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Relatório da comisão parlamentar

Oito coisas que o inquérito à CGD revela sobre o sistema financeiro português

15 jul, 2019 - 14:54 • Rui Barros

Berardo mentiu no Parlamento e tudo o mais que precisa de saber sobre o relatório de 366 páginas da II Comissão Parlamentar de Inquérito à Recapitalização e Gestão da Caixa, revelado esta segunda-feira.

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"Mais uma? Porque não impediram que os factos acontecessem? Porque não punem os responsáveis? Afinal, para que servem as Comissões de Inquérito?”

É assim que arranca o documento de 366 páginas revelado esta segunda-feira com um sumário dos trabalhos da II Comissão Parlamentar de Inquérito à Recapitalização e Gestão da Caixa Geral de Depósitos (CGD).

O documento traça uma radiografia detalhada às irregularidades detetadas pelos deputados. Mostra um Banco de Portugal burocrático mas pouco ativo na regulação; uma Caixa Geral de Depósitos com administradores que se reuniam apenas para que houvesse quórum; um Ministério das Finanças que recebeu nota de irregularidades mas que, aparentemente, nada fez face a essa revelação; e a dualidade de critérios – por parte do Banco de Portugal mas também da própria Caixa.

Para que não tenha de ler as centenas de páginas que compõem este documento, a Renascença reúne aqui as ideias fundamentais a retirar deste documento.



1. A Caixa Geral de Depósitos não foi gerida “de forma prudente”

As notícias que vieram a público ao longo dos últimos anos sobre os grandes devedores ao banco público já davam a perceber isso, mas agora são os deputados que o dizem. Uma análise aos créditos concedidos pela Caixa mostra “que a CGD não foi gerida de forma sã e prudente na concessão de vários dos créditos analisados”.


2. Presença de alguns administradores nos Conselhos Alargados de Crédito servia apenas para garantir quórum mínimo

Sim, leu bem. Alguns Conselhos Alargados de Crédito, onde os empréstimos que viriam a revelar-se ruinosos para o banco “foram discutidos e aprovados”, contaram com a presença de alguns administradores apenas para que houvesse um número de pessoas suficientes para que os ditos créditos fossem aprovados.

“A presença de alguns administradores nos conselhos alargados de crédito destinava-se à mera constituição de quórum, no pressuposto da confiança, sem evidência de debate ou confronto de posições, o que frustrou os resultados de alterações introduzidas na 'governance' da CGD”, lê-se no relatório.

Segundo João Dias Garcia, ex-secretário da mesa da assembleia geral da Caixa Geral de Depósitos, às vezes estas reuniões aconteciam mesmo quando o parecer de risco de determinado crédito estava emitido por escrito.

“Circunstâncias havia, porém, em que o parecer de risco não estava ainda emitido por escrito aquando da realização da reunião", pode ler-se na transcrição do depoimento de João Dias Garcia. "Tal ocorria, por exemplo, no caso de operações que tinham de ser decididas com muita urgência ou no caso de preparação de operações de mercado de capitais especialmente sensíveis.”


3. Não foi avaliado o risco de exposição da Caixa ao BCP

Joe Berardo não quer que o acusem de assalto ao BCP, mas se não o foi, pelo menos serviu para abrir uma grande exposição do banco público a outro banco.

"As operações de financiamento à aquisição de participações consistiram, e era previsível que assim fosse, num enorme risco sistémico, expondo largamente a CGD à evolução de outro banco, no caso o BCP", pode ler-se no documento.

De acordo com a versão preliminar do documento, entre 2004 e 2008 a Caixa concedeu "diversos financiamentos para aquisição de participações no capital social do BCP".

Com a cotação das ações do BCP a desvalorizar 95% entre 2000 e 2013, a Caixa terá perdido quase 600 milhões de euros.



4. Supervisão foi exercida de forma burocrática e com medo do "confronto jurídico"

O relatório não poupa críticas à forma como a supervisão agiu. Uma supervisão que, refere o texto, foi feita “de forma burocrática, não procurando olhar para além dos rácios de solvabilidade e níveis adequados de liquidez de cada banco, e não percebendo o risco sistémico de algumas operações” - como aquela que é apontada no ponto anterior.

