10 mar, 2017 - 14:28 • Elsa Araújo Rodrigues
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Da ascensão do Syriza ao poder na Grécia, passando pelo Brexit, pela eleição de Donald Trump ou pela criação de movimentos como o Movimento 5 Estrelas, em Itália. O tempo dos populismos – de esquerda ou de direita – parece ter chegado para ficar. Mas, apesar de os populismos serem "mais fortes agora do que eram há dez anos", são ainda "fenómenos minoritários", defende o politólogo Cas Mudde.
O especialista holandês em populismo, que dá aulas na Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos, esteve em Lisboa, a convite da Fundação Francisco Manuel dos Santos, para falar numa conferência sobre o tema.
Sobre as várias eleições na Europa marcadas para este ano e que podem levar à eleição de forças populistas, Cas Mudde disse que a sua maior preocupação é o caso italiano e a possibilidade de Beppe Grilo e o Movimento 5 Estrelas ganharem maior protagonismo. Sobretudo devido à conjuntura económica de Itália porque “os partidos políticos maioritários não conseguem dar resposta aos problemas económicos que enfrentamos actualmente”.
Holandês de nacionalidade, Cas Mudde acredita que Geert Wilders poderá sair vencedor das eleições no seu país de origem, a 15 de Março, mas dificilmente conseguirá implementar a sua agenda populista. Mudde prevê uma maior fragmentação política: para chegar a uma maioria, o próximo governo da Holanda precisará de se entender com mais partidos – em vez de 11 haverá 14.
Em entrevista à Renascença, Cas Mudde diz que o populismo ameaça a democracia, mas também pode ajudá-la a fortalecer-se.
Afinal, o que é o populismo? Devemos temê-lo?
O populismo é uma ideologia que divide a sociedade em dois grupos diferentes. Coloca o "povo puro" num lado e a "elite corrupta" do outro. Devemos ter medo do populismo porque, ao mesmo tempo que reduz a realidade a um princípio único, é também moralista. O populismo vê o povo como uma entidade una e uniforme, onde todos partilham dos mesmos valores. E, como consequência, não considera a oposição como legítima. Isto leva a um conflito moral entre as pessoas ditas "puras" e as pessoas ditas "corruptas" – o compromisso entre os dois grupos torna-se impossível. Mas a democracia liberal baseia-se precisamente no compromisso e no encontrar de alguns pontos em comum.
Defende que, apesar da ameaça que representa, o populismo também pode funcionar como um "corrector" da democracia.
Pode desempenhar esse papel porque, muitas vezes, o populismo ajuda a colocar na agenda questões que são ignoradas pelos principais partidos. O populismo traz as preocupações de grupos excluídos para a agenda política. E pode também trazer grupos marginalizados e que estavam arredados da discussão para o debate. Por exemplo, as pessoas brancas das classes trabalhadoras que voltaram a ter voz, depois de terem sido "mais ou menos" ignorados durante muito tempo.
Por outro lado, o populismo representa uma ameaça clara. Como disse, os populistas não consideram a oposição legítima. E, como consequência, tentam minimizar o seu poder. E fazem isso retirando poder aos tribunais e aos meios de comunicação. Os populistas acreditam que são a voz do povo, a voz da maioria. E que, por isso, os meios de comunicação devem informar partindo desse princípio, de que representam a maioria.
Olhando para muitos líderes e protagonistas políticos, um pouco por todo o mundo – de Donald Trump (EUA) a Marine Le Pen (França), passando por Geert Wilders (Holanda) ou Recep Tayyip Erdoğan (Turquia) –, podemos dizer que o populismo está a aumentar?
Não penso que o populismo esteja a aumentar. Tenho a certeza é que de é mais forte do que era há dez anos. Olho de forma particular para a Europa, embora Donald Trump tenha vencido nos Estados Unidos e, sim, pelo menos no fim, a sua campanha foi populista. Mas se olharmos para o GOP [Grand Old Party, mais conhecido por Partido Republicano] no Congresso dos EUA, vemos que não é um partido populista, não é assim que o partido funciona.
