Alcochete "pourquoi"? Os números para decidir o eventual novo aeroporto de Lisboa

07 dez, 2023 - 11:26 • João Pedro Quesado

A Comissão Técnica Independente publicou quase 3.400 páginas de estudos sobre a localização do já antigo novo aeroporto. A combinação de fatores financeiros, operacionais e ambientais acaba por apontar para a hipótese aprovada há 15 anos. Entenda porquê.

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Mais de 50 anos depois de o assunto surgir pela primeira vez, há um novo estudo sobre um novo aeroporto em Lisboa. As localizações de Alcochete e Vendas Novas foram as apontadas pela Comissão Técnica Independente (CTI) como as melhores, com Alcochete a liderar o caminho pela segunda vez. A primeira, lembre-se, foi pouco depois de Mário Lino ter decretado, em 2007, que Alcochete "jamais".

Mas... o que dizem os 45 documentos (e 3.396 páginas) do Relatório Preliminar de Avaliação de Opções Estratégicas para o Aumento da Capacidade Aeroportuária da Região de Lisboa, incluindo anexos, caso a construção de um novo aeroporto começasse já em 2024?

As estimativas de procura são o primeiro fator económico a ser tido em consideração. A CTI baseou-se nas taxas de crescimento do tráfego aéreo entre 2019 e 2050, indicadas por entidades como a Organização Internacional de Aviação Civil, para calcular a procura das várias opções - como um aeroporto na localização atual, sem constrangimentos.

Mas voltemos à realidade, onde os aeroportos têm, efetivamente, constrangimentos. O horizonte de estudo da Comissão Técnica Independente leva as previsões para as oito opções estudadas até 2086.

O número usado como base é de 31,2 milhões de passageiros – uma estimativa para 2023 que é semelhante ao volume de passageiros no Aeroporto Humberto Delgado em 2019.

Apenas duas das opções estudadas não ultrapassam, na projeção central, os 100 milhões de passageiros por ano - as baseadas no Montijo, o cenário preferido da ANA Aeroportos e lançado inicialmente pelo Governo de Pedro Passos Coelho.

Com a exceção da opção de um aeroporto unipolar no Montijo, todos os eventuais novos aeroportos têm um ano de operação simultânea com o atual aeroporto da Portela antes de passarem a ser o único aeroporto de Lisboa.

De forma semelhante, os cenários tidos em conta preveem três pistas em todas as opções, exceto Montijo. Alcochete teria duas pistas em operação em 2031, e abriria a terceira dez anos depois; mas, se ficasse a funcionar a par da Portela, a primeira pista abriria em 2029, a segunda em 2040 e a terceira só em 2055.

Independentemente do ano previsto, o gatilho que espoleta a construção da terceira pista - quer seja em Alcochete, Vendas Novas ou Santarém - é sempre o mesmo: o volume de passageiros atingir os 85% da capacidade máxima com duas pistas de aterragem e descolagem.

Opções duais lideram no retorno financeiro

A construção de um aeroporto tem, ainda, impacto económico em fases diferentes - construção e operação.

A CTI calculou o valor que o investimento em infraestruturas não aeroportuárias - decorrentes das necessidades de cada uma das localizações -, e a construção do aeroporto propriamente dito acrescentam à economia. Os cálculos não incluem a necessidade de uma terceira travessia do Tejo, já que esta é necessária para servir a linha ferroviária de alta velocidade e surge na versão do Plano Ferroviário Nacional que foi colocado em consulta pública no final de 2022.

Para perceber o retorno que o projeto vai ter é necessário recorrer a outra medida: o valor atual líquido. A finalidade do cálculo é perceber se o projeto em causa tem viabilidade financeira. E todas as oito opções estudadas mostram essa viabilidade.

Com o valor das receitas esperadas a um prazo de 50 anos - taxas aeroportuárias, alugueres e outras receitas, como as comerciais -, e descontando o investimento inicial e os juros, a tendência é clara: são as chamadas opções duais, com dois aeroportos em funcionamento, que têm o maior retorno, com Portela + Montijo e Portela + Alcochete à cabeça.

