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Tarso Genro: “Haddad ainda pode ganhar”

24 out, 2018 - 19:03 • José Bastos

“O grau de rejeição de Bolsonaro subiu estrepitosamente e o de Haddad baixou”, diz o dirigente do PT que credita “o efeito Bolsonaro” às fake-news. Genro teme um presidente do "tipo Duterte".

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“Acredito na possibilidade de uma surpresa extraordinária com uma vitória de Haddad”, garante, em entrevista à Renascença, Tarso Genro, dirigente do PT.

O antigo ministro da Educação e da Justiça nos governos de Lula (2002-2009), ex-governador do Rio Grande do Sul e arquitecto do Fórum Social Mundial de Porto Alegre atribui a “uma grande manipulação da informação nas redes sociais e media tradicionais” a “normalização” de Bolsonaro, um candidato “fascista e violento”.

Tarso Genro é a referência da ala esquerda do PT e, desde 2014, defendia a ruptura da aliança com o PMDB e uma “viragem à esquerda” do partido a necessitar de profunda autocrítica.

Genro reconhece que o PT cometeu “erros graves”, mas que a auto-crítica resulta difícil quando Lula está na cadeia num processo “viciado” para o retirar da corrida presidencial.

O antigo ministro descreve ainda o modelo político português como "exemplar", incluindo a "geringonça".

Como se vê a eleição a partir do PT? Bolsonaro já ganhou?

Não. O quadro mudou radicalmente nas últimas horas. Estávamos a sentir o impacto de um conjunto de acções canalizadas pelos media, em particular redes sociais, dirigidas até do exterior a gerar dezenas "fake news" contra Haddad. Informações manipuladas e distribuídas aqui no Brasil e tendo uma grande influência particularmente no eleitorado menos informado.

A partir desta terça-feira este cenário mudou. A diferença entre os candidatos diminuiu 4 pontos, o grau de rejeição do candidato Bolsonaro subiu estrepitosamente e a rejeição de Haddad baixou.

Há a possibilidade de uma surpresa extraordinária e da reversão no processo eleitoral com uma vitória do Haddad. Acredito que chegaremos a sábado com as intenções de voto em empate técnico, mais ou menos iguais, e a ultrapassagem poderá ocorrer no domingo.

Mas seria uma enorme surpresa...

Não. Não é estranho. Já ocorreu na primeira volta. Tínhamos candidatos na primeira volta com números das sondagens apontando para 8% e que chegaram a 28% (Haddad) e quem começou com 32% e baixou para 10% (Ciro) nas últimas 48 horas. É uma nova forma de processamento de opinião neste processo eleitoral com uma interferência muito diferenciada das redes e uma grande manipulação da informação feita aqui no Brasil pelos media tradicionais, sempre contra o Haddad e "naturalizando" e normaliza um candidato que é notoriamente fascista e violento. Um candidato que recomenda o assassinato por polícias que, segundo ele, devem ser promovidos e não investigados, quando matam alguém como ocorre nos países democráticos. Isso, evidentemente, produz um choque na sociedade brasileira. Se Bolsonaro ganhar - acho que certamente pode não acontecer, agora de novo há essa grande possibilidade -, o Brasil seria um país semelhante às Filipinas com um presidente que estimula o delito a partir da sua função de mais alto magistrado político nacional.

Diz que Bolsonaro está mais próximo de Rodrigo Duterte do que de um "Trump tropical"?

Sem a menor sombra de dúvida. Não é difícil provar na prática. Há videos com Bolsonaro a dizer que o erro da ditadura não foi torturar, mas sim não matar 30 mil pessoas. Bolsonaro diz também que os nordestinos não gostam de trabalhar. Afirma existir uma espécie de "coitadismo" em relação a minorias sexuais ou a negros e negras que são alvo de políticas de discriminação positiva para gerar uma maior coesão social num país com uma tradição "escravocrata" e conservadora muito significativa. Bolsonaro repudia essas políticas e usa palavras ofensivas contra essas pessoas.

