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Sabe quantas famílias trabalham na sua empresa?

18 mar, 2019 - 14:55 • Filipe d'Avillez

O Governo está apostado em incentivar a conciliação entre trabalho e família, mas o ministro Vieira da Silva diz que este é um problema que tem vindo a aumentar e que está na origem da queda da natalidade.

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Os portugueses são cada vez menos, e cada vez mais velhos e isso obriga a pensar o futuro das empresas de forma diferente, considera o ministro José António Vieira da Silva.

Falando esta segunda-feira no encerramento de uma conferência organizada pela Confederação Empresarial de Portugal (CIP) e pela Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE), sobre conciliação entre vida familiar e trabalho, o ministro deixou claro que este é um tema que interessa ao Governo, mas que não tem solução fácil. “As dificuldades entre vida pessoal, profissional e familiar não têm vindo a diminuir. Ou pelo menos, este é um desafio que na sociedade moderna, ou muitas sociedades modernas, não tem vindo a ser ganho”, disse.

“As dificuldades de conciliação entre as três dimensões degradam as condições de vida das mulheres e homens da Europa e da sociedade moderna e estão na origem de boa parte da queda da natalidade que temos visto nos últimos anos e que permanece historicamente baixo”, afirmou ainda Vieira da Silva.

A conferência “Desafios à Conciliação Família Trabalho” decorreu no seguimento da apresentação de um estudo, levado a cabo pela Nova SBE, que concluiu que em Portugal continua-se a confundir “presentismo” com produtividade.

“Estar muitas horas no trabalho não quer dizer que se seja produtivo”, afirmou o autor do estudo, Miguel Pina e Cunha, que lamentou ainda haver empresas em que as chefias se comprometem publicamente com a conciliação, mas esta acaba travada nas camadas intermédias ou até que haja ainda empresas que despedem mulheres grávidas ou que acabaram de ter filhos, algo que disse não se combate com legislação, uma vez que esta já existe. “É uma questão de simples desrespeito que exige mudança de mentalidades”.

Para Miguel Pina e Cunha, é preciso as empresas perceberem que a conciliação não é um dilema, mas um paradoxo, o que permite encontrar soluções construtivas e perceber que com a conciliação todos ganham, incluindo a família.

Erasmus para funcionários

João Pedro Tavares, da ACEGE, começou a sua intervenção perguntando aos presentes, entre os quais muitos gestores de algumas das principais empresas em Portugal, se sabem quantas famílias trabalham nas suas empresas.

“Quantas famílias trabalham nas nossas empresas? Sabemos responder? Eu já conheço empresários e gestores que não contam o número de colaboradores, contam o número de família. Quantas famílias estão nas nossas empresas? A família é um stakeholder fundamental. Quem não souber responder é porque ainda não considera a família um stakeholder fundamental”, considera.

Durante a conferência houve ainda tempo para escutar alguns casos práticos de empresas consideradas exemplares na conciliação. Uma delas, a Pedrosa & Rodrigues, de Barcelos, explicou como tem conseguido implementar medidas para facilitar a vida aos seus colaboradores, incluindo disponibilizando médico na empresa, seguro de saúde e ginásio com “personal trainer” grátis e sempre disponível. “As pessoas têm de ser saudáveis, não há outro caminho, de um ponto de vista técnico, têm de ser”.

Para além disso os funcionários também podem fazer “Erasmus” noutra empresa, desde que a experiência profissional faça sentido, e há uma bolsa de estudo anual a que qualquer funcionário se pode candidatar, sem qualquer outro compromisso, desde que a área de formação faça sentido, também.

Por fim, a empresa paga cresce e ATL a todos os funcionários e raramente fazem horas extras. “Isto é tudo uma questão de gestão. É muito raro termos um atraso. Isto é feito com bom planeamento e com uma cultura em que não há urgências. Eu costumo dizer que urgência é quando a casa está a arder”.

Mas a maioria das empresas não está nem perto deste nível de conciliação, considera João Pedro Tavares. “Portugal tem um caminho a fazer, e estamos atrasados”.

“Por não conciliação entre família e trabalho, estima-se em 20% a perda de talento. Porque as pessoas não querem assumir novas responsabilidades, ou não podem assumir novas responsabilidades e lamentavelmente mais de 70% dessas pessoas são mulheres.”

“Temos que nos reconciliar com novos caminhos, novas formas, novos modelos, novas relações e nova criação de valor”, afirmou.

Conciliação certificada

A conferência serviu ainda para apresentação a várias empresas dos seus diplomas de certificação de Entidade Familiarmente Responsável (EFR). Esta certificação é atribuída pela fundação Más Família, sedeada em Espanha, mas que trabalha com empresas e governos em mais de 20 países.

Rafael Fuertes, da fundação, elogiou a iniciativa do Governo português de incentivar as empresas a obter esta certificação. “O mais importante é que foi feito um plano para que as empresas façam esta conciliação. Porque no final o que vemos é que as medidas variam de pessoa para pessoa em cada organização. O que é importante é que o Governo português tenha dado um passo em frente para que as empresas possam ter um plano de conciliação, enquanto noutras países se aposta em coisas que não tem tanta importância para a nossa vida pessoal.”

“Por exemplo”, diz, “trabalha-se muito a igualdade. Isso é bom. Mas isso não tem tanto impacto nas empresas como a questão das pessoas que precisam de poder cuidar dos seus pais idosos, ou dos seus filhos, poder flexibilizar os seus horários para trabalhar à distância. Este é que é o grande passo.”

Para Rafael Fuertes esta não é necessariamente uma questão de esquerda e de direita, uma vez que a sua empresa trabalha com governos de diferentes tendências. “Os governos de direita tendem a apostar mais em medidas empresariais e os de esquerda medidas mais sociais através das organizações sindicais. Mas no final de contas sabemos que em todos os países, independentemente da ideologia, existe uma mesma preocupação com o grande problema demográfico que temos.”

O ministro Vieira da Silva recorda que “a certificação é por natureza um processo independente”, recordando que existem outras normas para além da EFR, mas diz que “o Governo estimula, naturalmente, todas as organizações que assumem o compromisso de trabalhar para promover a conciliação entre a vida pessoal, profissional e familiar.”

“Olhamos com simpatia e naturalmente haverá todo o estímulo possível para que as empresas tenham um comportamento que dê resposta a este que é um dos problemas mais significativos da nossa sociedade”, conclui.

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