03 mai, 2024 - 00:07 • Sandra Afonso
A Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES) critica a complexidade do sistema fiscal português, que já se encontra afastado dos objetivos definidos em 1989. No documento "Por uma verdadeira Reforma Fiscal", a que a Renascença teve acesso, apresenta uma série de propostas como reduzir para 5 os escalões de IRS, tributação universal, eliminar a maioria dos benefícios fiscais e uma conta poupança "Primeira Casa".
Segundo a SEDES, em causa está uma carga fiscal excessiva, uma das mais elevadas da União Europeia, e benefícios fiscais com custos de cumprimento para os contribuintes e até para a fiscalização. Por outro lado, considera que o sistema fiscal é hoje um desincentivo à poupança.
Para reorientar o sistema fiscal, a SEDES defende uma reforma fiscal que assente em 11 grandes linhas.
Para as famílias, defende um IRS mais simples e moderado, com apenas 5 escalões, deduções socialmente mais justas e atualização automática à inflação e produtividade. Deve ainda incluir todos os contribuintes e ser mais equitativo, ou seja, com uma distribuição mais equilibrada da carga fiscal. Deve incentivar o trabalho e a poupança e desincentivar a economia informal.
O Programa de estabilidade está viabilizado. O PS(...)
Em entrevista à Renascença, Carlos Alves, um dos coautores da proposta, garante que a redução para 5 escalões não retira progressividade ao IRS, além de simplificar o sistema e torná-lo mais comparável com os restantes países europeus.
O vice-presidente da SEDES defende ainda que "é preciso alargar a base de tributação, aplicando o princípio de tributação universal, em que todos os agentes económicos ficam sujeitos ao pagamentos de imposto". Obviamente, "cada um paga de acordo com o que pode", mas "não é normal que num país como o nosso apenas 50% dos sujeitos passivos pague IRS e não se discuta porquê", acrescenta.
Em compensação, defende a reformulação das deduções, "beneficiando as despesas com saúde, educação e habitação e as famílias mais numerosas". Propõem ainda a introdução de "outro tipo de despesas não evitáveis, como encargos com justiça ou honorários de advogados".
Sugerem também a criação da conta poupança "Primeira Casa", com taxas de juro de mercado isentas de tributação e contribuições dedutíveis em IRS.
A pensar na reforma, a SEDES defende a reformulação do regime público complementar de capitalização, com a possibilidade de contribuições anuais para fundos públicos ou privados.
"Há condições para eliminar a esmagadora maioria dos benefícios fiscais"
Para as empresas, esta proposta defende um IRC simples e transparente, com “redução drástica dos benefícios fiscais e um sistema não progressivo de tributação com uma taxa claramente inferior a 20%”, a eliminação (completa) da discriminação fiscal negativa dos capitais próprios e a eliminação das sobretaxas, criadas com prazos definidos mas que acabam por se tornar permanentes.
Segundo Carlos Alves, "há condições para eliminar a esmagadora maioria dos benefícios fiscais que temos". O vice-presidente da SEDES lembra que em 2019 a comissão que estudou o tema identificou 542 benefícios fiscais e entre eles estavam 127 que nem se sabia para que serviam. Só no IRC existem 120, "é como conduzir numa estrada cheia de sinais, todos a pontar para diferentes sítios e nós não sabemos para onde ir", acrescenta.
O documento defende um limite máximo de 20% para a taxa de IRC. À Renascença, Carlos Alves explica que com a eliminação dos benefícios até podia descer para 17% ou 18%, sem perda de receita para o Estado. No entanto, os autores não são radicais: consideram que há benefícios que devem manter-se ou ser alvo de uma reformulação, como os incentivos à inovação.
Defendem ainda uma tributação que seja moderada, justa e não discriminatória em função da idade, da nacionalidade ou simplesmente do estatuto ou da situação da entidade patronal.
Carlos Alves defende que "não podemos esperar por momentos ótimos" para avançar com reformas. Os problemas do Código Tributário não se resolvem com “medidas pontuais introduzidas orçamento a orçamento”. Esta tem sido a receita utilizada nos últimos 30 anos e que só tem perpetuado e agravado as dificuldades.
O vice-presidente da SEDES diz ainda que "a única condição que um governo como este tem para sobreviver, sem apoio maioritário, é apresentar reformas estruturais, coisas de fundo que façam sentido e que a população e os eleitores entendam que está a trabalhar". Caso seja travado pela oposição e, "se tiver que se demitir, que se demita numa situação em que o país perceba que fazia o que tem de ser feito", será "o melhor que lhe pode acontecer", defende.
Com a mesma convicção, Carlos Alves diz que, apesar da maioria relativa do governo, é possível pôr rapidamente esta reforma fiscal em andamento. "Com os recursos certos, com a vontade política certa, até ao final do ano seria possível ter uma reforma desta natureza suficientemente pronta para ser discutida no Parlamento".
Os autores pedem uma política fiscal aprovada com leis próprias, uma verdadeira reforma fiscal, coerente e independente de ideologias políticas.