. No entanto, chamou a atenção da plateia na FLAD para ideias erradas nas elites.
“No caso português, ao contrário do que as pessoas como nós nesta sala pensam, a maioria das pessoas não depende das redes sociais para obter informações mas depende das redes, sim, mas para entretenimento. A maioria não obtém informações políticas nas redes sociais. Isso é algo que acontece com uma pequena minoria de pessoas, a maioria delas nesta sala. Isto pode mudar, mas isto é o que sabemos até ao momento”, respondeu a uma pergunta da plateia.
Ao longo da sessão na FLAD, Pedro Magalhães argumentou que as questões de política externa têm baixa relevância em Portugal devido à despolitização destes temas no nosso país.
A politóloga Raquel Vaz-Pinto respondeu com uma tendência paralela de desmilitarização das sociedades nas últimas décadas, só recentemente questionada pelo contexto de guerra na Ucrânia.
“A discussão sobre o papel e o peso das forças armadas não é nova, nem é um problema português. Temos que questionar por que razão apenas uma grande minoria quer ir para a carreira militar em Portugal. É uma das discussões mais importantes que temos vindo a adiar”, alertou a investigadora de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa.
Presente no debate, Gesine Weber, do German Marshall Fund, usou o conhecimento da situação no seu país para sublinhar as semelhanças entre este debate português e “o muito que se discutiu na Alemanha até ao ‘Zeitenwende’ e ao anúncio de um fundo de 100 mil milhões de euros para as forças armadas”.
O termo alemão "Zeitenwende" significa “mudança de tempo” e é a designação que o chanceler Olaf Scholz usou no discurso perante o Parlamento alemão, em fevereiro de 2022, em reação à invasão russa da Ucrânia. O discurso significou uma mudança de página na política de defesa da Alemanha, marcada até aí pela contenção, com o anúncio de um fundo de mil milhões de euros em despesa militar.
“Embora este debate esteja apenas a começar e mostre o quão difícil é, tudo acaba por ir parar ao dinheiro. Vemos como o governo alemão está agora com dificuldades em implementar o fundo respeitando determinados critérios orçamentais. A extrema-direita está a beneficiar muito disso. Há um debate doloroso e uma tarefa massiva para os governos para explicar isso aos cidadãos", complementa Gesine Weber.
Para Pedro Magalhães, resulta claro que aumentar a despesa militar é muito difícil de "vender" à opinião pública. Mesmo nos EUA, se os americanos tivessem uma ideia desses gastos, ficariam horrorizados. Só não ficam assim, porque a despesa militar cria muitos empregos nos EUA", justifica o sociólogo que se doutorou na Universidade do Ohio, nos Estados Unidos.
No caso português, num território pequeno e sem ameaça iminente, seria difícil convencer os eleitores a validar um aumento da despesa militar, na opinião de Pedro Magalhães. "Nos últimos dez anos vivemos cortes na educação e na ciência e a ideia de agora aumentar a despesa militar criaria muitos problemas".