14 set, 2022 - 13:25 • Filipa Ribeiro
Depois de cinco anos a estudar Psicologia, a vontade de conseguir o primeiro emprego era elevada. Fabiana Fortunato, agora com 27 anos, completou o mestrado na Universidade da Beira Interior, na Covilhã, cidade vizinha do Fundão onde vive com os pais.
Quando recorda tempos de faculdade sente sempre nostalgia daquela que terá sido a fase da vida com mais atividades. “Era uma pessoa muito alegre e ativa. Tinha tempo e organizava-o para tudo: estudar, sair. Enfim, conseguia conciliar as coisas boas tanto do lado como da vida boémia”, recorda.
Agora sentada em casa, ainda a recuperar de uma das piores fases, reconhece que o facto de ter lidado sempre bem com a pressão dos estudos, nunca a levou a imaginar que a primeira experiência de trabalho na área fosse algo semelhante a um abismo.
“Já tinha tido outras experiências de trabalho, em empregos de Verão, mas esta era a vida adulta”, acrescenta.
No último ano de estudos, em 2019, começou a pensar cada vez com mais frequência como seria a entrada no mercado de trabalho e, ao mesmo tempo que ia recolhendo os relatos dos colegas de curso mais velhos, mais receosa ficava.
“Fui percebendo que era muito difícil entrar no mercado de trabalho na minha área, principalmente um estágio remunerado para entrar na Ordem dos Psicólogos. Fiquei assutada”, confessa Fabiana Fortunato.
Apesar do receio em dar o primeiro passo, e após uns meses que tirou para descansar, Fabiana Fortunato começou a procurar estágios no final do Verão de 2019.
As primeiras respostas surgiram dois a três meses depois, eram duas ofertas em clínicas que ficavam perto da casa dos pais, no Fundão, onde vive. “Acho que tive sorte, depois de me terem dito que era muito difícil eu consegui duas oportunidades. Acabei por ficar na que ficava mais próxima de casa por ser o mais fácil tanto a nível financeiro, como de transporte, e também por ser uma oferta na área que eu mais queria, clínica”, conta Fabiana.
Geração saturada. Consegui emprego e agora?
O primeiro contrato de trabalho foi assinado no início de 2020. Lembra-se do primeiro dia na clínica como se tivesse sido ontem. “Gostei muito, a equipa era toda espetacular, fui muito bem recebida. Pareceu-me que ia ter uma boa experiência. Pensei para mim: eu tenho mesmo muita sorte”, recorda Fabiana.
A sorte que pensava ter ia dentro da mesma mochila onde levava a vontade de conhecer os primeiros utentes, as histórias que ia ajudar a tratar e a esperança de cumprir um dos maiores objetivos: a independência financeira para sair de casa dos pais. Mas, pouco tempo depois, os sonhos começaram a ficar cada vez mais para trás e a carga da mochila que Fabiana levava passou a ser outra.
“Comecei a perceber, ao final de umas semanas, que o que me prometeram não estava acontecer. Os ordenados começaram a ficar atrasados, começaram a adiar os novos contratos, comecei a sentir-me um bocadinho enganada”, conta.
Esta inquietação levou a que Fabiana começasse a questionar se, de facto, iria ou não conseguir progredir e atingir a tal independência que queria. Ao final do terceiro mês de trabalho percebeu que nada estava a corresponder ao que esperava e as dúvidas começaram a ser cada vez mais frequentes.
"Eu tinha de aguentar, tinha de fazer o estágio para conseguir entrar na Ordem. Fui deixando passar, até porque nesta zona não teria mais oportunidades e ficaria desempregada. O que é melhor?"
A falta de oportunidades gerou muitas perguntas na cabeça de Fabiana Fortunato, perguntas que levaram a uma frustração, um labirinto que só teve um fim: ficou doente.
Como psicóloga percebeu aos primeiros sinais de que estava doente e que só conseguiria sair do labirinto onde tinha entrado com terapia. Mas havia salários em atraso e o facto de não ter fonte de rendimento fez com que não conseguisse avançar para a terapia.
“Sou psicóloga e consegui identificar os primeiros sinais. Nunca tinha sentido ansiedade daquela forma. Adiei e fui tarde demais”, assume Fabiana Fortunato, que nove meses depois de ter assinado o contrato já era visível como o trabalho a estava a afetar. Ficou mais magra e sem paciência. “Eu nunca tinha sentido nada assim. Chorava constantemente, não conseguia dormir, quando adormecia fazia-o a pensar naquele contexto e acordava a pensar no mesmo. Ficava nervosa só quando o telemóvel tocava, ia trabalhar sempre com medo. Comecei a descarregar nas pessoas, principalmente nos de casa”, conta Fabiana, arrependida por ter deixado arrastar o problema.
Em média, uma consulta de Psicologia, em Portugal, custa 55 euros. O que representa que num caso onde seja necessário fazer terapia uma vez por semana, são gastos 220 euros, ou seja, cerca de 30% do salário mínimo que é praticado no país. A questão financeira é uma barreira para muitos jovens e adultos que precisam de fazer tratamento.
Ainda assim, este problema não é novo e já existe há, pelo menos, 20 anos. No início dos anos 2000, em Lisboa, era criada a Associação Olhar – uma associação que se propôs a praticar preços sociais para que todos conseguissem ter acesso a um tratamento. Carlos Céu e Silva, presidente da associação, diz que a ideia era “manter uma qualidade que não existia”.
