24 ago, 2022 - 09:10 • Pedro Valente Lima
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Ainda antes de começar a guerra, já tinha chegado a Portugal. Ao contrário de outros refugiados ucranianos, Yulia estava de férias com o filho, na ilha da Madeira, quando o Presidente russo, Vladimir Putin, ordenou a invasão da Ucrânia, na madrugada de 24 de fevereiro.
Meio ano depois, a médica está agora a morar na Maia com os dois filhos, mas admite que os primeiros meses foram bastante atribulados, especialmente na procura de habitação. Entre fevereiro e março, Yulia conseguiu ficar "quase de graça" num apartamento no Porto, mas teve de abandonar o espaço e o pesadelo começou.
"Infelizmente, não recebemos qualquer ajuda dos voluntários, talvez porque não chegámos depois de 24 de fevereiro", admite a médica neurologista. Yulia diz não perceber o porquê, tendo em conta que escreveu "várias mensagens e vários emails" às organizações que têm estado na linha da frente no apoio aos refugiados ucranianos em Portugal.
Sem obter qualquer tipo de ajuda, informal ou formal, Yulia foi aconselhada a procurar casa em plataformas como o Idealista e o AirBNB. No entanto, "pedem uma estadia longa", de "um ou mais anos", além do pagamento de "três ou quatro meses de avanço", algo incomportável para a cidadã ucraniana.
Em último recurso, a neurologista de 45 anos apostou no alojamento temporário, mais especificamente, através do Booking.com. O problema? Há um limite máximo de estadia: "Então tivemos de mudar de apartamento todas as semanas, foi um enorme problema", confessa Yulia.
No capítulo do trabalho, a procura tem sido tudo menos fácil. "Ainda não [tenho trabalho], mas já tentei procurar emprego na minha especialidade", conta a médica neurologista. Contudo, não possui autorização para exercer a profissão em Portugal, pelo que teve de recorrer às ofertas do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).
Chegou a receber uma proposta, para uma vaga de investigadora no Hospital de Santo António, no Porto, "que não exige qualquer formação". Mas as condições "não eram as melhores" para Yulia, especialmente com a vinda da filha para Portugal, dois meses depois do início da guerra. "O salário era apenas 400 euros, o que não é suficiente", lamenta.
Mas, afinal, como é que consegue pagar as contas? Tecnicamente, Yulia não está desempregada. Proprietária de uma clínica privada em Zaporíjia, a neurologista vai fazendo uma gestão remota, amealhando o suficiente para continuar em Portugal.
Dados do SEF
Os municípios com o maior número de proteções temp(...)
Numa das zonas mais afetadas pela guerra, a clínica vai resistindo. "Temos tido imensas dificuldades com a logística e com os pacientes, porque muitos deles saem do país por causa da guerra e terminam o tratamento na nossa clínica, mas vai andando", sublinha a médica.
Seis meses volvidos, Yulia diz ser difícil manter a esperança de regressar à Ucrânia nos próximos tempos. Se, no início, ansiava que a guerra terminasse e que pudesse regressar a casa, a neurologista admite que esse otimismo acabaria por desvanecer: "Infelizmente, depois de quatro, cinco meses, percebemos que não estamos a falar de um conflito de curta duração. Então aceitámos a realidade".
Longe dos pais e do marido, diretor de um hospital militar, também em Zaporíjia, Yulia contém as saudades, face à "péssima previsão" do conflito na Ucrânia durante o inverno. "Pelo menos até à primavera", a ucraniana ficará por cá, "até porque a filha vai recomeçar a escola este ano". "Acho que é mais seguro", reconhece.
Ainda assim, no final, a história acaba por ter um desfecho mais animador. Entre as mudanças de casa contínuas, Yulia encontrou uma "agente de imobiliário ucraniana, que vive cá há mais de 20 anos" e que conseguiu garantir-lhe uns quartos na Maia, com uma renda "mais acessível".
"Agora, moro numa boa e grande casa, com a minha família e tenho gostado de viver no Porto", exclama a médica.
A procura de alojamento prolongado é o "principal foco de problemas" para os deslocados da guerra na Ucrânia. Quem o diz é Pavlo Sadokha, que revela existirem vários casos de ucranianos que tiveram de abandonar as habitações para dar lugar a alojamento turístico ou ao típico regresso dos emigrantes portugueses durante o mês de agosto.
Um em cada quatro ucranianos fugiu do país desde o(...)
O presidente da Associação dos Ucranianos de Portugal ressalva que estes casos estavam previstos e que "ninguém os pôs na rua de um dia para o outro". "Sempre houve tempo para encontrar alternativa", realça. "Nem sempre foi na mesma cidade", mas Sadokha garante que nunca houve problemas em encontrar soluções.
Mas entre estes contratempos destaca-se também o programa Porta de Entrada. O plano de apoio público destina-se a situações de necessidade de alojamento urgente e foi alargado, ainda em março, a todos os refugiados ucranianos em Portugal. Contudo, tal como noticia o jornal Público, os processos têm sido morosos e confusos.
Nesta questão, o representante mostra-se paciente e garante que esta solução já está a dar frutos nos municípios de Lisboa e Almada. "No nosso centro, [em Lisboa], já há pessoas com contratos com o Porta de Entrada", afirma.
Desde o início da guerra na Ucrânia, há seis meses, já chegaram mais de 50 mil ucranianos deslocados a Portugal, dos quais um quarto são crianças. De acordo com dados do SEF, já foram emitidos mais de 42 mil certificados de autorização de residência.
Esta quarta-feira também se assinala o Dia da Independência da Ucrânia. A embaixada dos Estados Unidos em Kiev teme que haja ataques russos a alvos específicos do governo e civis ucranianos, numa data importante para a história do país.