Verdelhos. Para não ver o fogo, Ana fechou-se em casa

Ana fechou-se dentro de casa para não ver as chamas. Tatiana abriu a porta das traseiras do café e percebeu que o fogo estava duas hortas ao lado. Érica lembra-se de ver toda a gente aos gritos e a chorar. Otília defende os bombeiros no terreno enquanto aponta o dedo a quem manda. Verdelhos foi uma das primeiras localidades a serem atingidas pelos incêndios que varreram a Serra da Estrela, as marcas estão à vista de todos.

06 set, 2022 - 07:00 • Fábio Monteiro , Maria Costa Lopes (vídeo)



Verdelhos. Para não ver o fogo, Ana fechou-se em casa

Este é o quarto de nove capítulos do especial "Serra da Estrela, 29 mil hectares depois" sobre os incêndios que consumiram perto de 25% do Parque Natural da Serra da Estrela.


Quando as chamas chegaram a Verdelhos, freguesia da Covilhã, cerca de 24 horas depois de o incêndio da Serra da Estrela ter deflagrado, Ana Correia não conseguiu assimilar logo o risco que se aproximava. Pelo contrário: entrou em negação. “Cada vez que via as chamas ficava aflita.”

A primeira reação da idosa de 77 anos, que sofre de asma, foi fechar todas as portas e janelas de casa, não fugir. O fogo, devido ao vento, movimentava-se de forma “bizarra”: “Saltava de um lado para o outro, de outro para outro.”

A moradia de Ana dista menos de 100 metros da praia fluvial de Verdelhos, que teve de ser evacuada devido à proximidade das chamas; a reformada tinha vista desimpedida e privilegiada para a frente do fogo. É aí que a encontramos; usa um chapéu panamá na cabeça e veste uma bata. “Nunca vi tanta, tanta gente aqui. Estava tudo em pânico”, conta à Renascença.

Com a confusão instalada, a idosa “calhou sair” de casa. Agentes da polícia disseram-lhe para “fugir enquanto é tempo”. Pouco depois, um cunhado apareceu e levou-a para um ponto mais elevado de Verdelhos para “ver no que isto parava”. “Vimos que estava cada vez pior. E fomos dormir para a Covilhã na casa da minha irmã”, recorda.

Ana regressou a Verdelhos no dia seguinte. Sem ser alguns palheiros e arrumos, nenhuma habitação ardera. Havia, contudo, um perímetro visível de queimado em torno da praia fluvial. Um perímetro que ainda se mantém. Além disso, as colinas que rodeavam a aldeia tinham ficado tingidas de negro.

“Faz impressão. Antes de noite ficava ainda claro, mas agora a noite fica escura, mais escura do que dantes. É muito diferente. É duro ver isto assim”, lamenta a idosa.


Tatiana Correia começou a explorar o café DAN no início de agosto. Foto: Maria Costa Lopes/RR
Tatiana Correia começou a explorar o café DAN no início de agosto. Foto: Maria Costa Lopes/RR

Fogo a duas hortas de distância

Tatiana Correia começou a explorar o café DAN no início de agosto. Emigrada na Suíça há 17 anos, decidira regressar a casa, tentar a sua sorte. “E voilà”, diz, de forma irónica, à porta do estabelecimento. Um incêndio não é o melhor cartão de visita. Ou o melhor augúrio para quem está a começar um negócio e depende do turismo.

O café tem porta para a rua da Ponte, bem perto da caixa multibanco da povoação e do ponto CTT de Verdelhos. Já nas traseiras, onde fica a sala de jantar, há um acesso para quintais. No dia 7 de agosto, Tatiana ainda estava a servir almoços quando um vizinho a veio avisar que as chamas estavam próximas. “Estavam ainda duas mesas por servir. Abrimos a porta de trás e realmente estava mesmo aqui ao pé.”

Érica, 18 anos, filha de Tatiana, lembra-se de ver “pessoas a correr, a chorar e a gritar por tudo o que é lado”.

O fogo estava a duas hortas de distância do café DAN. À Renascença, Otília Correia, proprietária do espaço e senhoria de Tatiana, descreve o momento como “uma coisa horrível”.

“O lume veio do outro lado do rio para cima. Os bombeiros não o conseguiram atalhar”, conta.

Em Verdelhos, o ataque ao incêndio foi feito por bombeiros de Sintra, Abrantes e Loures; dezenas de corporações de todo o país acorreram ao incêndio na Serra da Estrela. Não foi, então, por falta de meios que as chamas ameaçaram a localidade, defende Otília. O problema terá estado, sim, na forma como os operacionais foram geridos.

“Culpo os senhores que andam a mandar. Não são os que estão em Lisboa que conhecem o terreno. Os bombeiros da Covilhã e de Manteigas conhecem bem o nosso terreno. Não culpo os bombeiros. Eles só podem atuar quando lhes mandam”, atira.

Otília tem muitos animais – cerca de 50 galinhas, dez porcos e outros tantos coelhos -, mas não perdeu nenhum para o fogo. “Apenas pastos.” Olha para a serra e diz: “Agora é esperar. Os anos é que vão ditar como é que isto fica. Se nasce alguma coisa ou não.”


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