Portela + Montijo ultrapassa os 8.400 milhões de euros de retorno estimado. Já a opção que junta o atual Aeroporto Humberto Delgado com o novo aeroporto em Alcochete fica apenas acima dos 6.500 milhões de euros. E todas as outras ficam abaixo desse valor.

A CTI também estudou o possível retorno financeiro de duas alternativas que não foram consideradas opções estratégicas: a manutenção do atual Aeroporto Humberto Delgado, sem expansão, e um cenário em que Montijo serve de aeroporto complementar à Portela antes de se avançar para uma nova construção em Alcochete.

Soa-lhe familiar? Essa foi a solução defendida por Pedro Nuno Santos no final de junho de 2022, quando ainda era ministro das Infraestruturas e da Habitação, e publicada em despacho no Diário da República antes de ser revogada no dia seguinte, num desentendimento público com António Costa. Mas essa opção não é das mais rentáveis em nenhum cenário de procura.

Alcochete e Vendas Novas produzem menos ruído

Como o trabalho da Comissão Técnica Independente não se ficou pelos critérios económicos, nenhuma das opções com dois aeroportos em funcionamento é tida como o melhor cenário.

Na avaliação da CTI, as opções duais "duplicam os problemas sobre duas zonas" e apenas devem ser consideradas "soluções de transição". Todas essas opções integram o aeroporto na Portela, "onde a afetação da população é já muito expressiva".

Um problema dessas opções com o funcionamento de dois aeroportos a longo prazo é o do ruído. Em todos os casos, mais de dois milhões de pessoas são expostas a ruído noturno; no caso da opção Portela + Montijo, mais de dois milhões de habitantes da região de Lisboa são expostos a ruído durante o dia inteiro.

Vendas Novas e o Campo de Tiro de Alcochete - que não é totalmente ocupado pelo aeroporto, mas tem que ser completamente desativado - são "claramente" preferíveis a Santarém no capítulo do ruído, e também saem favorecidas na afetação de áreas naturais classificadas. Apesar disso, as duas são penalizadas "ao nível da floresta do montado e com diferentes condicionalismos ao nível dos recursos hídricos".

Do outro lado da moeda estão Santarém e Montijo. A capital de distrito "sai penalizada pela maior afetação de população" quando comparada com outras localizações únicas, assim como pela ocupação de solo agrícola. Já as opções que usam a base aérea no Montijo são "fortemente penalizadas" em sete dos 12 critérios ambientais.

Santarém e Montijo excluídos. Porquê?

Ambas as opções são excluídas pela Comissão Técnica Independente. No caso das opções baseadas no Montijo, para além das razões ambientais, são apontadas razões económicas - o limite da capacidade, devido ao espaço disponível para construir. E há também razões aeronáuticas: os procedimentos de aproximação e descolagem ficam limitados por razões ambientais.

Quanto a Santarém, a exclusão deve-se apenas a razões aeronáuticas. A Comissão aponta para a necessidade de reestruturação do espaço aéreo e, talvez mais importante, para os "pressupostos" de cedências parciais nas áreas militares de Monte Real e de Santa Margarida.

A proximidade a Monte Real é ainda apontada como fonte de "grandes constrangimentos" para a "prestação dos Serviços de Navegação Aérea". Os promotores do projeto, chamado Magellan 500, refutam estas razões.

É assim que os técnicos da Comissão acabam a apontar para Alcochete como a solução com mais vantagem, coexistindo com o aeroporto na Portela até haver duas pistas na margem sul do Tejo. A mesma lógica também torna viável a opção de Vendas Novas, que está em desvantagem pela necessidade de compra dos terrenos necessários.

A apresentação do relatório dividiu a atual oposição: de forma geral, os partidos mais à esquerda proclamam que não se pode perder mais tempo, enquanto os partidos à direita preferem que a decisão política seja tomada após as eleições.

O líder do PSD, Luís Montenegro, anunciou a criação de um grupo de trabalho no partido. Do lado do PS, enquanto Pedro Nuno Santos mostra pressa em tomar uma decisão e encerrar o tema e António Costa disse ter inveja do Governo que tomar a decisão, a quem vai passar "um bom ovo da Páscoa"".

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