Tomando o exemplo do Presidente da Turquia. Erdoğan tornou-se muito populista, mas não tenho a certeza de que ele acredite verdadeiramente no populismo. É, definitivamente, um democrata não liberal, no sentido de ser contrário à liberdade.
O populismo como fenómeno não se resume apenas aos partidos.
Exacto. Muitos países não têm partidos populistas e há muitos países onde o populismo é um fenómeno marginal, ou seja, representa menos de 10% dos votos em urna. Acho que nos devemos preocupar com o número cada vez maior de países onde o populismo está a ganhar força. Mas não devemos ignorar o facto de o populismo, no quadro geral, continuar a ser um fenómeno minoritário.
Disse estar mais preocupado com as eleições em Itália – e em especial com o Movimento Cinco Estrelas (M5S) – do que com os sufrágios em França ou na Holanda. O avanço do populismo é uma ameaça para o projecto europeu?
Penso que o populismo é uma ameaça se, na sua forma mais moderada, for amparado ou suportado pelos partidos maioritários. Se aderirmos a alguns matizes ou partes do discurso populista, se dissermos que o povo, "o verdadeiro povo", partilha das preocupações dos eleitores que votam em partidos de extrema-direita ou se dissermos que as elites são intocáveis e coisas parecidas. Aderir a este tipo de discurso – ainda que parcialmente – pode criar um problema. Mesmo as pessoas que nesse preciso momento não concordam com os populistas começam a pensar que o resto do espectro partidário está afastado das suas preocupações. Começam a pensar: não estamos a ser ouvidos e somos a maioria. Por que é que não temos as políticas que queremos?
As elites estão a afastar-se das pessoas?
Não me parece. Quero dizer, numa base diária, é claro que sim. Os partidos estão completamente desligados, afastados das pessoas. Mas, por outro lado, têm cada vez mais informação sobre essas mesmas pessoas, que lhes chega através de inquéritos e estudos, por exemplo. Penso que, hoje em dia, as elites estão sujeitas a padrões mais elevados de exigência do que estiveram no passado. E, sinceramente, penso que já deixaram de ter visões ou políticas inspiradoras.
Os partidos maioritários estão a perder o seu poder de atractividade?
Sim, estão. A maioria das pessoas quer ter uma visão, quer uma projecção de como o mundo poderia ou devia ser e como podemos tentar alcançá-lo. Nos tempos que correm, é aí que a maioria dos partidos políticos falha.
Diz que uma das razões pela qual os partidos políticos maioritários falham é porque não conseguem dar resposta aos problemas económicos que enfrentamos. Problemas estruturais, como o futuro do emprego face à automação, por exemplo.
Essa é uma das questões que se vai tornar cada vez mais problemática no futuro próximo. Ainda estamos a falar na recuperação do emprego, em medidas proteccionistas, no fecho das fronteiras e em coisas desse tipo. Mas o problema é outro. Há cada vez menos emprego para a classe trabalhadora, há cada vez menos trabalho para as pessoas com menos escolaridade e habilitações. E mais: os trabalhos que temos disponíveis para essas pessoas não são atractivos. Como consequência, acabamos por marginalizar essas pessoas.
A falta de emprego é um problema sem solução à vista?
Sim. Em parte, esta situação deve-se à consolidação do sistema neoliberal moderno que acaba por compensar em demasia as pessoas que estudaram muito com bons trabalhos. Este movimento de compensação acabou por desregular o mercado de trabalho de tal forma que agora temos cada vez mais pessoas em empregos cada vez mais precários. Precisamos de arranjar uma solução, um novo mercado de trabalho, com muitos robôs.
Nos países mais ricos e desenvolvidos, deixou de ser atractivo produzir coisas. Mas isso não significa que vá deixar de ser possível oferecer condições decentes de vida e a possibilidade de viverem uma vida com propósito, às pessoas que têm menos escolaridade. Esse é que é o verdadeiro desafio.