Mais opiniões
De acordo com contas da Renascença, desde 2016, ano em que deixou Belém, dos treze artigos de opinião que Cavaco Silva assinou – no “Público”, “Expresso” e “Observador” -, quatro foram direcionados ou sobre o Governo de António Costa (um escrito em 2021, três em 2022).
Ou seja, a atenção dada ao Governo por Cavaco Silva tem vindo a aumentar.
Ainda na semana passada, num artigo divulgado pela delegação do PSD no Parlamento Europeu, a propósito do Dia da Europa, exortou o Governo a aproveitar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para assegurar o crescimento do país em vez de atirar dinheiro "para cima dos problemas, sem os resolver".
No Observador, entre quatro artigos de opinião desde 2014, um faz o rescaldo dos resultados das legislativas de 2019 (que Rui Rio perdeu) e outro é um mordaz desafio direcionado a António Costa (publicado a 1 de junho de 2022): “Retirado da vida política ativa mas preservando os meus direitos cívicos, estou certo de que, encerrada a fase da “geringonça”, o seu governo de maioria absoluta fará mais e melhor do que as maiorias de Cavaco Silva.”
No Expresso, de três artigos de opinião, um (publicado a 8 de outubro de 2021) afirma que Costa “não foi capaz” de aproveitar as condições herdadas de Passos.
No Público, de seis artigos de opinião, dois são direcionados a Costa e foram publicados já desde as últimas eleições legislativas. No primeiro, de abril de 2022, aponta que no programa do Governo apresentado à Assembleia da República não se detetam sinais de “um ímpeto reformista”. No segundo, de setembro do mesmo ano, descreve já o Governo como um “conjunto desarticulado e desorientado de ministros desgastados, sem rumo, sem ambição e vontade reformista, um governo à deriva navegando à vista”.
Cronologia de uma ausência política
Geringonça, 2015/19
Durante o período da geringonça, Cavaco Silva esteve praticamente ausente da praça pública. E isto tem uma explicação simples: a primeira legislatura de Costa coincidiu com a escrita das suas memórias do período da presidência.
Em “Quinta-Feira e Outros Dias” (dois volumes), recorde-se, Cavaco não deixou de fazer política nem fugiu a deixar críticas. Aí, relatou a criação da geringonça, a abertura do PCP e do Bloco de Esquerda, e consubstanciou a exigência do acordo por escrito. Descreveu também António Costa como um homem simpático e bem-disposto, de sorriso fácil", "um hábil profissional da política, um artista da arte de nunca dizer não aos pedidos que lhe eram apresentados".
De viva-voz, o antigo Presidente da República, em agosto de 2017, na Universidade de Verão do PSD, atirou à geringonça: a realidade "impõe-se aos governos que querem realizar a revolução socialista", defendeu.
Em setembro de 2018, comentou apenas que via “com estranheza” a saída de Joana Marques Vidal da Procuradoria-Geral da República.
“Sou levado a pensar que esta decisão política de não recondução de Joana Marques Vidal é a mais estranha tomada pelo Governo, que geralmente é conhecido como gerigonça”, disse, em declarações à margem do Digital Business Congress, evento promovido pela Associação para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC).
Governo minoritário, 2019/22
Em dezembro de 2020, numa iniciativa na internet promovida pelo núcleo da Juventude Social-Democrata (JSD) da Maia, Cavaco Silva atacou a esquerda parlamentar, acusando “os outros governos não sociais-democratas” de raramente terem sido “governos com uma perspetiva reformista”. “Não sou capaz de apontar uma reforma significativa levada a cabo pelo governo da geringonça”, disse.
Em março de 2021, numa participação, por videoconferência, na Academia de Formação Política das Mulheres Sociais-Democratas, Cavaco Silva falou sobre a “deterioração da qualidade da democracia a que a geringonça conduziu o país”.
Dois meses depois, numa entrevista ao podcast Défice de Atenção, de estudantes do Católica Lisbon Economics Club, defendeu que o Governo de Costa regia-se “pelos princípios da ilusão fiscal e da dispersão”. E, ainda no mesmo mês, numa declaração enviada por escrito à agência Lusa, tomou uma posição quanto à reforma das Forças Armadas: “um erro grave”, defendeu então.
Maioria absoluta, 2022
Em junho do ano passado, em entrevista à CNN Portugal, afirmou que as políticas seguidas pelo Governo, “e em particular no tempo da geringonça, criarão sérias dificuldades à criação dos sonhos de bem-estar das novas gerações portuguesas”. No mesmo mês, num evento em Fafe, em declarações aos jornalistas, atirou mesmo à retórica de “contas certas” do Governo.
Em novembro, em declarações à Renascença, a propósito da aprovação do diploma da Eutanásia no Parlamento, Cavaco Silva disse que “o modo displicente como alguns dos nossos políticos tratam a retirada da vida a um ser humano é condenável e assustador”.
Já em fevereiro deste ano, num evento da Misericórdia da Figueira da Foz, confessou que apenas não fala mais frequentemente por não querer “atirar achas para a fogueira”.
Em março, após a apresentação do pacote Mais Habitação, defendeu que a crise habitacional que se vive no país "é o resultado do falhanço da política do Governo no domínio da habitação nos últimos sete anos”. Declarações que mereceram pronto remoque de Costa. Chamou-lhe "sábio dos sábios", lembrando que foi Cavaco quem promulgou a lei do arrendamento coercivo num dos mandatos de Passos Coelho.