Então, é um candidato que quando votou a favor da destituição de Dilma - o golpe constitucional contra a presidenta Dilma - homenageou o maior torturador da história do Brasil (Carlos Alberto Brilhante Ustra) dizendo tratar-se de um herói a dever ser saudado e respeitado porque foi "o maior pavor de Dilma", na altura do regime militar. Essa é a figura que se está a apresentar aqui no Brasil às eleições e que implica um risco enorme para as instituições democráticas deste país.

Uma dessas personalidades que Bolsonaro atingiu foi o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, muito respeitado no exterior. Mas FHC não apoia Haddad. Não é a prova evidente da fragilidade de Haddad e do PT?

No PSDB de FHC temos três atitudes distintas. Tasso Jereissati, um dos quadros políticos mais relevantes, ex-presidente nacional do partido, já fez uma auto-crítica ["nosso grande erro foi ter entrado no governo Temer"]) e está a recomendar o voto em Haddad. Alberto Goldman, ex-governador de São Paulo e um dos quadros mais importantes do PSDB, acaba de anunciar o voto em Haddad.

O ex-presidente Fernando Henrique está numa posição relutante, mantendo determinadas contradições com o PT, em particular em São Paulo, ainda por cicatrizar, mas, ainda assim, teve a dignidade política de dizer um "Bolsonaro não". E quem diz "Bolsonaro não", mesmo não dizendo mais nada, está, evidentemente, apontando um rumo determinado para as pessoas que são por si influenciadas. Então, o Presidente Fernando Henrique não abriu ainda directamente o voto em Haddad, mas, como escreveu um filósofo no prefácio de um livro, "…e salvou-se a alma", na medida em que ele disse o "Bolsonaro não" e esse é um gesto importante do ex-Presidente que temos de respeitar e levar em consideração para formar, seja qual for o resultado das eleições, uma grande frente em defesa da democracia, do reforço da política para conseguir colocar o nosso país nos trilhos.

Como é que explica o grau extremo de rejeição ao PT ? Analistas referem que o "anti-petismo" é o único motor de Bolsonaro e que o PT nunca fez a auto-crítica dos erros cometidos...

Essa é uma manipulação da informação que é passada para o exterior. Na primeira volta, o PT foi o partido a sair mais fortalecido das urnas. É o partido que obteve a maior bancada de deputados no Congresso Nacional. Nas sondagens, é o partido maioritariamente preferido pelos brasileiros. Seja qual for o resultado, o Partido dos Trabalhadores vai sair fortalecido deste ciclo eleitoral. Claro que o PT não é perfeito. Claro que o PT cometeu erros e foram erros graves. Claro que não soube constituir uma Frente de Esquerda suficientemente ampla e democrática para bloquear essa rejeição. Mas o que está a ocorrer aqui no Brasil é um processo de polarização política muito grande que descambou para um ataque frontal ao PT depois de o Partido dos Trabalhadores, pela primeira vez na história do Brasil, ter sentado na mesa da democracia os mais pobres e os excluídos. E para uma sociedade de tradição "estatrista" e conservadora, com uma burguesia sem perspectiva de um projecto de nação, evidentemente, estavam criadas condições para uma polarização. É essa polarização que está em curso e temos de trabalhar na sua diluição.

Mas há numerosos políticos do PT alvo de investigações. Aliás, Tarso Genro é das poucas figuras de primeiro plano a quem não são imputadas acusações ou atribuídas suspeitas de ilegalidades. Esse "mea culpa" do PT nunca foi assumido porquê?

Tem de ser assumido. Esse debate tem de ser feito. Agora ninguém faz uma auto-crítica tendo o seu Presidente preso em consequência e dependente de um processo judicial viciado e que conseguiu retirar da corrida presidente um homem que não tem qualquer prova contra ele. Então, reconheça-se, é difícil fazer uma auto-crítica nesta situação, mas essa auto-critica tem de ser feita. Mas também tem de ser destacado neste momento que o PT, em termos de quadros políticos processados, investigados e presos, está no quarto lugar desse particular "ranking".

