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Hora da Verdade

"Há que fazer contas". Cruz Vermelha pondera fechar "alguns" lares

15 fev, 2024 - 07:00 • Tomás Anjinho Chagas , Beatriz Pereira (vídeo) , Helena Pereira (Público)

Novo presidente da Cruz Vermelha quer fazer uma reforma e assume que há problemas de tesouraria da instituição. Antigo líder da CIP lamenta "falta de profissionalismo de gestão" dos trabalhadores, apesar da "boa vontade".

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Hora da Verdade com António Saraiva
Hora da Verdade com António Saraiva. Fotografia: Rui Gaudêncio/Público. Vídeo: Beatriz Pereira/RR

Depois de vários anos a ser o "patrão dos patrões" enquanto presidente da CIP (Confederação Empresarial de Portugal), António Saraiva leva pouco mais de meio ano à frente da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) e está dedicado a empreender uma reforma.

Em entrevista ao Hora da Verdade, da Renascença e do jornal Público, o presidente da instituição assume que pode ter de encerrar alguns lares e largar algumas valências para se dedicar mais a outras. Sobre a saúde financeira da Cruz Vermelha Portuguesa, afirma que há "boa vontade e voluntarismo" nos funcionários e dirigentes da Cruz Vermelha, mas assinala uma falta de "profissionalismo na gestão".

Esta é a primeira parte da entrevista. Pode ler a segunda parte aqui, onde António Saraiva revela que há muitas famílias da classe média a pedir ajuda e critica o "leilão eleitoral" em período de pré-campanha.

Em Julho, tornou-se presidente da Cruz Vermelha. Tomou posse, estabeleceu várias metas. De lá para cá, o que é que conseguiu mudar na instituição?

Em seis meses, não é possível transformar assim tanto uma entidade que tem 159 delegações, 2800 colaboradores e 1700 viaturas. Um porta-aviões não muda de rota em seis meses. Aquilo que fizemos neste período foi constatar a realidade da entidade, os vários serviços sociais que vem prestando à população e definir um programa de ação para alterarmos algumas tipologias, garantirmos sustentabilidade, desenhar os novos estatutos. Por isso, mudar os estatutos, dar sustentabilidade à organização e fazer uma reestruturação dos serviços.

Temos serviços que são rentáveis e há outros onde isso não acontece. Sendo a Cruz Vermelha uma entidade não governamental, sem fins lucrativos, privada, não pode ter prejuízos acumulados. E daí este plano de revisão, esta verificação do que devem ser os nossos serviços.

Quer dar uma volta na instituição. Acha que a Cruz Vermelha Portuguesa tem demasiadas valências, que devia focar-se em algumas e deixar cair outras?

Devemos valorizar umas, dar-lhes maior alicerce e eventualmente abandonarmos outras. A Cruz Vermelha tem serviço social, desde emergência, o apoio à vítima, refugiados, sem abrigo, os lares, as creches, os infantários, enfim, um conjunto de valências 24 horas/365 dias por ano. O Estado, lamentavelmente, não cobre todos os custos. Temos um problema de sustentabilidade da tesouraria.

Estamos num período em que têm vindo a duplicar os pedidos de ajuda. Em 2022, tivemos o dobro dos pedidos de ajuda que tivemos em 2021. Já em 2023 duplicamos praticamente o que tínhamos em 2022. Este aumento dos pedidos de ajuda ao mesmo tempo de uma redução dos donativos é uma equação difícil, cujo resultado tem que ser melhorado.

Quando fala em alterar algumas tipologias e reestruturar serviços e ver o que é rentável e o que é que não é, pode concretizar quais são as áreas em que possivelmente a Cruz Vermelha deve apostar mais e quais aquelas em que pode recuar?

Não é fácil responder a essa pergunta, porque das 159 delegações que integram a Cruz Vermelha, nem todas prestam todas as valências. Nós cobrimos o território nacional na sua totalidade e cada delegação tem um conjunto de valências que vem prestando à população. Uns têm lares e creches, outros têm infantários e apoio à vítima, outros têm sem abrigo. Há a recepção aos refugiados. É claro que não abandonamos ninguém, não deixaremos de auxiliar ninguém.

Mas faz sentido a Cruz Vermelha ter essas valências todas e é sustentável?

A função humanitária é uma das prioridades. Esta abnegação, este humanismo caracteriza toda a rede, não apenas nacional, mas a rede internacional. O aumento de pedidos da população portuguesa ano após ano leva a que não possamos abandonar aqueles que precisam de ajuda. Então e o que fazer? Vamos manter todas as valências? Eventualmente, não. Eventualmente, teremos que largar algumas delas.

