02 abr, 2019 - 10:52 • Filipe d'Avillez
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O Papa Francisco dedicou um capítulo inteiro da sua exortação apostólica pós-sinodal “Cristo Vive” à pastoral juvenil, meditando sobre os contornos que esta deve assumir para melhor poder corresponder às necessidades e aos anseios dos seus alvos.
Francisco começa por insistir que não pode haver pastoral para os jovens sem o envolvimento dos mesmos, a começar pelos muitos movimentos juvenis que se têm formado nos últimos anos. “Torna-se necessário aprofundar a participação destes na pastoral de conjunto da Igreja, bem como numa maior comunhão entre eles, numa melhor coordenação da ação. Embora nem sempre seja fácil abordar os jovens, tem-se vindo a crescer em dois aspetos: a consciência de que é toda a comunidade que os evangeliza e a urgência de que eles tenham maior protagonismo nas propostas pastorais.”
Importa por isso encontrar propostas que sejam cativantes e que permitam “o encontro comunitário com o Deus vivo.”
Numa altura em que a Igreja enfrenta uma acentuada divisão entre grupos de tendência mais tradicionalista/conservadora ou mais progressista/liberal, Francisco não toma partidos e diz que o importante é que as propostas sejam eficazes. “Pouco importa a cor das mesmas, se são ‘conservadoras ou progressistas’, se são ‘de direita ou de esquerda’. O importante é que reunamos tudo o que tiver dado bons resultados e seja eficaz para comunicar a alegria do Evangelho.”
O Papa faz uma série de alertas, pedindo aos responsáveis da pastoral que apostem numa “gramática do amor” e não no proselitismo e que evitem abafar a chama acesa por um encontro pessoal com Cristo com “encontros de ‘formação’ onde se abordam apenas questões doutrinais e morais: sobre os males do mundo atual, sobre a Igreja, sobre a Doutrina Social, sobre a castidade, sobre o matrimónio, sobre o controlo da natalidade e sobre outros temas. O resultado é que muitos jovens se aborrecem, perdem o fogo do encontro com Cristo e a alegria de segui-lo, muitos abandonam o caminho e outros tornam-se tristes e negativos. Acalmemos a obsessão por transmitir um excesso de conteúdos doutrinais e tentemos, em primeiro lugar, suscitar e enraizar as grandes experiências que sustentam a vida cristã.”
Os jovens “não querem ver uma Igreja calada e tímida, nem tampouco que esteja sempre em guerra por dois ou três temas que são para ela uma obsessão”.
O que não significa, diz o Papa logo de seguida, que a doutrina e a moral não devam ser transmitidas, bem como “meios e recursos variados para ajudar os jovens a crescerem na fraternidade, a viverem como irmãos, a ajudarem-se mutuamente, a criarem comunidade, a servirem os outros, a estarem perto dos pobres.”
Não devemos menosprezar os jovens
Elogiando a surgimento de movimentos e associações juvenis, que considera serem fruto da ação do Espírito Santo, Francisco diz que é bom que os jovens tenham os seus próprios espaços na Igreja, mas que isso não se deve traduzir pela perda de contacto com a vida paroquial ou outros movimentos eclesiais.
Francisco avisa ainda para o risco de se subestimar os jovens e a sua capacidade de acolher e corresponder a propostas mais profundas. “Não devemos menosprezar os jovens como se fossem incapazes de se abrir a propostas contemplativas. Só é necessário encontrar os estilos e as modalidades adequadas para ajudá-los a iniciarem-se nesta experiência de valor tão elevado”, mas chama também atenção para o risco contrário. “Às vezes, por pretendermos uma pastoral juvenil assética, pura, marcada por ideias abstratas, afastada do mundo e preservada de toda a mancha, convertemos o Evangelho numa oferta insípida, incompreensível, distante, separada das culturas juvenis e apta apenas para uma elite juvenil cristã, que se sente diferente, mas que, na realidade, flutua num isolamento sem vida nem fecundidade”.
“Com os jovens que não cresceram em famílias ou instituições cristãs, e estão num caminho de lento amadurecimento, devemos incentivá-los ao bem possível”, sublinha Francisco, “a pastoral juvenil, quando deixa de ser elitista e aceita ser ‘popular’, é um processo lento, respeitador, paciente, esperançado, incansável e compassivo”, o que implica que “se olhe para os jovens com compreensão, apreço e afeto, sem os julgar permanentemente nem lhes exigir uma perfeição que não corresponde à sua idade”.
No texto da exortação apostólica o Papa não se alonga em exemplos práticos, mas refere de passagem as missões juvenis, que em Portugal têm crescido de forma exponencial nos últimos anos, e diz também que “um jovem que vai a uma peregrinação pedir ajuda à Virgem e que convida um amigo ou companheiro para que o acompanhe, com esse simples gesto está a praticar uma valiosa ação missionária.”
Vocações
Por fim, num capítulo dedicado às diferentes vocações, Francisco debruça-se em primeiro lugar sobre as duas grandes preocupações dos jovens: encontrar emprego e formar uma nova família.
Reconhecendo as dificuldades que se abatem sobre as famílias atualmente, o Papa pede, porém, aos jovens que não deixem que a sociedade lhes roube o amor a sério. “Não vos deixeis enganar por aqueles que vos propõem uma vida de desenfreamento individualista, que, por fim, conduz ao isolamento e à pior solidão” e diz que é um “engano e uma mentira” acreditar que não há nada definitivo”.
“Eu, sim, tenho confiança em vós, por isso vos animo a optar pelo matrimónio”, conclui.
Sobre o trabalho, Francisco reconhece que o mundo laboral é hoje diferente do que era, mais fluido, mas pede aos jovens que nunca renunciem aos seus sonhos. “É verdade que tu não podes viver sem trabalhar e que, por vezes, tens de aceitar aquilo que encontres, mas nunca renuncies aos teus sonhos, nunca enterres definitivamente uma vocação, nunca te dês por vencido. Continua sempre a procurar, pelo menos, modos parciais ou mesmo imperfeitos de viver aquilo que, segundo o teu discernimento, reconheces como uma verdadeira vocação.”
Só depois de abordar estes dois aspetos é que o Papa fala sobre as vocações religiosas, fazendo questão de não usar um tom dramático, nem de falar em crise.
“Podemos atrever-nos, e devemos fazê-lo, a dizer a cada jovem que se interrogue sobre a possibilidade de seguir este caminho”, diz, mas logo assegura que “o Senhor não pode faltar à sua promessa de que não deixará a Igreja privada dos pastores sem os quais não poderia viver nem realizar a sua missão. E se alguns sacerdotes não dão um bom testemunho, não é por isso que o Senhor deixará de chamar. Pelo contrário, Ele duplica a aposta, porque não deixa de cuidar da sua amada Igreja”.
A exortação apostólica Cristo Vive é composta por nove capítulos. Foi assinada oficialmente a 25 de março, mas só esta terça-feira é que o texto final foi divulgado.