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Eleições Parlamento Europeu

O que são as eleições europeias? O que fazem os eurodeputados? Quanto ganham? Um euro-explicador para descodificar a UE

28 mai, 2024 - 20:05 • João Pedro Quesado

Para que vamos votar a 9 de junho? Quem faz as leis europeias? Os países e a União Europeia podem decidir coisas diferentes sobre o mesmo assunto? Que leis têm sido aprovadas? O que é importante no futuro? A campanha para as eleições europeias já está na estrada e as perguntas andam no ar. Perceba tudo isso e muito mais neste explicador.

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A campanha para as eleições europeias de 9 de junho entrou em velocidade de cruzeiro e o momento de eleger os novos deputados para o Parlamento Europeu aproxima-se. Ao mesmo tempo, adensam-se as perguntas: porquê todo este alarido sobre algo que parece estar longe, no centro da nossa Europa?

Antes que tudo fique demasiado confuso, a Renascença explica o que precisa de saber sobre as eleições europeias e a União Europeia, a “opção fundamental por um futuro de progresso e de modernidade” – como descreveu Mário Soares no discurso no Mosteiro dos Jerónimos, na assinatura do tratado de adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia (CEE).

O que são as eleições europeias? Fizemos desenhos para descomplicar
O que são as eleições europeias? Fizemos desenhos para descomplicar

O que são as eleições europeias?

Realizadas de cinco em cinco anos, estas eleições servem para eleger os deputados ao Parlamento Europeu. Portugal vota a 9 de junho, possibilitando o voto em qualquer local do país nesse dia, e existe de novo a possibilidade de votar antecipadamente em mobilidade a 2 de junho - as inscrições estão abertas de 26 a 30 de maio.

Os eurodeputados portugueses são escolhidos de uma forma semelhante aos da nossa Assembleia da República, mas numa escala maior. Nas europeias, Portugal funciona como um círculo eleitoral, elegendo um número de eurodeputados correspondente à proporção da população face à totalidade dos cidadãos europeus.

Na verdade, as eleições europeias são 27 eleições diferentes na União Europeia, com algumas regras diferentes entre países.

Quantos deputados elege Portugal?

Portugal vai eleger 21 deputados ao Parlamento Europeu, tal como em 2019. No total, 372 milhões de eleitores europeus vão escolher 720 eurodeputados – mais 15 do que os atuais, mas menos 31 do que os 750 eurodeputados eleitos em 2019, quando o Reino Unido ainda fazia parte da UE.

Há limites: independentemente do tamanho, nenhum país pode exceder 96 eurodeputados, nem ter menos do que seis. E a representação cumpre o princípio de proporcionalidade degressiva – os eurodeputados dos maiores países representam mais cidadãos europeus do que os dos países mais pequenos.

O Parlamento Europeu organiza-se por países?

Não. Tal como a nossa Assembleia da República e outros parlamentos nacionais, os eurodeputados organizam-se por ideologia política. Isto é, votamos num partido que, regra geral, se senta num grupo da cor partidária. Mas não é incomum os eurodeputados votarem ao contrário do grupo em que estão, para proteger interesses do seu país.

Alguns partidos portugueses acabam por se juntar no mesmo grupo político no Parlamento Europeu. Era o caso do PSD e CDS, que nesta eleição estão coligados na Aliança Democrática (AD), e é o caso do Bloco de Esquerda e do PCP.

Estes grupos não são uma realidade estanque – pode haver alterações entre cada legislatura do Parlamento Europeu. As maiores alterações podem surgir no campo da extrema-direita, atualmente dividida entre os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) e o grupo Identidade e Democracia (ID).

Depois de decidir expulsar o partido alemão AfD, o ID – dominado pelo Rassemblement National de Marine Le Pen e o Lega Nord de Matteo Salvini – pode mudar de figura.

A francesa Marina Le Pen já fez um convite público à italiana Giorgia Meloni para unir os dois grupos numa única família política que, segundo as sondagens atuais, se tornaria o segundo maior grupo do Parlamento. Meloni, atual primeira-ministra italiana, é líder do partido Fratelli d’Italia, fundado a partir de uma divisão à direita dentro do partido de Silvio Berlusconi e sucessor de um partido neofascista.

