Turismo. O motor da economia que temos, mas será o que queremos?

Se é verdade que o turismo representa uma fatia significativa do PIB – 12,2% em 2022 -, a média dos salários do setor é a mais baixa a nível nacional. A Renascença conversou com três economistas sobre algumas afinações que é preciso fazer ao dito motor da economia. Vera Gouveia Barros diz que é necessário “envolver mais os trabalhadores, compensá-los melhor”. Alexandre Abreu nota que a economia portuguesa “está num processo de desindustrialização prematura”. Susana Peralta defende que uma economia “tem que ser o mais diversificada possível”.

17 jul, 2023 - 06:34 • Fábio Monteiro , Beatriz Pereira (vídeo) e Rodrigo Machado (Ilustrações)



 

Durante a crise da Troika, um período complicado da história económica de Portugal, o turismo deu um contributo decisivo. De tal forma que o setor ganhou o título de “motor da economia”. Com os níveis de desemprego em máximos históricos – 17,1%, em 2013 -, foram muitos os portugueses que encontraram no setor uma boia de salvação.

Em vários sentidos, os astros alinharam-se: deu-se a Primavera Árabe, o que alterou os fluxos tradicionais de turistas; a emergência das companhias low-cost acrescentou novos destinos acessíveis no mapa; o surgimento do Airbnb fez proliferar o Alojamento Local (AL).

Num esforço concertado do Governo de Pedro Passos Coelho e do Turismo de Portugal, a mensagem de um paraíso à beira-mar plantado, seguro e barato, espalhou-se. De repente, Portugal ficou na moda. E desde então continuou.

Cerca de 22,3 milhões de turistas (não-residentes) pisaram solo nacional no ano passado, número que contrasta com os 14 milhões de 2012. Em cerca de uma década, a contribuição do setor do turismo para o PIB nacional passou de pouco significativa – 3,4% em 2013 – para um elemento central: uma fatia de 12,2% do PIB em 2022.

Na exportação de serviços, nas contas do Banco de Portugal relativas a 2022, aparece à cabeça as “viagens e turismo”, com um saldo de mais de 21 mil milhões – quase 50% do total. Em 2012, por comparação, o saldo foi de 8.600 milhões de euros. Em relação a 2021, o setor do turismo teve uma variação homóloga positiva de 110%.

O motor da economia está, portanto, a carburar a todo o vapor, notam três economistas ouvidos pela Renascença. Mas será este o motor certo para alavancar Portugal? A longo prazo, não terá custos?


Imigrantes no turismo: triturados pelo motor que alimentam

Salários e precários

Na opinião de Vera Gouveia Barros, economista e autora do livro “Turismo em Portugal (ed. FFMS), o turismo tem alguns desafios próprios: “horários de trabalho exigentes”, “sazonalidade” e “instabilidade de vínculos laborais”. O maior, em todo o caso, está nos salários. “O setor não está bem”, frisa. Que é como quem diz: paga mal.

De todos os setores da economia portuguesa, o turismo é “aquele que aparece menos remunerado. Até que a agricultura.”

Um estudo da empresa de trabalho temporário Eurofirms, publicado no ano passado, dizia que 58% dos trabalhadores pretendem abandonar a área dentro de cinco anos; e 54% dos inquiridos ganhavam menos de 800 euros brutos mensais.

Mais: segundo a “Agenda Profissões do Turismo: 2023-2026”, apresentada pelo Governo em já abril deste ano, a remuneração média nos setores do alojamento, restauração e similares é 34% inferior à remuneração média do total da economia.

Em média, os trabalhadores do turismo ganham 938 euros brutos por mês e apenas 60% tem contrato permanente.

Em parte, estes números explicam o porquê de cada vez mais imigrantes ocuparem os lugares vagos, conforme relata a reportagem “Imigrantes no turismo: triturados pela máquina que alimentam”, da Renascença. E também o porquê de tantos viverem em condições precárias.

O motor da economia precisa, pois, de algumas afinações. Para o setor ser mais “sustentável”, “subir na escala de valor”, é necessário “envolver mais os trabalhadores, compensá-los melhor e com isso conseguir atrair mão-de-obra qualificada, que permita ir atrás de mercados [de turistas] mais sofisticados que têm outras exigências, mas que também têm outra disponibilidade a pagar”, defende Vera Gouveia Barros.

“Nós podemos fazer mais dinheiro com os mesmos turistas ou até com menos turistas”, nota.

