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​Escravatura, "comportamentos rurais" e um "ato maquiavélico". O que disse Marcelo no jantar dos correspondentes

24 abr, 2024 - 23:25 • Ricardo Vieira , João Pedro Quesado , João Carlos Malta , Fátima Casanova

Declarações polémicas do Presidente da República foram criticadas por alguns partidos da oposição. Marcelo Rebelo de Sousa já veio a público esclarecer algumas das posições assumidas no jantar com os jornalistas estrangeiros.

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O Presidente da República recebeu na terça-feira os correspondentes estrangeiros em Portugal. Ao jantar, Marcelo Rebelo de Sousa falou sobre o passado colonial do país e da escravatura, do filho e do caso das gémeas, além de tecer considerações sobre Luís Montenegro, António Costa e a procuradora-geral da República, Lucília Gago.

Segundo o jornal brasileiro "Correio Braziliense", Marcelo disse que Luís Montenegro é "uma pessoa que vem de um país profundo, urbano-rural, com comportamentos rurais", o que torna o atual primeiro-ministro "difícil de entender" e "completamente independente, não influenciável e improvisador".

O Presidente da República considera que Montenegro surpreende “todos os dias”, porque “é imaginativo e tem uma lógica de raciocínio como sendo de um país tradicional”.

Dá o exemplo da escolha do cabeça de lista da AD para as eleições europeias de 9 de junho, Sebastião Bugalho, quando tudo apontava para o autarca do Porto, Rui Moreira: “Foi totalmente uma improvisação, um segredo até ao fim”, disse Marcelo Rebelo de Sousa.

O método de formação do novo Governo, “de forma impensável”, também deixou o chefe de Estado surpreendido.

“Montenegro formou um Governo de forma impensável. Só começou a convidar os ministros na manhã do dia de me entregar a lista, um risco. E foi tão sigiloso, que nenhum deles sabia do outro. Só se encontraram no dia da posse”, afirmou.

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"O Presidente percebeu que houve muita improvisação" - Vicente Nunes

Em declarações à Renascença, Vicente Nunes, jornalista do "Correio Braziliense" e presidente da Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal, enfatizou a questão da formação do novo Governo.

“Muitas das pessoas foram convidadas, somente, na manhã desse dia e nenhum deles sabia do outro, segundo o Presidente. Ele percebeu que houve muita improvisação e, para ele, é um risco deixar tudo para a última hora”, relata Vicente Nunes.

No mesmo jantar, o Presidente da República declarou que "António Costa era lento, por ser oriental, gostava de informar, acompanhar e entregar”.

Questionado pelos jornalistas esta quarta-feira à tarde, o Presidente da República recusou que tenha feito declarações ofensivas sobre Luís Montenegro no encontro com jornalistas estrangeiros.

Questionado pelos jornalistas no fim de uma aula-debate sobre o 25 de Abril no Largo do Carmo, o Presidente da República considerou que as declarações não podem ser consideradas ofensivas "de maneira nenhuma", e disse que as palavras foram "muito explicativas para jornalistas estrangeiros".

"Tive ocasião de, respondendo a jornalistas estrangeiros, referir como o primeiro-ministro tinha muito a ver com o PSD profundo, um PSD de base rural urbana. Foi assim a raiz do PSD, ao contrário de outros partidos, como o PS", a quem Marcelo atribui raízes baseadas "na realidade estritamente metropolitana citadina que sempre definiu o PS".

Para Marcelo, Luís Montenegro tem "um estilo diferente, muito diferente do estilo do primeiro-ministro anterior. É um estilo que está a surpreender, que vai surpreender e por isso eu disse que há um lado imprevisível nele que tem a ver com essa imaginação", que disse não se poder "subestimar".

Crimes da escravatura

No jantar de terça-feira com 29 correspondentes estrangeiros, o Presidente da República considerou ainda que Portugal deve pagar pelos crimes de escravatura da época colonial, altura em que o país traficou quase seis milhões de africanos.

Marcelo Rebelo de Sousa disse que Portugal “assume total responsabilidade” pelos erros do passado e que esses crimes, incluindo massacres coloniais, tiveram “custos”.

“Temos que pagar os custos”, disse Marcelo. "Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isso", acrescentou.

