15 fev, 2024 - 07:00 • Tomás Anjinho Chagas , Beatriz Pereira (vídeo) , Helena Pereira (Público)
O presidente da Cruz Vermelha Portuguesa(CVP), António Saraiva, diz que há uma "pobreza envergonhada" de famílias da classe média que têm registado cada vez mais dificuldades e recorrem à instituição.
Em entrevista ao Hora da Verdade, da Renascença e do jornal Público, o antigo líder da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) critica a atuação dos políticos que olham "mais para o retrovisor do que para o para-brisas" e estão mais ocupados em distribuir culpas do que a apresentar propostas.
Esta é a segunda parte da entrevista a António Saraiva. Pode ler a primeira parte aqui, onde o presidente da CIP admite fechar "alguns lares".
De 2022 para 2023 duplicaram os pedidos de ajuda à Cruz Vermelha Portuguesa. Isso também se verifica com pessoas em situação de sem abrigo?
Também. Há duas valências em que temos vindo a constatar uma enorme subida: os sem abrigo e a violência doméstica, onde temos teleassistência.
Quantas pessoas é que ajudam? Qual é o universo?
Temos no todo, no social, 157.000 pessoas. Temos na área da saúde 99.000 pessoas. Temos em saúde mental, área que está a crescer também os pedidos de ajuda, 1400 pessoas. Temos em cuidados continuados 400 pessoas. Apoio alimentar perto 50.000. Apoiamos pessoas idosas em solidão, na ordem das 50.000 pessoas.
Em Novembro houve buscas na Cruz Vermelha Portuguesa. Como é que está esse processo?
Não foi alvo de buscas pela questão do Covid-19. Foi alvo de buscas de documentação, porque, pelo que os inspetores referiram, estavam à procura de elementos de prova para o ex-secretário de Estado, João Paulo Rebelo. No nosso caso era um protocolo que tinha sido feito, mas não havia qualquer dúvida ou suspeita em relação à Cruz Vermelha.
A crise política congelou ou agravou a situação da Cruz Vermelha Portuguesa?
Pegando na sua expressão, eu diria congelou, porque este hiato governativo leva a que os interlocutores em funções já não tomem decisões, a não ser aquelas que são mais urgentes. Isso penaliza todas as entidades que se relacionam com o Estado.
Estamos em período de pré-campanha eleitoral. Como é que tem acompanhado este conjunto de propostas que estão a ser apresentadas pelos partidos? Estamos perante um leilão eleitoral?
Estamos, de facto, perante um leilão eleitoral, em que cada partido tenta dar mais do que o outro. Lamentavelmente, cada partido está, nesta campanha, mais a olhar para o retrovisor do que para o pára-brisas. Acho que a população portuguesa gostaria mais que as propostas fossem sobre o que cada partido tem para oferecer o país, olhando para o pára-brisas e não para o retrovisor, de quem fez mal, quem tem culpas, quem não fez isto ou aquilo. Alguns partidos apresentam medidas só para saber bem ouvir, mas depois não têm sustentabilidade.
E quando fala em "leilão", que medidas é que o chocam mais?
Aquelas que são meramente eleitoralistas. Aqueles partidos que apresentam medidas que sabe bem a quem as ouve, mas que não têm sustentabilidade. Só há duas maneiras de conseguir sustentar essas medidas: ou aumentamos impostos ou reduzimos despesa, e nós já estamos exauridos fiscalmente, onde é que vão buscar essa receita acrescida?
E como é que vê a proposta do novo líder do PS, Pedro Nuno Santos, que quer pôr o Estado a apostar em determinados setores específicos da economia?
Que o Estado quer apostar em determinados sectores é louvável, mas é a iniciativa privada que define. Embora alguns o tentem, não estamos num Estado presente em todas as atividades, nem num modelo de Estado socializante. É a iniciativa privada que deve definir isso.