Mas o Governo central delegou nos municípios muito destas valências sociais e as câmaras não têm ainda esta missão incorporada e por isso pedem auxílio à Cruz Vermelha, à Cáritas, às Misericórdias, à Santa Casa. É uma avaliação que temos que fazer, ver que organizações estão também no terreno e ver quem é que está mais habilitado, estamos a verificar aquelas [áreas] onde deveremos deixar de prestar esse apoio social, não deixando ninguém para trás.

Que áreas tem em mente?

Estamos a avaliar algumas das ERPI [Estrutura Residencial Para Pessoas Idosas], temos a questão dos refugiados. Dou-lhe o exemplo de Beja, onde temos dois lares e onde, pelas condições que os edifícios têm, é quase desumano manter aqueles 60 utentes naquelas condições. As condições dos dois edifícios já não respondem às necessidades que hoje são obrigatórias.

Em 2022, antes de estar à frente da instituição, a CV chegou a ter resultados positivos de 7 milhões.

A CV tem um orçamento anual de cerca de 90 milhões de euros, mas temos 40 milhões em dívida, desde vários apoios financeiros que temos solicitado, investimentos têm sido feitos em equipamentos, com esta subida de juros temos algumas situações em maior dificuldade. Nesse ano, os testes covid que a CV fez em largo número trouxeram um conjunto de receitas extraordinárias. Os números hoje já não são assim.

No somatório das 159 delegações, temos receitas em caixa na ordem dos 50 milhões, mas, por outro lado, devemos 40 milhões, o que é uma coisa aparentemente absurda. É esta reflexão que a minha direção está a fazer precisamente para não cairmos em ruptura de tesouraria, porque é assim que as organizações vão à falência.

Estão em pré-ruptura?

Não, mas com a diminuição de donativos, com a diminuição de receitas, estamos igualmente a desenvolver um conjunto de metodologias para ir junto das empresas, que estão obrigadas pelos critérios dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, contratualizar um conjunto de donativos. Estamos também a desenvolver uma nova metodologia para o Cartão Cruz Vermelha, integrando os serviços do hospital, mas dando ao cartão um conjunto de outras valências.

Como foi possível a Cruz Vermelha ter chegado a este ponto?

Foi muito boa vontade, voluntarismo. Ninguém nas 159 delegações é remunerado. Mas há muita iliteracia, há muita falta de conhecimento de gestão. Quando uma câmara oferece um terreno para a construção de um lar, depois há os custos de edificação de todos os equipamentos. Tem que haver um plano de negócios. Há que fazer contas. Há muita abnegação e humanismo mas alguns casos pouco profissionalismo.

E o Hospital?

Aquilo que me pergunta é se faz sentido a Cruz Vermelha manter uma marca, uma insígnia naquele equipamento? Sim, a Cruz Vermelha é, de facto, uma marca que goza de excelente notoriedade, excelente efeito reputacional. Está-se a modernizar, a incorporar novas valências e a reabilitar o edifício. A gestão hospitalar é da responsabilidade quer da Santa Casa, quer da Parpública. Há duas direcções anteriores, no tempo do presidente Francisco George, deixámos de ser os donos e passámos apenas a ser o senhorio do hospital. Deixámos de ter a gestão.

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  • Anastácio José Marti
    15 fev, 2024 Lisboa 13:05
    Se é verdade que não existem serviços que funcionem se não existirem condições económicas, financeiras, etc, para que funcionem, não é menos verdade que neste país, onde todos os anos fecham vários lares clandestinos, que usam os cidadãos e os seus legítimos direitos, para encherem os bolsos dos seus proprietários porque não existe ou não funciona a fiscalização estatal que deveria funcionar, pondo em causa a vida dos mais idosos deste país, numa instituição como a Cruz Vermelha, que deveria estar mais preocupada em reunir condições para abrir mais e melhores lares pelo país, já que o Estado não o faz, os dirigentes da mesma Cruz Vermelha, optam, não por fazerem algo de construtivo para abrirem mais e melhores lares, mas antes pelo contrário, fechar alguns dos lares que um dia abriram. Será com decisões destas que a Cruz Vermelha algo de responsável assume, em prol dos idosos mais necessitados, que sem família, sem condições económicas e muitas vezes sem saúde para serem autónomos e independentes, na fase final das suas vidas, mais precisam de quem os apoie, se veem entregues a si próprios, apenas e só que o Estado português pela Segurança Social e por estas instituições ditas de solidariedade social, se preocupam mais em fechar e assim acabar com pelo menos parte dos lares que um dia abriram, e muito menos em alargar o números desses mesmos lares, sabendo os dirigentes da Cruz Vermelha que estamos num país cada vez mais envelhecido, com necessidades especiais?

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