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Constitucional chumba solução do Parlamento para metadados

04 dez, 2023 - 16:06 • Ricardo Vieira

Os juízes declaram a inconstitucionalidade de uma norma, por considerarem que "foram ultrapassados os limites da proporcionalidade na restrição aos direitos fundamentais à autodeterminação informativa e à reserva da intimidade da vida privada".

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O Tribunal Constitucional (TC) anunciou esta segunda-feira o chumbo da solução da Assembleia da República para a lei dos metadados, que regula o acesso a comunicações para fins de investigação criminal.

O anúncio foi feito na sede do TC, em Lisboa, pelo seu presidente, José João Abrantes, o qual referiu que nove juízes se pronunciaram pela inconstitucionalidade da norma do decreto que prevê a conservação de dados de tráfego e localização até um período de seis meses.

Os juízes do TC declaram a inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º do decreto-lei, por considerarem que "foram ultrapassados os limites da proporcionalidade na restrição aos direitos fundamentais à autodeterminação informativa e à reserva da intimidade da vida privada".

O Tribunal Constitucional defende que a conservação dos metadados das comunicações, independentemente do prazo, teria de ser limitada e não generalizada, advertindo que a solução encontrada pelo Parlamento continua a incluir cidadãos sem suspeição de atividade criminosa.

O diploma do Parlamento regula o acesso a metadados referentes a comunicações eletrónicas para fins de investigação criminal.

Conservação “continua a ser geral e indiferenciada, e não seletiva"

No acórdão que fundamenta a decisão, o TC sublinha que os legisladores se “limitaram a restringir, para estas categorias de dados, o prazo de conservação” que estava previsto na lei dos metadados, e que já tinha sido declarada inconstitucional pelo TC em abril de 2022.

Segundo os juízes do TC, tendo em conta que o acórdão de abril de 2022 já tinha indicado que a lei dos metadados ultrapassava “os limites da proporcionalidade no que respeita ao âmbito subjetivo” e que o novo decreto não altera esse âmbito, não havia “como não manter o juízo de inconstitucionalidade então emitido”.

A conservação “continua a ser geral e indiferenciada, e não seletiva, por não se dirigir, de forma direta, objetiva e não discriminatória, a pessoas que tenham uma relação com os objetivos da ação penal, antes atingindo (ou melhor dizendo, continuando a atingir) sujeitos relativamente aos quais não há qualquer suspeita de atividade criminosa”, indica-se.

"O que vale por dizer, como possíveis suspeitos da prática de crimes", assinalam os juízes.

O TC defende assim que, no decreto do parlamento, “os testes do princípio da proporcionalidade - seja o da necessidade, seja o da proporcionalidade em sentido estrito - não foram superados pelo legislador”.

“Para que tal tivesse acontecido, não se revela suficiente a limitação temporal levada a cabo, impondo-se inelutavelmente que tivesse sido realizada uma limitação do âmbito subjetivo das normas”, sublinha-se.

Os juízes dizem estar cientes de que o direito português já contempla a existência de uma base de dados, designadamente a base das operadoras de telecomunicações utilizada para fins de faturação, que também prevê a conservação de dados de tráfego por um período de seis meses.

No entanto, os juízes ressalvam que, para além da sua finalidade ser “completamente distinta”, essa conservação de dados para efeitos de faturação está “sujeita ao consentimento do titular dos dados”.

Numa alusão à proposta inicial de lei do Governo sobre metadados - que previa precisamente o acesso às bases de dados das operadoras para fins de investigação criminal -, os juízes referem que os titulares dão o consentimento à conservação dos seus dados apenas “na medida do necessário e pelo tempo necessário à comercialização de serviços de comunicações eletrónicas”.

“O que implica, em suma, que esta disciplina não seja mobilizável para efeitos comparativos com o regime em apreço”, salienta o TC, apesar de referir que não se está a pronunciar “quanto à viabilidade constitucional de acesso pelas autoridades de investigação criminal a dados conservados pelas operadoras em cumprimento de outras normas legais”.

Marcelo já tinha dúvidas "recolha indiscriminada"

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tinha enviado, no início de novembro, o decreto da Assembleia da República sobre metadados para fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional.

Marcelo Rebelo de Sousa argumentou que o novo diploma do Parlamento ainda permite a "recolha indiscriminada" de metadados para fins de investigação criminal.

O decreto foi aprovado na Assembleia da República em votação final global em 13 de outubro, com votos a favor de PS, PSD e Chega e votos contra de IL, PCP, BE e Livre.

O diploma previa que os metadados tenham uma conservação generalizada até seis meses, mudança que visava ultrapassar a declaração de inconstitucionalidade da anterior lei.

Em abril de 2022, o TC declarou inconstitucionais normas da chamada lei dos metadados, que regulava o acesso e período de conservação destes dados para fins de investigação criminal.

O TC declarava inconstitucional a norma da lei que previa que os metadados fossem conservados durante um ano, de forma generalizada. Considerava ainda contrária à Constituição o facto de a lei não prever uma notificação dos visados e de os metadados poderem ser conservados fora de território europeu.

O Ministério Público e a Polícia Judiciária têm vindo a alertar que várias investigações podem ficar comprometidas sem acesso a metadados.

[notícia atualizada às 20h02]

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