Mesmo com preços mais baixos e acessíveis há quem não consiga avançar. “Quando há uma crise económica há pessoas, que apesar de não dizerem de forma direta, pedem para passar de um tratamento semanal para quinzenal ou adiar as consultas”, diz Carlos Céu e Silva, que adianta que na associação têm recebido cada vez mais jovens que por adiarem o problema chegam em “pior estado”.
De acordo com o psicólogo, a maior parte dos problemas estão associados à frustração relacionada com a não independência financeira, Carlos Céu e Silva não tem dúvidas de que o contexto atual de instabilidade é mais favorável ao desenvolvimento de doenças mentais principalmente nos mais jovens.
Cátia Fortunato é a irmã mais velha de Fabiana. Apesar de já não viver com os pais e de já não partilharem casa, Cátia acompanhou sempre de perto o percurso de Fabiana, apercebendo-se de imediato de que havia algo de errado.
Cátia Fortunato confessa que, muitas vezes, sentiu receio sobre quais as palavras que poderia utilizar nas conversas sem que a irmã ficasse mal.
Desde cedo, Cátia tentou convencer a irmã a avançar para a terapia mostrando que a vida lhe traria mais oportunidades para além do primeiro emprego.
"Com qualquer coisa ela explodia. Levava tudo para o lado negativo. Os tiques de nervosismo ficaram mais intensos e começou a manifestar uma preocupação excessiva, principalmente com os meus pais, ao mínimo sintoma de uma doença ela já achava que era uma coisa grave"
Há um dia em que Fabiana Fortunato se apercebe que não consegue aguentar mais. O sinal surgiu quando reconheceu que já estava a levar os problemas para casa e que já não conseguia lidar com a opinião da própria família. “Já estava a afetar demasiadas coisas”, diz Fabiana, que chegou a pensar estar sozinha contra o mundo e que não voltaria a ser como era na faculdade.
A terapia começou um ano depois de identificar os primeiros problemas e, em poucas sessões, tomou a decisão. “Eu tinha decidido que ia sair, só precisava de uma ajuda”, recorda Fabiana a sorrir.
Deixou o primeiro trabalho ao final de um ano e quatro meses de contratos de estágio, de salários em atraso e de uma experiência a não repetir. Acabou por ficar no desemprego. Mas em cinco meses surgiu a oportunidade de ajudar a abrir uma clínica e para o investimento decidiu fazer uma pausa na terapia para investir o que tinha poupado. O sonho da nova casa foi adiado uma vez mais, mas a abertura da nova clínica correu bem.
Fabiana Fortunado fez uma visita guiada à Renascença na nova clínica, onde não tem sido difícil conseguir completar a agenda. “A maioria das pessoas que eu acompanhava quiseram ficar comigo. Connosco, psicólogos, acontece o mesmo que os dentistas. Por exemplo, se formos a um dentista que gostamos e ele mudar de clínica nós vamos atrás dele”.
Fabiana, agora sentada no novo escritório, fala em sensação de “liberdade e orgulho”.
Agora, praticamente recuperada, continua a focar-se no objetivo de sair de casa. O apoio no lar não tem faltado e a vontade de progredir também não.
A psicóloga Teresa Espassandim tem-se dedicado ao estudo da saúde mental dos jovens e acredita que, se a saúde mental fizesse parte da educação, desde cedo, a população seria mais resiliente aos problemas.
Teresa Espassandim defende que os pais, em casa, devem trabalhar a saúde mental com as crianças substituindo, por exemplo, a pergunta “como foi a escola?” pela pergunta “como correu o dia?”, onde a resposta será certamente mais longa e trabalhada.
Ainda assim, apesar do trabalho a ser feito em casa, Teresa Espassandim não tem dúvidas de que o ideal seria haver uma educação de saúde mental nas escolas e universidades.
“Podemos estar a perder a oportunidade de ajudar estas pessoas. No ensino superior os jovens estão entre os 18 e 25 anos e é uma boa oportunidade para dar ajuda. Há experiências que mostram que ter disciplinas de saúde mental ajudam os jovens a ter mais sucesso”, diz. A saúde mental já faz parte de programas em universidades de Lisboa e no Minho.
Teresa Espassandim acredita ainda que, apesar de biologicamente todas as gerações serem iguais, há umas que têm mais propensão a desenvolver doenças mentais, muito por causa do contexto social.
Atualmente com as dificuldades económicas, de emprego e habitação, a psicóloga reconhece que está em vigor um esquema que certamente levará mais jovens a desenvolver problemas.
"Quando mais facilmente os jovens conseguirem um emprego, uma boa remuneração e ter a sua própria casa, mais a saúde mental fica protegida"
O último estudo feito sobre a saúde mental remete-nos para 2018. Ano em que a OCDE concluiu que um em cada cinco portugueses sofria de doença mental.
Com o aparecimento de uma pandemia e crise económica, Teresa Espassandim acredita que o número de pessoas com problemas de saúde mental seja agora de três em cada cinco. Porém, a maioria são problemas “tratáveis e curáveis”, sublinha.
O labirinto da saúde mental é cada vez mais comum e a porta de saída será sempre uma: a terapia.