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“O Presidente disse que, mais importante do que pedir desculpas, é fazer um ato de reparação" - Vicente Nunes

Em declarações à Renascença, Vicente Nunes, jornalista do "Correio Braziliense" e presidente da Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal, reforça que o Presidente da República disse que o país tem de assumir responsabilidades pela época colonial.

“O Presidente disse que, mais importante do que pedir desculpas, é fazer um ato de reparação por todo o sofrimento e exploração feita por Portugal nas antigas colónias e isso pode ter, sim, um custo financeiro. É preciso, segundo ele, medir o quanto isso custaria, mas esse debate não pode ficar fora da atualidade”, afirma Vicente Nunes.

PGR e Maquiavel

A procuradora-geral da República foi outro tema de conversa do Presidente com os correspondentes estrangeiros acreditados em Portugal.

Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que Lucília Gago teve um ato "maquiavélico" durante a Operação Influencer, que levou à demissão do primeiro-ministro, António Costa, e à queda do Governo.

“Se a senhora procuradora, com a mesma presteza com que tinha tido a iniciativa de abrir um inquérito envolvendo também o primeiro-ministro [António Costa] um mês antes de os portugueses saberem, descubro, umas semanas mais tarde, que tinha aberto um inquérito contra terceiros e em que dia? No dia 7 de novembro. Que eu achei maquiavélico. Género de equilíbrio, equilíbrio sofisticado. Muito bem… abriu, abriu”, declarou o chefe de Estado.

No dia seguinte, questionado pelos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa negou ter chamado "maquiavélica" à procuradora-geral da República.

"Não, nunca disse isso, fui muito cuidadoso com o que disse nesse particular, não falando nas caraterísticas pessoais, nem devia falar, da procuradora-geral da República”, argumentou.

Caso das gémeas

Marcelo Rebelo de Sousa, disse também na noite de terça-feira aos jornalistas estrangeiros, que cortou relações com o filho, Nuno Rebelo de Sousa, por causa do caso das gémeas brasileiras que receberam tratamento no Hospital Santa Maria, em Lisboa, devido a uma doença grave.

Citado pelo "Correio Braziliense", o chefe de Estado lamentou a conduta "imperdoável" de Nuno Rebelo de Sousa. "Ele sabe que eu tenho um cargo público e político, e pago por isso", afirmou, mas disse, no entanto, que "há coisas piores na vida".

"Traição à pátria" e pedidos de retratamento

Bloco, Livre e PAN consideraram esta quarta-feira que o Presidente da República deveria retratar-se das declarações que fez sobre o atual e anterior primeiros-ministros, enquanto o Chega acusou-o de "traição à pátria" ao falar da História de Portugal.

Estas posições foram transmitidas aos jornalistas, na Assembleia da República, em reação a recentes palavras proferidas por Marcelo Rebelo de Sousa na terça-feira, durante um jantar com jornalistas da Associação de Imprensa Estrangeira em Lisboa.

Os presidentes dos grupos parlamentares do PSD, Hugo Soares, e do PS, Alexandra Leitão, recusaram-se a comentar, apesar de o chefe de Estado ter feito referências a Luís Montenegro e a António Costa. A mesma opção seguida por PSD e PS teve o deputado do PCP António Filipe.


[notícia atualizada]

Comentários
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  • joao
    26 abr, 2024 santos 07:02
    Colonialismo? Escravatura? Sendo as dividas judicialmente hereditárias. Como não tive familiares em África, nem com negócios com africanos. Já o Professor Marcelo, filho de um governador do colonialismo, afilhado pródigo de um ditador (Marcelo Caetano), viveu e usufrui-o do colonialismo. Judicialmente deve ser condenado a pagar os custos dos seus benefícios ilegais, que entregue o ordenado, a reforma, o património que detém aos africanos. Ou é como o Frei Tomás, faz o que digo, não faças o que faço. Hipocrisia politica, para parecer bonito na televisão.
  • Sara
    25 abr, 2024 Lisboa 10:44
    Já chega deste sentimento, na altura era o que era e todos o faziam, alguns governantes, se o dizem e ainda fazem afirmação tolas é por que não sabem a realidade, por quanto mais tempo os portugueses atuais vão ser prejudicados e abandonados?já chega de dar ajuda a quem não quer ser ajudado.Nao devemos Nada
  • ze
    25 abr, 2024 aldeia 09:54
    Nunca deixou de ser comentador......

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