Game of Thrones

Com o adeus ao "Game of Thrones", Monsanto diz olá aos turistas

12 nov, 2021 - 10:34 • Fábio Monteiro

Moradores de Monsanto não gostaram da experiência das filmagens da prequela de "Guerra dos Tronos" e duvidam que a série traga uma nova torrente de turistas à aldeia. Mas eles já andam por aí.

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Como libelinhas metálicas atarefadas e carregadas, nas últimas semanas de outubro, foram muitos os helicópteros que cruzaram os ares entre as aldeias de Penha Garcia e de Monsanto, no concelho de Idanha-a-Nova. Depois, durante cinco dias, houve uma pausa. Mas agora o cirandar das libelinhas retomou - levando a carga no sentido inverso.

As filmagens em Monsanto de “A Casa do Dragão”, prequela da série “Guerra dos Tronos” (GoT), terminaram na terça-feira, 3 de novembro; todos os vestígios de quem por ali passou, os cenários montados no castelo, irão sumir-se a título definitivo até 13 de novembro. Só em 2022, quando (em princípio) a série estrear, é que se saberá o que por ali foi filmado.

Durante a última semana de outubro, dezenas de figurantes portugueses – voluntários da aldeia e redondezas – treparam a povoação inclinada, pejada de barrocos graníticos, rumo ao castelo. Mas nenhum está disposto a partilhar ao que assistiu, o que foi dito a quem esteve presente, por motivos óbvios: assinaram contratos com cláusulas de confidencialidade. “Ninguém quer levar com um processo da HBO [canal de televisão por assinatura que detém os direitos de transmissão da série]”, confessa um dos figurantes à Renascença.

Nem os moradores da aldeia puseram olho em “alguma coisa” do que se passou na fortificação, conta Augusta Mateus, 77 anos. A idosa, que encontrámos à porta de casa, numa das laterais da rua da Igreja, diz que neste momento, acima de tudo, está contente pela “confusão” ter terminado. “Prometeram que não iam incomodar a população. Mas, afinal, ficámos com ruas interrompidas. Foi uma complicação desgraçada, a gente queria passar e não podia”, queixa-se.

Antes das filmagens, foi vendida aos moradores uma ideia: à imagem do que tem sucedido noutros locais onde foi filmada a série GoT, virá aí uma nova torrente de turistas. O transtorno que enfrentaram durante as últimas semanas, porém, deixou-os de pé atrás.

“Estes dias foi pior, não tínhamos ninguém”, diz António Beatriz. O homem, de 59 anos, explora o café "O Baluarte”, situado logo à entrada de Monsanto, há mais de uma década.

Com a estrada cortada na povoação da Relva, que fica a cerca de dois quilómetros de Monsanto, foram poucos os turistas que ousaram subir à aldeia. “Eles tinham tudo cortado. Os guardas diziam aos turistas que tinham que vir a pé. Chegaram a vir pessoas aqui pedir um número de táxi para ir para baixo. Isto não se faz”, diz António.

O filho de Augusta Mateus, que explora o restaurante panorâmico “O Cruzeiro”, que fica na estrada que liga a povoação da Relva a Monsanto, também foi afetado. “No domingo, fui ajudar o meu filho. Havia marcações para almoços, mas eles [polícia e membros das filmagens] não deixavam passar as pessoas para cima”, conta a mãe.

O descontentamento de António e Augusta é visível. E o ceticismo com a ideia de que a série possa acrescentar algo de novo à mitologia da povoação também. “Não se vai notar muito. Se nós já temos muito turismo, se a gente já tem muito turismo, não se vai a notar muito. Dez ou 20 mil que a gente tenha, se vêm mais quatro ou cinco mil, praticamente não se vai notar”, afirma António.

Augusta Mateus repete a mesma ideia: “Para Monsanto, isto não trouxe nada. Monsanto já tem muita divulgação. Se alguém beneficia disto, não são os residentes.”

