Ao realizar-se um estudo sobre abusos sexuais praticados no seio da Igreja ou em qualquer outro âmbito, é essencial assegurar a credibilidade das respetivas conclusões.

Só um estudo credível e justo permite reparar as vítimas, na medida do possível. Haja ou não prescrições; haja ou não lugar a procedimentos criminais.

De igual modo, só um estudo credível e justo permite afastar e punir os verdadeiros agressores, sejam eles quem forem, independentemente do que pensam ou daquilo que representam.

Ninguém deve ser envolvido num caso como este, por meros preconceitos ideológicos, culturais ou outros, mas sim pela forte probabilidade da prática de crimes abjetos.

A reação – pública e frontal - de um padre do Patriarcado de Lisboa, ao saber que o seu nome fora incluído no relatório da Comissão Independente, faz-me recear o pior.

Num comunicado aos seus paroquianos, o padre Mário Rui Pedras garante nunca ter praticado, ao longo da sua vida sacerdotal, nada que fosse censurável do ponto vista canónico ou da lei civil, nem sequer no plano da ética comportamental. Daquilo que dele se conhece, não se esperaria outra coisa.

Porém, o mais chocante é a revelação, segundo a qual o seu nome fora incluído no relatório, através de uma única denúncia e, no caso, uma denúncia anónima.

Se uma única denúncia anónima - cuja identidade presumo que a própria Comissão desconheça - é condição suficiente para ser acolhida como válida e assim acusar alguém, então precisamos de saber muito mais sobre os métodos (de estudo?) usados pela Comissão.

Como se valida um único testemunho anónimo sobre uma pessoa e se consegue ter a certeza de que estamos na presença de um forte indício criminal e não perante um qualquer tipo de vingança, perseguição ou delírio?

Numa matéria com esta delicadeza, não é possível manter opacidades sobre métodos, critérios e extrapolações decididas e utilizadas pela Comissão Independente.

Protegendo as vítimas e sem melindrar quem já tanto sofreu, importa que não se produzam novas e pesadas injustiças.

A forma frontal e aberta como o padre Mário Rui Pedras reagiu é de alguém que não teme ser desmentido. E é o modo como seguramente qualquer um de nós reagiria se visse o seu nome injustamente enxovalhado por uma denúncia, sem rosto nem voz.

Percebo e concordo que a Igreja suspenda das suas funções, pessoas cujos nomes figurem na referida lista; partindo do princípio de que lá estão pelos piores motivos, isto é, por indícios consistentes da prática de crimes ou até pelo seu consciente encobrimento.

Porém, não julgava possível que no nosso Estado de Direito, uma Comissão dita independente e de estudo como esta, pudesse alavancar o estigma de um crime, a partir de uma única denúncia anónima, cuja identidade, propósito ou circunstância presumo que ninguém verdadeiramente conheça.

Se tudo isto é assim, nunca tal sucedeu em Portugal. Aconteceu a este padre de Lisboa e julgo que a mais ninguém.

Se é um caso único, é bom também que seja o último.

Se nada disto é assim, a Comissão Independente, em nome da credibilidade do estudo e da verdade, tem a obrigação de dar à opinião pública os esclarecimentos indispensáveis.

Se não os der é mau sinal. A tirania do segredo é o segredo das piores tiranias.