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O seu filho já só pensa em jogos? Saiba o que diz um especialista em dependências

21 set, 2020 - 10:53 • Marta Grosso , Miguel Coelho (entrevista)

É para a dependência que caminham muitos jovens portugueses. Quem o admite é Pedro Hubert, psicólogo e especialista em dependências, que nas Três da Manhã alertou para a importância de criar “limites, limites, limites”.

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O uso excessivo que os mais novos fazem do telemóvel e do computador preocupa a maioria dos pais. Não há dados estatísticos relativos aos últimos meses, mas o psicólogo Pedro Hubert afirma que “houve um aumento muito grande” de pedidos de ajuda.

O período de confinamento veio acentuar a atração pelos ecrãs – “sobretudo do 'gaming, mas também das redes sociais – e tornou-a mais evidente aos pais que ficaram em casa a trabalhar.

À Renascença, aquele técnico em aconselhamento de dependências admite que a situação é delicada e deixa dicas para a controlar. Pedro Hubert diz ainda que 99% dos jovens não admitem problemas nem qualquer tipo de tratamento.

Leia a entrevista.


São os nossos jovens viciados em tecnologia?

Se não são, muitas vezes estão naquele patamar anterior que é o abuso. O problema é que para lá caminham muitos.

Em que é que se traduz o exagero? Quando começa a ser preocupante?

A característica principal é quando perdem o interesse por outras coisas, ou seja, vão perdendo o interesse total por quase tudo e começam a passar muitas horas ao ecrã.

Se não podem jogar ficam irritados, deprimidos, fazem birras, partem coisas, às vezes há agressão mesmo física.

Depois, a cada mês que passa, as horas vão aumentando, vai havendo perda de controlo, quando começam não conseguem parar.

Se formos a ver e olharmos para uma grande parte dos nossos adolescentes/crianças, já preenchem estes critérios quase de dependência. Mas se isto se arrastar por seis meses/um ano já se pode falar de dependência.

Tem tido mais casos neste último meio ano?

Sim, tanto ao nível do jogo a dinheiro, mas sobretudo ao nível do 'gaming', porque os pais tomaram mais consciência, como estiveram mais em casa, da quantidade de tempo que os filhos estavam nos jogos e da intensidade da relação que estabeleciam com o jogo e aí começaram a perceber que deviam pedir ajuda.

Recorreram às consultas e a informações: como hão-se pôr limites, se hão-de proibir, se hão-de tirar.

Claramente, houve um aumento muito grande, sobretudo do 'gaming, mas também das redes sociais. Às vezes, não são só os videojogos, é tudo o que está à volta – os fóruns, tweets, tudo o que está à volta.

Isso a partir de que idades?

Temos tido muitas vezes com 10/11 anos, com os pais com grandes dificuldades em gerir os comportamentos dos filhos.

Claro que aqui a responsabilidade é repartida, porque há que saber meter os limites, há que saber também dar outros interesses aos filhos, porque o grande problema aqui – como no das dependências e das pessoas que têm um problema com a dopamina – é que a pouco e pouco só vai havendo um interesse na vida e só aprendem a ter prazer daquela atividade. Tudo o resto passa a ser uma chatice.

Pode dar-nos um exemplo de algum paciente?

Posso falar de um rapaz com 13 para 14 anos, que tem tido problemas com a Google, a Apple, etc, e até tinha boas notas. É o clássico, começar a ter menos boas notas. Deixou de ir à música, deixou de fazer ténis, começou a dizer que não queria ir, a inventar coisas.

Até durante as aulas era apanhado e acabou a atirar o teclado, não diretamente à mãe, mas quase. Muitas vezes são famílias monoparentais em que, por culpabilidade, os pais e as mães vão deixando os miúdos a jogar horas e horas.

Baixaram os resultados escolares, os conflitos familiares, a ausência de verbalização – a pessoa dizia que parecia que tinha um estranho em casa, que não reconhecia o filho. E ele não tinha 14 anos ainda.

Uma curiosidade é que 99% destes jovens não querem de todo qualquer tipo de tratamento e, às vezes, é difícil fazer-lhes perceber os valores importantes do trabalho, da autonomia. Só ao fim de algumas sessões é que conseguimos motivá-los verdadeiramente.

No longo prazo, que consequências pode ter?

Eu comecei a trabalhar nas dependências com pessoas com problemas de heroína e cocaína, de substâncias e álcool e vi situações verdadeiramente dramáticas.

As situações que mais me impressionam foram os jovens com 30 anos, que nunca trabalharam, numa estudaram, que conseguiam intimidar, manipular, mentir a situação em casa e pessoas com problemas de depressão e ansiedade enormes, com dificuldades na verbalização, na linguagem, na expressão de sentimentos.

Ou seja, pessoas cuja própria recuperação em termos de se tornarem pessoas funcionais é francamente difícil, porque estão tão encalhados, têm muitos medos e dificuldade em desenvolver competências psicossociais que lhes permitam ser autónomos e ter um projeto de vida que lhes permita funcionar melhor.

Que dicas pode deixar para pais com crianças já com sinais de dependência?

Eu centrava-me em duas áreas. Sou um bocado contra o proibir, mas definir limites. Limites, limites, limites. Podem jogar uma hora e é isto que podem jogar. Nem é tanto o jogar, é estar no ecrã, porque muitas vezes são as redes sociais e outras atividades ligadas ao ecrã.

Têm um determinado tipo de horas e é isto que têm e há consequências positivas e negativas em função do cumprimento. Responsabilizá-los e ensiná-los a gerir a outra coisa.

A outra parte é descentrar: nunca deixar que eles só tenham aquela atividade. Eles têm de ter outras e podem escolher – ténis ou modelismo, música ou outra.

Os pais têm essa responsabilidade de lhes proporcionar outras atividades donde eles possam aprender a retirar prazer em vez de ter só aquelas donde, depois, vão potencialmente desenvolver a dependência.

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