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Eleições Europeias

Parlamento Europeu com mais de 25% de eurocéticos? Vão deixar de ser “apenas força de bloqueio”

07 jun, 2024 - 07:00 • João Pedro Quesado

166 eurodeputados já são eurocéticos, mas as sondagens dizem que extrema-direita pode somar ainda mais elementos a este clube. A politóloga Marina Costa Lobo aponta para uma mudança de papel destes políticos, que, até agora, “não se envolveram muito no trabalho técnico”, mas podem vir a determinar as políticas da União Europeia.

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O Parlamento Europeu já tem mais de 23% de eurodeputados eurocéticos, mas as projeções dos resultados das eleições europeias de 2024 preveem que este clube aumente de dimensão graças a mais um crescimento da extrema-direita. Para a cientista política Marina Costa Lobo, isto significa que uma mudança de papel destes políticos, deixando “de servir apenas como força de bloqueio”.

No hemiciclo cujo mandato está a acabar, 166 dos 705 eurodeputados são considerados eurocéticos, com a maioria destes a pertencer ao clube da extrema-direita. Esta classificação é a da base de dados “PopuList”, criada por cientistas políticos para catalogar os partidos em diferentes categorias: populista, extrema-esquerda, extrema-direita e eurocético.

No caso português, nenhum partido atualmente no Parlamento Europeu é classificado como eurocético. O Bloco de Esquerda e o PCP foram classificados como tal até 2014, mas o Chega, que deve eleger eurodeputados pela primeira vez, é considerado eurocético, assim como populista e de extrema-direita.

A definição usada nesta base de dados diz que os partidos são eurocéticos quando expressam ideias de oposição, incondicional ou limitada de alguma forma, ao processo de integração europeia. Entre estes partidos há euroceticismo duro, que rejeita totalmente o projeto europeu, e euroceticismo suave, que se opõe a algumas partes da integração na União Europeia.

133 dos 166 eurocéticos vêm do setor da extrema-direita, com pouca diferença numérica entre o grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), onde há 53 deputados eurocéticos, e o Identidade e Democracia (ID), onde há 49 eurodeputados com essa classificação.

Segundo as projeções feitas por várias organizações, como a “Euronews” e o “Politico”, será esse setor a ter o maior crescimento nas eleições desta semana para o Parlamento Europeu. O que deverá fazer o número de eurocéticos nos hemiciclos de Estrasburgo e Bruxelas ultrapassar os 25%.

Eurocéticos e extrema-direita podem passar a "fonte de políticas"

Marina Costa Lobo recorda que a “tendência do aumento das forças de extrema-direita" não é “uma novidade absoluta”, mas sublinha que, “com a dimensão que estão a atingir atualmente, em vez de servir apenas como força de bloqueio, eles vão ter de servir como fonte de políticas”.

Essa novidade pode provocar alterações em temas como a integração europeia, as políticas migratórias, as políticas verdes e a transição ambiental. Contudo, a cientista política alerta que essa mudança depende do Partido Popular Europeu (PPE), que terá que decidir “se o cordão sanitário se mantém ou, pelo contrário, se ele se desfaz e avançam para coligações fortes e duradouras com a extrema-direita". Isto é, o “dilema que se coloca a nível nacional vai-se colocar também agora a nível europeu”.

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“O Parlamento Europeu tradicionalmente funcionava através de uma supermaioria do centro-direita e centro-esquerda, que juntos aprovavam a maioria da legislação”, destaca Marina Costa Lobo. Mas uma aparente “tentação do grupo parlamentar do PPE” de tornar desnecessária essa tradicional supermaioria, onde o grupo dos liberais também está incluído, pode colocar a tradição política europeia em causa.

“Isso pode acontecer já na eleição de von der Leyen, o que seria uma novidade importante. Significaria que pelo menos uma parte da extrema-direita estaria a apoiar a recondução da Presidente da Comissão Europeia, e isso teria consequências para o Parlamento Europeu”, realça a diretora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Mais envolvidos no trabalho do Parlamento?

A cientista política aponta que essa decisão pode mudar o papel que os eurodeputados eurocéticos (incluindo os de extrema-direita) desempenham no Parlamento Europeu, já que “até agora não se envolveram muito no trabalho técnico, no trabalho incremental, no trabalho de equipa nas comissões”.

O funcionamento do Parlamento Europeu é parecido ao dos parlamentos nacionais: a maioria do trabalho acontece nas comissões, divididas por temas políticos, onde são trabalhadas as propostas legislativas enviadas pela Comissão Europeia – e os eurodeputados responsáveis pelas alterações, os relatores, negoceiam um texto comum com o Conselho da União Europeia, através das negociações em trílogo. As votações em plenário, por sua vez, são a parte mais visível de tudo o que acontece.

Marina Costa Lobo realça que a postura dos grupos eurocéticos e de extrema-direita é “de uma certa distância, alheamento e desinteresse em relação ao trabalho do Parlamento”. O que estes políticos fazem é usar o Parlamento Europeu “como rampa de lançamento para a consolidação a nível nacional, seja em termos de recursos, seja em termos de relações internacionais”.

Apesar disto, a politóloga acrescenta que “a aumento da extrema-direita não significa que eles agora ajam como um bloco”, já que “a extrema-direita no Parlamento Europeu não está unida”, mas dividida entre ECR e ID, além de partidos não-inscritos (por opção ou por suspensão, como a AfD).

Esses grupos têm “algumas diferenças”, diz, afirmando que “o ECR tem uma postura pró-Ucrânia, enquanto o ID tem uma postura mais "pró-russa”.

A investigadora acredita que, se as sondagens estiverem corretas, “este será o primeiro Parlamento Europeu em que eles vão fazer realmente a diferença”. No entanto, repete, isso depende “da postura que o PPE tiver em relação aos partidos e aos outros grupos parlamentares de direita”.

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