Pelo menos ao nível de emprego, Augusta terá razão. A equipa da série ficou hospedada em Monsanto, mas a restante equipa de filmagens ficou espalhada em diferentes locais pela região beirã: uns no Fundão, outros em Penamacor e outros tantos nas Termas de Monfortinho. Na sua maioria, cidadãos espanhóis e ingleses. “Nem as empresas que vinham trazer as refeições eram portuguesas. Eu via pela matrícula: eram espanholas”, diz António Beatriz.

Quem quer saber de dragões?

Se uma parte (não assim tão pouco significativa) do mundo quer saber de narrativas televisivas com dragões, os moradores de Monsanto não parecem fazer parte desse grupo. “Não ligo àqueles filmes. Aquilo é só ficção. Nada daqueles dragões existem”, comenta António Beatriz, o dono do café “Baluarte”. Por alguns segundos, faz uma pausa para pensar. Depois, acrescenta: “Dragões. Onde é que você já viu dragões?”

Augusta Mateus também nunca ouviu falar da série GoT. “Não sei do que trata ou do que representa”, diz.

Perto da Igreja de São Salvador, encontrámos Zinoviy Klimco. O pintor e ilustrador ucraniano, radicado em Portugal há mais de duas décadas, tem uma casa que anda a recuperar em Monsanto. E também nunca ouviu falar da GoT nem da prequela “Casa do Dragão”. Em todo o caso, compreende que “será uma grande publicidade. Não terá impacto só em Portugal, mas também fora”.

Há muitos anos, em Mafra, onde também tem casa, Zinoviy participou como figurante num filme sobre a vida de Napoleão Bonaparte. Desta feita, porém, não quis participar. O seu temperamento é pouco dado a “fantasias”, aprecia muito mais o mundo concreto. “Conheço figurantes que participaram. Corriam todo o dia para cima e para baixo”, conta.

Enquanto artista, pinta na maioria das vezes paisagens, representações do real; não acrescenta elementos imaginários. À Renascença, mostra um quadro que pintou recentemente; o único acrescento é uma mulher vestida “à antiga”.

Para o artista, dragões não condizem com Monsanto. A aldeia já tem elementos mitológicos próprios que cheguem. Por exemplo, “a gruta”, a cavidade entre dois gigantescos penedos no meio da aldeia. Aí, consegue imaginar uma série de pinturas. Algumas concretas, “representações religiosas”, outras “mais picantes”.

Até 2022

Maria Gabriel, 90 anos, está sentada atrás da caixa registadora da sua mercearia. Tal como António e Augusta, a idosa, nascida e criada em Monsanto, não guarda dos dias das filmagens da “Casa do Dragão” boas memórias: viu muita gente passar, mas ninguém entrou. “Tenho tido um prejuízo que é uma coisa louca.”

A comerciante recorda um tempo “lá atrás”, em que havia fila para entrar no seu estabelecimento. “Agora há dias que nada. A gente tem contribuições para pagar e nada.” Longe também vão os dias em que se cruzava diariamente com “pessoas de todo o mundo”. “Tenho prendas da Turquia. Pessoas que vinham cá ver-me e traziam de propósito”, conta.

Durante a conversa, Maria chama o filho Zé, 66 anos, para “dar uma palavra”. Apesar de nunca ter assistido à série, o engenheiro reformado conhece os livros que lhe deram origem. E diz: “Pode ser uma mais-valia. Chamar pessoas.”

No sopé do caminho que vai dar ao castelo ainda há estruturas das filmagens montadas. Logo ao lado, está um segurança a bloquear a passagem a estranhos à produção; a todo o momento, passam tratores para transportar equipamento.

O segurança está à conversa – de forma cordial e informal – com a Renascença, quando aparece um casal de jovens, que quer subir ao castelo.

Sophia e Finley vieram do Canadá, mais precisamente da cidade de Quebec, para Portugal passar férias. “Procuramos um destino seguro, por causa do vírus, e percebemos que aqui a taxa de vacinação era muito alta”, conta Sophia.

Quando o casal soube que andavam a filmar a prequela de GoT em Monsanto, decidiu rumar ao interior do país. Vieram de propósito? “Sim”, respondem, em uníssono.

Estão com está com azar: ainda não se pode visitar o castelo. Mas a partir de 13 de novembro, talvez existam cada vez mais turistas como eles.

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