A ministra da Justiça quer agravar as penas do discurso de ódio. Quem seja condenado e tenha funções públicas pode vir a ter como pena acessória a interdição de exercício do cargo. Também jornalistas e professores podem ser penalizados com a expulsão das suas profissões.

Por outro lado, pretende alargar-se o espectro das discriminações que podem dar cadeia. Além das de origem racial ou étnica, como cor, a origem nacional, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica, que já constam da lei criminal, o Governo quer que fiquem abrangidas todas as discriminações previstas no Pacto das Nações Unidas sobre Direitos Civis e Políticos, e de que fazem parte as discriminações sobre nascimento ou qualquer outra condição social, nível de instrução, língua ou opiniões políticas.

Segundo nota enviada pelo gabinete da Ministra Van Dunem à Renascença ,"a ideia é alterar o artigo 240 do Código Penal que, embora tenha o título ‘Discriminação e Incitamento à violência’, só inclui as atividades de propaganda organizada de discurso de ódio. E não o incitamento ao ódio e à discriminação".

O penalista Paulo Saragoça da Matta diz que a proposta de alteração legislativa, que o Governo irá proximamente entregar ao parlamento, “parte de um erro de base: o de que o Código Penal apenas abrange atividade de propaganda organizada. O que não é verdade. "O artigo já prevê a penalização do incitamento ao ódio e à violência e a própria discriminação”.

O advogado penalista defende que "é um erro quando quem não sabe ler o Código Penal se põe a fazer reformas". Qualquer aluno de Direito que defendesse o que é dito na nota do Ministério da Justiça, com a alterações ao Código Penal que estão a ser preparadas ,"teria chumbo certo, numa oral na Faculdade de Direito".

Carlos Pinto de Abreu concorda que o Código Penal já contempla o crimes de incitamento ao ódio e à discriminação. O advogado especialista em direito criminal recomenda que antes de se avançar com alterações legislativas, as autoridades avaliem se os instrumentos que temos funcionam. Porque “há uma reduzida taxa de denúncias. Outras vezes uma falta de perceção da vítima de que certo tipo de condutas não são apenas eticamente inadmissíveis mas são juridicamente proibidas e penalmente punidas. Há também casos de situações de cidadãos estrangeiros que, não tendo ainda legalizado a sua situação em Portugal, receiam contactar o sistema de Justiça e muitas vezes é também até a vergonha em denunciar o facto, medo de represálias e um défice de conhecimento da lei”.

O advogado Carlos Pinto de Abreu, que faz parte da direção da APAV, fala em “falta de sensibilidade da sociedade em geral para os crimes de ódio e de incitamento à discriminação”. Essa é uma das explicações para haver um tão reduzido número de queixas da parte das vítimas.

É essa também a opinião do presidente da Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes. Carlos Anjos diz que “não adianta criarmos novos tipos de crimes se depois não os utilizamos para perseguir os seus autores. Isso parece-me um contra-senso e um erro”. O que se passa na internet é, segundo o presidente da CPVC muito esclarecedor. "Eu tenho muito pouco conhecimento de que haja queixas. As pessoas ficam magoadas, ficam ofendidas. Mas não apresentam queixa".

A desvalorização que é feita dos crimes de ódio acontece também nos tribunais. Carlos Anjos diz que o discurso de ódio aparece com frequência em processos de divórcio, sobretudo em casos de casamentos multiculturais. Mas nunca é valorizado pelos juízes.

Carlos Anjos defende que é "sobretudo a falta de confiança no sistema, que leva as vítimas a não apresentar queixa". Pela sua experiência na Comissão de Proteção às Vítimas, conclui que "as vítimas temem que o caso nem sequer seja investigado ou, havendo acusação, no julgamento o arguido acabe por sair com pena suspensa”. Revela que é um lamento que tem ouvido nos últimos anos.

A líder do PAN é uma das vítimas do discurso de ódio com razões para se queixar da eficácia do sistema judicial para perseguir os autores do incitamento ao ódio e à violência. Diz que a primeira queixa que apresentou foi arquivada pelo Ministério Público, por ser queixa contra desconhecidos e não foram solicitados mandatos judiciais para que o Facebook fosse obrigado a dar o IP e a identificação das pessoas”.

A deputada Inês Sousa Real diz que as ameaças, injúrias e calúnias aumentaram desde que é líder do PAN. “Tenho recebido ameaças com caráter absolutamente misógino, claramente marcados pelo género e pela condição política. Isto porque se percebe que os perfis estão associadas a outras forças políticas de extrema-direita.” Questionada, Sousa Real identifica essas ameaças com o Chega e a tauromaquia.

Inês Sousa Real lembra que desde que a lei sobre crimes de ódio foi alterada, em 2017, dos 161 inquéritos que foram abertos pelo Ministério Público, apenas houve três acusações.

O penalista Paulo Saragoça da Matta diz que se assiste a uma tendência que é sustentada pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e também por alguns académicos, nomeadamente da Faculdade de Direito de Coimbra, que defende que a defesa da honra não merece tutela. Posição a que o advogado se opõe frontalmente.

São declarações ao programa de Informação da Renascença Em Nome da Lei, que este sábado debateu a intenção do Governo de agravar as penas dos crimes de incitamento ao ódio e à discriminação.

Recorde-se que, além dos ataques verbais dos negacionistas contra o vice-almirante Gouveia e Melo e contra o presidente da Assembleia da República, tem havido denúncias de discurso de ódio com base no género, na etnia e nas posições políticas, por parte das deputadas Joacine Katar Moreira, Cristina Rodrigues e Inês Sousa Real. E são também públicos vários casos polémicos com membros do Chega, tendo havido já uma condenação judicial de André Ventura e do seu partido.