Para formar um grupo político no Parlamento Europeu é preciso juntar 23 eurodeputados, que representem pelo menos 25% dos países da UE.

O que fazem os eurodeputados?

A parte mais visível do trabalho dos eurodeputados são os plenários, como acontece nos parlamentos de todo o mundo. O plenário reúne-se 12 vezes por ano em Estrasburgo e realiza seis sessões adicionais em Bruxelas, votando todas as alterações aos regulamentos, diretivas e decisões em causa.

Os eurodeputados trabalham ainda em 20 comissões e quatro subcomissões temáticas, onde debatem e alteram a legislação proposta pela Comissão Europeia. É aqui que é realizada a maior parte do trabalho – alguns eurodeputados assumem a função de relatores, que lideram as negociações sobre emendas às propostas legislativas, e são relatores-sombra (representando a oposição política ao relator principal).

Os deputados relatores participam ainda nos trílogos, as negociações interinstitucionais entre Parlamento, Conselho da União Europeia e Comissão Europeia para chegar a acordo sobre os textos legislativos e evitar que o processo se alongue indefinidamente.

Há ainda a participação em delegações de diplomacia internacionais, quer seja para a supervisão de eleições noutros países ou para vigiar a implementação de políticas e acordos com países de fora da UE. Um exemplo é o Grupo de Contacto com o Reino Unido, formado após o Brexit para assegurar a implementação da nova relação acordada entre aquele país e a União.

Por tudo isto, os eurodeputados recebem um salário de 10.075 euros brutos por mês (7.853,89 euros líquidos). Além disso, existem subsídios pagos aos eurodeputados: 4.950 euros por mês para despesas gerais, a cobertura das despesas de viagem conforme algumas regras, e um subsídio de estadia de 350 euros por dia para os períodos de atividade parlamentar. E há quase 29 mil euros por mês disponíveis a cada eurodeputado para contratar assistentes.

O Parlamento Europeu tem duas sedes?

Não... Tem três sedes. O assento oficial do Parlamento Europeu é em Estrasburgo, onde começou a reunir, em 1958, nas instalações do Conselho da Europa, quando ainda era a Assembleia Comum da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. O nome “Parlamento Europeu” apenas surgiu em 1962, e as eleições para escolher diretamente os eurodeputados apenas começaram em 1979.

O estabelecimento progressivo de mais entidades europeias em Bruxelas – lideradas pela Comissão das Comunidades Europeias, agora Comissão Europeia – foi arrastando o Parlamento Europeu para a capital da Bélgica, começando pelas reuniões das comissões parlamentares. O Parlamento não só fiscaliza a Comissão Europeia, como partilha o poder legislativo com o Conselho da União Europeia.

A divisão física – que colocou ainda o secretariado da instituição no Luxemburgo – é criticada desde 1992, quando foi oficializada pelos Estados-membros. O principal crítico é o próprio Parlamento Europeu, forçado a viajar regularmente de Bruxelas para estadias de uma semana em Estrasburgo – com desvios muito ocasionais para a Disneyland Paris...

A situação apenas pode mudar com uma alteração aos tratados europeus – mas ninguém espera que a França aceite perder o Parlamento em Estrasburgo.

Europeias e presidente da Comissão Europeia? Anda tudo ligado

As eleições marcam uma reorganização das forças políticas europeias, e isso reflete-se nos afamados cargos europeus.

O mais importante desses cargos é o de presidente da Comissão Europeia. Os tratados obrigam os líderes europeus a considerar os resultados das eleições europeias ao escolher esta pessoa, o que sempre se traduziu na presidência ser ocupada por alguém do grupo político com mais eurodeputados.

A proposta do Conselho Europeu é votada pelo Parlamento Europeu, onde são precisos pelo menos 361 votos (maioria absoluta) para a aprovação. Ou seja, a escolha da presidência da Comissão depende da vontade dos 27 países e dos grupos políticos no Parlamento.

Se o nome proposto for chumbado, os tratados obrigam a mudar a proposta: não há segundas oportunidades.

Como é que essa pessoa é escolhida?