À frente do PT estão partidos tradicionais conservadores, mas o destaque que é dado pela imprensa brasileira - uma imprensa oligopólica controlada por 10 famílias - e o preço de toda corrupção recaiu exclusivamente nas costas do PT. Então, temos sim de fazer uma auto-crítica e uma grande oportunidade para refundar, reestruturar e renovar o Partido dos Trabalhadores vai ser ganhar a eleição presidencial no domingo ou, na oposição, formar uma grande frente de defesa das instituições democráticas de um país hoje acossado pelo fascismo.

Então a vitória de Bolsonaro vai precipitar essa regeneração de toda a esquerda brasileira?

Essa regeneração vai ter de ser feita de qualquer forma. A crise da esquerda brasileira não resulta apenas a crise do PT. É uma crise da sócio-demografia em mudança, uma crise da falência da ideia comunista-soviética, uma crise da falência de qualquer vocação autoritária de qualquer governo, seja de esquerda ou de direita, e temos de inscrever o nosso debate na perspectiva mais alargada de novos rumos para a esquerda à escala mundial. Porque hoje as questões, sejam elas locais, regionais ou nacionais, são sempre questões globais. Essa compreensão deve dirigir a reformatação da esquerda brasileira e da esquerda política em todo o mundo.

Na economia faltou ou não um gesto para colocar a Haddad mais ao centro? Os mercados apostaram em Alckmin, mas logo interiorizaram Bolsonaro. Haddad não apresentou uma proposta (Carta de Lula) como em 2002 para tranquilizar o mercado...

Eu tenho uma opinião diferente em relação aquela carta. Foi uma carta providencial, o Brasil estava descapitalizado, falido, endividado com uma inflação alta. Então, essa garantia foi necessária. O que pode ter faltado agora - e vamos ver no final do processo eleitoral - e Haddad já terá dado conta disso e deixou ficar claro é que temos de transitar de uma posição de dependência e subordinação à escala global para uma posição de cooperação interdependente. Essa cooperação está relacionada também com os mercados que têm uma parte especulativa e outra ligada ao jogo da globalização financeira mundial, um facto concreto a ser considerado por qualquer governo. Esse equilíbrio tem de ser alcançado. Dizer "o Brasil é um país inserido nas relações internacionais globalizadas e a nossa relação vai ser pontualmente estabelecida com cada fonte de crédito com cada fonte de influência política no pressuposto de cooperação de interdependência com soberania". É isso o que o Brasil deve fazer e Haddad irá fazê-lo quando for eleito presidente da República.

Como comenta o facto da comunidade brasileira a viver em Portugal ter votado maioritariamente Bolsonaro na primeira volta?

É estranho, não é? Porque vivem num país que nós apresentamos como um país modelo. Tenho muitas relações com quadros políticos aí - do Partido Socialista, do Bloco de Esquerda, da Academia e também figuras do centro político português - e estudo e participo muito de discussões que orientam as grandes políticas de Portugal e Espanha. E isto pela amizade e relacionamento que mantenho com diversas fontes de opinião. Para minha alegria e formação, visito regularmente Portugal e Espanha.

Nós estamos apresentado aqui no Brasil, inclusive, o modelo político português. Em primeiro lugar, como um modelo político exemplar defendendo a sua aplicação aqui. O modelo de presidencialismo parlamentar de Portugal é extraordinariamente positivo e estamos até dando conta aqui da forma como as forças políticas se articularam para conferir estabilidade a qualquer governo seja de centro direita ou centro esquerda como na actualidade, sempre descreveram esses modelos como exemplares e a adoptar aqui. Até a designação "geringonça" ficou famosa aqui no Brasil. Então, é estranho que a nossa direita esteja em Portugal a dizer "isto aqui é que é bom, isso aqui é que está correcto" e nós respondendo "é isso que estamos perdendo aqui no Brasil".

A extrema polarização não permitiu que essas pessoas da comunidade brasileira compreendessem as vantagens desse modelo português.

