Não conheço repórteres que digam que nunca tiveram medo. Tive muitas vezes medo quando estive mais próximo dos acontecimentos. E tivemos todos medo como toda a gente, quando ele disse que ia contar até três.
Aí finalmente, procurámos onde é que nos devíamos [abrigar], uma vez que ele ia destruir o edifício.
Nós, os repórteres, não encontrámos melhor sítio do que os urinóis que há no Largo do Carmo. Descemos e ficámos ali.. Na nossa reportagem ouvem-se quatro vozes - nós os três e o Luís Pereira de Sousa, que foi depois uma grande figura da RTP e que andava lá a fazer reportagem. Penso que ele era correspondente de uma rádio da África do Sul.
Há por ali mais rádios. Entrevistam alguém de uma rádio dinamarquesa.
Sim, há um dinamarquês e há ele [Pereira de Sousa]. E evidentemente estava o Rádio Clube Português e o grande repórter que foi - que pena ele ter-nos deixado tão cedo - o Alfredo Alvela.
Enquanto nós estávamos a 100 metros da Rádio Renascença, onde uma namorada polaca do Pedro Laranjeira ia levar e trazer bobinas, o repórter do Rádio Clube Português tinha a outra maneira que, aliás, sempre foi usada por repórteres sempre que possível, que é ir a uma cabine telefónica ou a casa das pessoas.
Ele fez as dois coisas. Ia à cabina telefónica, mas, a certa altura, já não tinha moedas ou ia à casa das pessoas por onde tinham também entrado militares, que ficavam em frente ao quartel-general. No caso da cabine, falava três minutos ou coisa assim, porque depois já não tinha mais moedas. O problema das casas é que não tinham o telefone junto da janela, não havia telemóveis e ele não podia estar lá muito tempo, porque não estava a ver o que é que se estava a passar. E podia passar-se qualquer coisa a qualquer momento.
Maia conta:
- Um!
Devem ter passado dois ou três minutos.
- Dois!
E aí, na nossa gravação, a essa altura, num silêncio absoluto, ouve-se a voz que reconheço obviamente do Paulo Coelho, que, assim como um miúdo, tinha ele 20 anos, diz assim:
- Tá-Tá-Tá-Tá !
Estava-se à espera, eles iam começar e ele:
- Tá-Tá-Tá-Tá !
Quando nós saímos finalmente e acaba essa tensão - que foi terrível - descobrimos que, com aquele medo, tínhamos ido para a casa de banho das senhoras e não dos cavalheiros.
E temos o Povo
Havia um lugar para os jornalistas? Porque estavam na primeira linha, protegidos e a população estava no largo do Carmo.
Eu até digo, a certa altura, que nunca estive em nenhum golpe de Estado em que os jornalistas fossem tão bem tratados.
O Maia de vez em quando quase vai perguntar: ‘precisam de alguma coisa?’. Disponibilizaram carros para nós lá estarmos a ver as coisas! É uma coisa extraordinária. Era como se estivéssemos a assistir - como, aliás, eu começo por dizer - a um espetáculo, de tal maneira que as pessoas já no final, e como eles nunca mais se rendiam, diziam assim:
- Está na hora! Está na hora!
É também ao microfone do “Limite” e, portanto, da Rádio Renascença, que se diz aquilo que considero ser a entrada do povo no golpe de Estado, transformando-o numa espécie de processo revolucionário.
Isso dá-se entre as 12h30 e as 13h00. Eles devem ter chegado ao Largo do Carmo pelo meio-dia, dispuseram os carros, o material e os homens. Agora aqui eu já era jornalista e já tratava Maia como “capitão Salgueiro Maia”. Andávamos atrás dele, mas ele primeiro tinha que resolver aquele problema.
A certa altura, aparece ao pé de nós. Põe a G3 de cano para baixo, a tiracolo:
- Então, meus senhores, façam favor de fazer perguntas.