Graça Franco

Ou erradicamos o pântano ou nos atolamos nele

02 dez, 2014

Precisamos de Esperança e Confiança. Dois valores que não se fixam por decreto (desta ou outra maioria). Apenas se recuperam se soubermos aproveitar o potencial regenerador dos momentos da crise.

Saí de Portugal, em pleno “boom” económico, levando comigo quatro filhos. Regressei, anos mais tarde, com cinco, a um país de “tanga”. Sou prova de que nem sempre a emigração é má, forçada ou para sempre. Precisamos de mais portugueses com experiência e vivência internacional mas isso não nos deve impedir de reconhecer, nos dados do INE, um alerta vermelho sobre o nosso futuro.

Somos menos, mais pobres, mais velhos, e maioritariamente desqualificados. Ou damos a volta a isto rapidamente ou o “definhamento”, com que tanto nos ameaçava o saudoso professor Ernâni Lopes, deixará de ser uma mera hipótese académica para se impor como realidade irreversível.

Sabíamos que estávamos mais pobres. Mas um agravamento, de 3,7 pontos, num só ano, na taxa de privação material (a percentagem de pessoas que num dado período viviam em agregados em que se verificava a falta de pelo menos três dos nove itens de privação por motivos económicos) com mais de um quarto da população nacional atingida, em cheio, por este tipo de pobreza não pode deixar-nos indiferentes. Para os idosos, há boas notícias. Mas uma em cada três crianças continua atingida pela pobreza infantil o que é suficiente para nos tirar o sono.

O crescente de desigualdade (uma das mais altas da Europa) com os 20% mais ricos a exibirem, em média, rendimentos seis vezes superiores à média dos 20 por cento pobres faz do nosso tecido social uma pequena panela de pressão.

Por outro lado, a população encolheu meio milhão só nos últimos 15 anos. Fruto do aumento da emigração e da redução do número de imigrantes. Em 2013 quase cinco mil regressaram às origens ou buscaram novo porto de abrigo. Somaram-se-lhes 116 mil portugueses que abandonaram o país lembrando as vagas dos anos sessenta (para a Suíça outra vez, e/ou para novos/velhos destinos como Angola). Quase a totalidade dos que saíram eram jovens.

Resultado? Por cada 100 jovens que ficaram temos agora 136 idosos o que constitui a principal ameaça à sustentabilidade futura da Segurança Social.

A saída de imigrantes, que nos últimos anos asseguraram uma percentagem já significativa dos bebés nascidos no país, reduziu também drasticamente a nossa capacidade de renovação geracional. Em 2013 nasceram menos de 83 mil bebés o que representa o valor mais baixo de que há registo (menos 20 mil do que em 2010).

O anuário estatístico do INE mostra ainda o peso das alterações culturais revelado no padrão consistente de adiamento do nascimento dos primeiros filhos. Nos anos 90 a idade média de mãe e pai era de 24/26 anos, passando para 30/32 na actualidade. Um factor que constitui um travão adicional à constituição de famílias alargadas. Somos cada vez mais um país de filhos únicos.

As razões subjacentes ao adiamento da maternidade / paternidade são múltiplas e dificilmente reversíveis. A precarização crescente das relações laborais, a dificuldade óbvia de conciliação trabalho família explica uma grande parte deste fenómeno, mas há também razões mais profundas como a crescente valorização do “eu” em detrimento do “nós”, e a desvalorização dos filhos enquanto factor de satisfação e realização pessoal por contraponto a uma responsabilização exacerbada sobre o bem-estar da respectiva descendência. Resultado: o país “sobrante” está cada vez mais velho.

Por último ao mais de meio milhão de desempregados de longa duração soma-se a perda de mais de 700 mil postos de trabalho desde 2008 e a dificuldade de dar a volta à crise e ganhar competitividade com uma população trabalhadora envelhecida e muito mais desqualificada do que nos nossos concorrentes.

Em média, mais de 80% da população trabalhadora dos nossos parceiros tem o ensino secundário ou uma licenciatura. Por cá, apenas 46% tem essa formação. Mais de metade dos nossos trabalhadores tem apenas o ensino básico. Isto apesar dos passos de gigante dados, na última década, na qualificação da nossa população em praticamente todos os graus de ensino. Não chega.

Não tinha razão a chanceler alemã quando afirmou que países como Portugal “ tem licenciados a mais”. Não temos. Apesar dos nossos progressos temos ainda apenas 22% na nossa força laboral com formação superior (dez pontos abaixo da média).

Neste quadro não preocupa apenas a saída dos jovens depois do investimento brutal feito na respectiva formação. Dramático é não termos a garantia de, em tempo útil, ser capazes de tornar atractivo o bilhete de regresso.

Para isso precisamos de Esperança e Confiança. Dois valores que não se fixam por decreto (desta ou outra maioria). Apenas se recuperam se soubermos aproveitar o potencial regenerador dos momentos da crise e confusão profunda com que nos debatemos para erradicar o “pântano” em vez de nos atolarmos nele. Se o conseguirmos estaremos a tempo de recuperar os nossos netos.