Comentários
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  • Helói Cunhado
    26 out, 2018 Lisboa 17:03
    Ninguém de boa fé pode comparar um período de ditadura com outra dos governos marxistas do PT? As diferenças não são assim tantas! O próximo passo de outro governo marxista do PT, seria transformar o Brasil noutra Venezuela! Então as mortes, seriam também causadas pela fome!!!!
  • Joao Portugal
    25 out, 2018 Lisboa 18:53
    Só malta que não trabalha, vive do subsideo, ongs é que passam a vida a criticar. Por isso Bolsonoro não pode ser assim tão mau.
  • Camilo Loureiro
    25 out, 2018 Lisboa 18:50
    "Tarso Genro é das poucas figuras de primeiro plano a quem não são imputadas acusações ou atribuídas suspeitas de ilegalidades." Uiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii....so far, por agora, por agora !!!! Vamos esperar!
  • sofia
    25 out, 2018 Corroios 14:48
    A Renascença, assim como outros orgãos de comunicação, continua a fazer campanha pelo Haddad. O tempo de antena que dão aos apoiantes do Haddad é muito superior ao que dão ao seu adversário. Do que será que têm medo?
  • Atento
    25 out, 2018 Leça da Palmeira, Matosinhos 11:51
    ... a "esquerdalha" ... no seu melhor ... a cobertura que dão a estes "democratas" ...
  • Gilberto Viana
    25 out, 2018 Vizela 11:49
    Até o presidente Marcelo, mostrando enorme irresponsabilidade, já teceu comentários muito negativos sobre o Bolsonaro, agora isto. Será que esta gente percebe sequer que mais do que isto ser uma eleição entre o mau e o pior, Portugal vai ter que se entender com o vencedor, seja ele quem for? Pior, provavelmente o vencedor será o Bolsonaro e o PS, que sempre esteve na cama com o Lula, Sócrates era amigo do peito, vai ter que governar com ele, tendo os interesses de Portugal e dos portugueses como principal foco!
  • Marcelo
    24 out, 2018 Lisboa 20:00
    Perguntas: se Bolsonaro ganhar, o que vai fazer o estado português? Engole tudo o que disse, fingindo que não disse ou corta relações com o Brasil? Quem sabe até se declara guerra ao Brasil??? Ou reocupa ???? O mais grave é que o próprio Marcelo tb se posicionou contra Bolsonário no dia seguinte à primeira volta das eleições brasileiras. Não dá para acreditar. Esta gente é mesmo infantiloide! Não sabem o que é a realpolitik? Não sabem que haverá um dia seguinte no qual teremos todos de conviver pelo que é estúpido plantar sementes de discórdia? A situação no Brasil é dramática? Quem é que a colocou assim?
  • M L Gingeira
    24 out, 2018 Brasil 19:58
    Tudo vai mudar com Assis no Brasil a apoiar Haddad ! Pelo que vejo, oiço e converso com as pessoas aqui no Brasil nestes dias de campanha, eles sentem que “pior é impossível”. Aliás sinto-me uma privilegiada em estar a assistir a toda esta campanha eleitoral. Uma lição de democracia e de jornalismo livre. Portugal tem-se numa conta nesse campo que não corresponde ao que julga ser. Somos 10 milhões. Vivemos manipulados. Quer ao nível das sondagens, quer das campanhas retrógradas que fazemos, que na forma como não somos esclarecidos. Num país aberto como o Brasil é que vemos o quanto vivemos no “faz de conta” aí em Portugal. Francisco Assis vem fazer “figura de urso” ao interferir num processo livre e democrático. Já se esqueceu que o seu partido, o PS, não respeitou o resultado das últimas eleições cuja campanha foi orientada para a escolha de um primeiro-ministro. Portugal despreza o Brasil, não o escolhe para parceiro de coisa nenhuma e depois políticos e jornalistas têm o desplante de desrespeitar e interferir numa escolha que só compete aos brasileiros fazer. Aliás, é pelo desrespeito, que têm essa ousadia.

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