Desde 2014 que existe um processo informal para forjar uma relação mais forte entre as eleições para o Parlamento Europeu e a nova presidência da Comissão. Nesse processo, chamado de "spitzenkandidat", os partidos políticos europeus nomeiam candidatos à presidência da Comissão. Assim, um voto num partido nacional ligado a um partido europeu traduz-se num voto num candidato específico para a Comissão Europeia.

O processo resultou em 2014, e Jean-Claude Juncker, candidato pelo PPE, foi eleito presidente da Comissão Europeia. Mas, em 2019, o processo foi atirado ao lixo pelas negociações no Conselho Europeu.

O candidato de então do PPE era Manfred Weber, que não era uma figura apreciada por muitos – António Costa chegou a declarar publicamente que Weber gerava uma “rejeição quase absoluta” no Conselho. E quem surgiu das cinzas das negociações foi Ursula von der Leyen, a candidata atual do PPE.

Agora, em 2024, o realinhamento das forças políticas e a perda de força dos grupos do centro pode causar mais danos no processo. E dois grupos eurocéticos, o ECR e o ID, decidiram não escolher nenhum candidato a líder, optando por ficar de fora do processo.

Além disso, Ursula von der Leyen tem evitado recusar trabalhar com eurodeputados do ECR, que Giorgia Meloni lidera – o que está a fazer os socialistas, com o chanceler alemão Olaf Scholz à cabeça, lançar um aviso: ou Von der Leyen estabelece uma linha vermelha, ou o apoio a um segundo mandato na Comissão desaparece.

O potencial substituto pode ser Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu entre 2011 e 2019 – e um nome do agrado da França (nunca se deve ignorar a importância do eixo franco-alemão na vida da UE).

O que é que isto tudo tem que ver com António Costa no Conselho Europeu?

Antes disso, ainda é preciso escolher os 27 comissários, os ‘ministros’ da Comissão Europeia, entre os quais está o importante Alto Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança. Cada país tem direito a um comissário, e estes são escolhidos pelo Conselho Europeu – ou seja, os 27 Estados-membros da UE – em acordo com quem foi eleito presidente da Comissão. Depois, os nomes são votados pelo Parlamento.

Para isso, o Parlamento realiza audições dos comissários-designados nas comissões correspondentes às suas áreas de responsabilidade. Se os eurodeputados fizerem uma avaliação negativa, o nome pode ser retirado e substituído por outro. No fim, o Parlamento dá, ou não, o consentimento ao Colégio de Comissários como um todo.

O cargo de presidente do Conselho Europeu depende apenas da vontade dos chefes de governo lá representados. Desta vez, o cargo deverá ser dos socialistas, caso sejam confirmados como a segunda maior força política da União. António Costa é um velho candidato ao cargo, mas a negociação pode mudar tudo.

Outro dos principais cargos europeus é o de presidente do Banco Central Europeu, preenchido por escolha do Conselho Europeu depois de consultar o Parlamento Europeu. Mas o mandato de Christine Lagarde vai até 2027, pelo que essa discussão não deve acontecer para já.

Então... Quantas instituições europeias há, afinal?

A União Europeia tem sete instituições.

As quatro instituições principais – Parlamento, Conselho Europeu, Conselho da União Europeia e Comissão Europeia – marcam a agenda da UE e a maioria participa, em diferentes graus, no processo legislativo. As outras três instituições são responsáveis pelos aspetos judiciais, financeiros e auditorias à União.

Mas o que faz cada instituição?

Tal como em qualquer Estado de direito democrático, os poderes estão divididos. A supervisão é comandada pelo Parlamento Europeu que, depois de receber o papel de codecisão no processo legislativo pelos tratados, foi reclamando outros direitos dentro da União – o processo de "spitzenkandidat" é parte dessa luta.

Além das instituições, há depois os órgãos especializados, como o Banco Europeu de Investimento, o Comité das Regiões, o Serviço Europeu de Ação Externa, e ainda agências como a Agência Europeia do Medicamento.

O que é que a UE pode decidir em vez do Governo português?

Desde cedo que foi necessário definir as competências da União Europeia e as dos Estados-membros. Atualmente, há várias categorias de temas que são competência da UE.

Há temas que são de competência exclusiva da União. Aqui inserem-se os assuntos aduaneiros, as regras de concorrência no mercado único, a política monetária do Euro, a conservação dos recursos marinhos biológicos, a política comercial comum e a conclusão de acordos internacionais.