Alexandre Abreu, professor de economia e estudos de desenvolvimento no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG), tem dúvidas quanto ao papel do turismo nas finanças portuguesa. “É muito ambíguo, paradoxal”, diz.

Se é verdade que “foi uma boia de salvação para muita gente” no período da crise das dívidas soberanas, é um tipo atividade que “permite poucos ganhos de produtividade e pelo contrário tende a alimentar e reforçar um certo de estagnação de especialização da economia portuguesa, em atividades de relativa baixa produtividade.”

A aposta do Governo neste setor, defende, não é “ideal”. Em vez de aproveitar o balanço ganho, a economia portuguesa “está num processo de desindustrialização prematura”, não está a aproveitar a oportunidade para “qualificar-se”.




O caminho certo? E as externalidades?

Portugal entrou no mapa mundial turístico já tarde, por comparação com outras nações. Quando os burgueses ingleses do século XVII começaram a aventurar-se no famoso Grand Tour – viagem histórica e precursora do turismo de massas -, Itália era o destino principal; a nossa nação, plantada na ponta da Península Ibérica, não fazia parte do roteiro.

A Madeira só começou a receber veraneantes nos finais do século XIX. Lisboa transformou-se num ponto de passagem, no século XX, algo à custa dos exilados e fugitivos da Segunda Guerra Mundial, e as praias do Algarve só nos anos 60 é que se transformaram num destino obrigatório.

O país de hoje é quase irreconhecível. E como os números do PIB demonstram, mas também outros subscrevem, o turismo tem uma preponderância central na economia – algo, aliás, que ficou patente no período da pandemia, quando a livre circulação de pessoas foi interditada.

Em 2020 e 2021, de acordo com um estudo promovido pelo Turismo de Portugal, houve “uma redução da procura 11 vezes superior à provocada pela crise financeira de 2008/9”.

Tendo em conta a “localização geográfica e património histórico” de Portugal, Susana Peralta, economista e professora universitária na Nova SBE, acha erróneo embarcar “numa visão de vivermos sem turismo”. “De maneira nenhuma. Tem é que existir um maior equilíbrio”, diz.

No entender da especialista, uma economia “tem que ser o mais diversificada possível”. O facto de termos uma economia “excessivamente assente no turismo tem o problema de, quando há um problema que afeta esse setor, sermos muito afetados, por termos um portefólio - vamos dizer - pouco diversificado”, nota.

A pandemia deixou claro a exposição a elementos externos do motor da economia à vista de todos os portugueses. Segundo o INE, em 2020, o abrandamento da atividade turística devido às restrições da pandemia foi responsável por três quartos da queda histórica de 7,6% do PIB.

“Por o turismo ser uma exportação de serviços, envolve deslocações de pessoas. E as deslocações de pessoas são as primeiras que param, quando há grandes riscos imprevistos na economia, como a pandemia, instabilidade política, ataques terroristas, guerras e grandes acidentes naturais”, nota Susana Peralta.

Além destas fragilidades, há “externalidades” a ter em conta, diz o economista Alexandre Abreu. “Neste momento, Portugal está com turismo a mais. Nomeadamente, face às práticas de regulação do setor, que permitem o tipo de efeitos nocivos que são conhecidos sobre o setor da habitação ou disponibilidade hídrica.”

Para o economista, “o alastramento praticamente desregrado do Alojamento Local é um dos fatores que contribui para o aumento fortíssimo dos preços da habitação que praticamente duplicou na última década.” Nos últimos dez anos, os preços das casas aumentaram quase 75%, de acordo com o INE.

Dados como os que aparecem em “O Mercado Imobiliário em Portugal”, um estudo promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, corroboram também – em parte, pelo menos – a tese de Alexandre Abreu.

“O rápido crescimento dos arrendamentos de curta duração coincidiu com o do preço dos imóveis. Entre 2016 e 2019, o preço médio de venda por metro quadrado, em Lisboa e Porto, aumentou 68,2% e 61,9%, respetivamente”, indica o estudo.

O ceticismo de Alexandre Abreu quanto ao turismo, ainda assim, não é absoluto. Por exemplo, defende, o setor pode chegar a parcelas do terreno – o interior, em particular - que estão muito a precisar de revitalização económica. “O turismo associado à natureza, tem um potencial grande para contrariar estas dinâmicas de desequilíbrio demográfico e territorial”, afirma.


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