O documento vai mais longe, ao acusar o supervisor de ter mais receio do "confronto jurídico com os supervisionados do que com a possibilidade de erros ou fraudes".

Por isso, a comissão parlamentar de inquérito recomenda que se faça "uma reflexão transparente sobre a atuação da supervisão portuguesa na crise financeira", para "assumir os erros e as lições aprendidas, assim como promover uma maior transparência da sua atuação, resultados e consequências”.


5. Irregularidades foram reportadas ao Ministério das Finanças. Mas não é certo que este tenha feito alguma coisa

Segundo o relatório, os órgãos de controlo interno detetaram irregularidades e reportaram-nas ao Ministério das Finanças. No entanto, não existe "evidência de diligências efetuadas no sentido de as colmatar", pode ler-se no relatório.

O Governo é, desta forma, outro dos alvos de críticas face à sua atuação perante as irregularidades detetadas.

O autor do documento pede ainda mais ação por parte do Estado enquanto acionista do banco público. “Não pode bastar nomear a administração e aferir resultados quantitativos”, lê-se no documento da auditoria do deputado do CDS-PP João Almeida.


6. Houve dualidade de critérios e tratamento diferenciado

Aparentemente, parece concluir o relatório, no sistema financeiro português, quando o sol nasce, não nasce para todos. Pelo menos na atribuição de créditos e na supervisão desses empréstimos.

Ao que apurou a II Comissão de Inquérito à Caixa, "o tratamento não foi igual aos diferentes clientes, como se verifica na diferença de tratamento entre o Grupo Fino e o Grupo Berardo".

"Na concessão do financiamento de 350 milhões de euros à Fundação José Berardo, o Banco de Portugal deveria ter realizado uma análise real da instituição em vez de aceitar informação de fraca qualidade dos seus serviços. Uma análise completa poderia ter levado poderia ter inibido os direitos de voto e exigidas contrapartidas adicionais”, pode ler-se.

Este não foi, no entanto, a única dualidade de critérios. Segundo o documento, houve também dualidade de critérios no tratamento dos casos Vale do Lobo e BCP.

"Verificou-se uma dualidade de critérios no tratamento dos casos semelhantes pelo BdP: veja-se Vale do Lobo, onde o Banco de Portugal escreveu cartas a exigir detalhes da operação mas, depois, no caso do BCP, não exerceu o mesmo zelo; ou como foi usada a 'moral persuasion' para afastar Filipe Pinhal mas restringiu-se no caso de Francisco Bandeira ou Armando Vara", em que "o BdP veio invocar motivos legais para cumprir o seu papel", pode ler-se.

Para o deputado que assina este relatório, "o mesmo BdP que invocava a inexistência de atribuição legal para atuar em certos casos não deixava de o fazer noutros idênticos".


7. Berardo mentiu no Parlamento

Segundo o documento, fica claro que Joe Berardo mentiu quando disse, na sua audição no Parlamento, que teria sido a Caixa Geral de Depósitos a procurá-lo para que investisse em ações do BCP.

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“No caso dos créditos concedidos a José Berardo, ficou esclarecido (por carta de José Pedro Cabral dos Santos) que foi o cliente a procurar a CGD e não o contrário”, diz o documento conhecido esta manhã.


8. Precisamos de mudar o funcionamento da supervisão

Se um dos trabalhos do Banco de Portugal é regular o sctor, então que regule melhor. É esta a leitura que pode ser feita da sugestão que o autor do documento faz, ao recomendar que a supervisão incida também “sobre a cultura, o comportamento e as dinâmicas internas que afetam o desempenho das instituições financeiras”.

Estes, acredita o deputado centrista, são fatores "essenciais para a responsabilização ética, a reputação dos bancos e a confiança no sistema financeiro”.

E por isso pede uma “reforma da supervisão deve ser uma prioridade” na próxima sessão legislativa.


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