Há, depois, as áreas de competência partilhada, em que a UE pode aprovar legislação, mas os países também (apenas se a UE não o tiver feito). Essas áreas são o mercado interno; a política social (com algumas restrições); a coesão económica, social e territorial; a agricultura e as pescas; o ambiente; a proteção do consumidor; os transportes; a energia; a liberdade, segurança e justiça; saúde pública (também com limitações); investigação, desenvolvimento tecnológico e espaço; e o desenvolvimento, cooperação e ajuda humanitária.

Seguem-se as áreas em que a UE pode apoiar, coordenar ou complementar as ações dos países: a proteção e melhoria da saúde humana; a indústria; a cultura; o turismo; a educação, formação, juventude e desporto; a proteção civil; e cooperação administrativa.

Por fim, há três áreas em que a UE pode definir orientações para os Estados-membros coordenarem políticas: a política económica, o emprego e as políticas sociais.

Então... O que é que a UE fez por mim nos últimos anos?

Comecemos a resposta a esta versão da pergunta dos Monty Python pelos números: 318 atos legislativos relativos às prioridades da Comissão Europeia foram aprovados desde 2019, segundo o Comboio Legislativo da UE.

Desde as últimas eleições, foram aprovados os carregadores únicos USB-C, o direito à reparação de dispositivos, o princípio da transparência salarial, regulação sobre a Inteligência Artificial, sobre os mercados digitais e as redes sociais, a redução de emissões de CO2 nos transportes, o Mecanismo de Recuperação e Resiliência pós-covid, o apoio à Ucrânia, e uma nova política de migração e asilo, entre outras leis.

Muitos outros temas ficaram suspensos – o Parlamento estabeleceu o meio de março de 2024 como prazo para se concluírem os acordos em trílogo, para ainda permitir aos textos chegar ao plenário antes do início da pausa pré-eleitoral.

Assim, há legislação em que o Parlamento Europeu já adotou uma primeira posição, e essa posição vai ser analisada pelo Conselho da União. É o caso de novas regras para as cartas de condução, a redução de desperdício das indústrias têxtil e alimentar, a segurança dos brinquedos, um reforço da legislação farmacêutica, a gestão do espaço aéreo, entre outros temas.

Depois, há temas que ainda não chegaram ao plenário do Parlamento, e em que o novo Parlamento terá de decidir continuar, ou não, o trabalho. É o caso da criação de um euro digital, uma diretiva sobre a responsabilidade da Inteligência Artificial, a luta contra o abuso sexual de crianças, a proteção de animais durante o transporte e muitas outras propostas.

E agora? O que está em causa no futuro da UE?

Muita coisa. Além da legislação que está pendurada, há temas que vão dominar esta eleição.

O mais óbvio será a defesa e a política de segurança, uma discussão espoletada pela invasão russa da Ucrânia em fevereiro de 2022, em que as soluções vão desde manter tudo igual e confiar na NATO ao início de uma coordenação militar europeia e reforço da produção de armamento.

Outros temas serão o estado da economia europeia – muitos países têm crescimentos baixos ou estão em recessão –, os ambiciosos objetivos climáticos (onde ainda há leis por aprovar), a competitividade da indústria, as migrações e, claro, o tema recorrente do crescimento da extrema-direita.

Há ainda o futuro alargamento da União Europeia – reavivado pela guerra na Ucrânia – e as possíveis alterações na estrutura da UE para acomodar os novos países. O tema da Europa a várias velocidades reapareceu, apesar de, na prática, essa Europa já existir, através da raramente utilizada figura da cooperação reforçada – onde se inserem a Procuradoria Europeia, a lei aplicável aos divórcios, a patente europeia e os regimes de propriedade de casais internacionais (todas com participação de Portugal).

Depois de o centro político da União já ter mudado mais para Leste com o alargamento de 2004, outra expansão nessa região do continente – integrando até os Balcãs – vai mudar mundos e fundos (literalmente) e obrigar a rever pelo menos (argumenta-se) as regras de votação entre países, as regras de distribuição dos fundos europeus e pacotes como a Política Agrícola Comum.

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