10 mai, 2020 - 07:10 • Inês Braga Sampaio
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Além de catalisador de problemas como ansiedade e depressão, o confinamento obrigatório, medida restritiva de contenção da pandemia do novo coronavírus, foi contexto propício ao desenvolvimento de comportamentos aditivos, de acordo com o psicólogo João Nuno Faria, que suspeita que vários casos de risco evoluíram, "muito provavelmente", para dependência dos videojogos.
Em declarações à Renascença, o especialista em tratamento de perturbações associadas à utilização da internet e telecomunicações reconhece que o estado de emergência "veio agravar casos que já eram de risco ou de perigo relativamente às adições" aos videojogos.
"Nestes casos, sem dúvida alguma que irá haver um aumento da patologia em si. Nos casos que já eram problemáticos, os casos de perigo, adensa-se o perigo em si e aqueles casos que tinham algum potencial para se tornarem casos de dependência, muito provavelmente, tornar-se-ão casos de dependência, dadas as questões de confinamento e a acessibilidade às consolas e aos computadores", sustenta.
A 18 de junho de 2018, a Organização Mundial de Saúde reconheceu o vício em jogos de vídeo e "online" como uma perturbação de saúde mental.
Em março de 2019, um estudo feito pela Cuf Descobertas, publicado na revista "Acta Médica Portuguesa", concluiu que um terço das crianças corre risco de dependência dos videojogos.
João Nuno Faria explica que a adição aos videojogos está dependente de dois grandes fatores: a possibilidade que se tem de jogar mais ou menos videojogos e o número de atividades alternativas que a criança, jovem ou adulto tem no dia a dia.
Ou seja, quanto menor a acessibilidade ao dispositivo – computador, consola, "smartphone" ou "tablet" – e maior o número de atividades alternativas, menor o risco de adição.
"Qual é que está a ser o maior desafio deste confinamento? Maior acessibilidade aos dispositivos eletrónicos, isto é, maior disponibilidade para se estar a jogar, e menor possibilidade de se envolver em atividades alternativas", diz.
"Estas são as duas medidas que podiam ser as mais preventivas de todas. Na impossibilidade, é muito expectável que haja um acrescido desenvolvimento de casos de adição para aqueles indivíduos mais vulneráveis", reforça o psicólogo clínico.
Nalgumas situações mais extremas, os amantes de vi(...)
Embora a prevenção seja bastante mais complicada, durante a pandemia do novo coronavírus, não é impossível. Quanto à ação dos pais, uma das medidas mais importantes, nesta altura, é tentar "manter o máximo possível as rotinas que se tinham antes do confinamento".
"Hora de acordar mais ou menos aproximada, cumprimento dos horários escolares durante os quais não existe atividade eletrónica, portanto, dedicação exclusiva às aulas, e, quando termina o período letivo ou nos fins de semana, terem muita atenção relativamente às atividades dos filhos", alerta.
João Nuno Faria, anota, ainda, "recomendações muito importantes: não é obrigatório jogar-se todos os dias, portanto, não fazer do jogo em si uma rotina para que não se torne um hábito e não venha a tornar-se uma adição. Os pais podem aplicar controlos e filtros parentais, de modo a monitorizarem a utilização das tecnologias dos seus filhos", aconselha.
Nesta entrevista à Renascença, o psicólogo realça que os pais podem "envolver-se nos jogos dos filhos e perceber qual é a importância que os jogos têm e que papel assumem na vida da criança".
"Também poderão ser criativos e encontrar formas alternativas de as crianças e os jovens se divertirem, envolver-se nos passatempos, para que os videojogos não sejam a resposta exclusiva", assinala.
Quando são jovens ou adultos que estão em risco de desenvolver adição aos videojogos, a autonomia é, naturalmente, maior. No entanto, também o é a responsabilidade pessoal, salienta o especialista: "Os próprios devem ser os agentes ativos na aplicação das medidas."
Entre as possíveis medidas, estão "um cumprimento o mais rigoroso possível da utilização da tecnologia para fins de trabalho ou letivos", evitar que o videojogo seja o único entretenimento ou utilizar aplicações de monitorização do tempo de uso de determinadas aplicações, "nomeadamente aplicações de jogo ou redes sociais".
O confinamento obrigatório levou a que muitos se v(...)
Apesar do perigo de vício, os videojogos não são uma forma de entretenimento necessariamente prejudicial. Os benefícios estão catalogados, são vários e traduzem-se num "potencial positivo de desenvolvimento absolutamente extraordinário".
"Do ponto de vista cognitivo, é muito útil: trabalha muito a criatividade, perceção, coordenação olho-mão, entre outros aspetos. É uma fonte de regulação das emoções: é permitido expressar certas emoções dentro de um determinado contexto, sem que sejam exageradas ou provoquem danos a outros. Também há muita motricidade específica envolvida, quando se joga determinado videojogo", detalha João Nuno Faria.
No contexto do isolamento social, os videojogos podem ser veículo para interações sociais que, de outro modo, seriam impossíveis:
"Da experiência que tenho tido com os jovens, é muito através deste meio que eles se sentem confortáveis para comunicarem sinceramente uns com os outros. Parece que é necessária a existência de uma determinada atividade, de um determinado momento coletivo, para os jovens se sentirem confortáveis e não só discutirem um jogo em si, mas também partilharem vários aspetos no seu dia a dia, muito à semelhança do intervalo um jogo de futebol ou uma ida à praia."
João Nuno Faria aponta que o videojogo "também é um meio seguro para as pessoas ficarem em casa e evitarem risco de contágio".
Além disso, o videojogo devolve às pessoas uma sensação de controlo sobre os acontecimentos que, com a pandemia, foi perdida em larga escala. "É ótimo para as pessoas terem um momento de lazer em que se sintam verdadeiramente envolvidas, fortemente ativas e responsáveis por aquilo que fazem, muito autónomas na sua gestão do jogo".
"E, por vezes, sentirem-se muito competentes, com a noção de que estão a avançar no videojogo, dando uma sensação de competência essencial ao ser humano", destaca o psicólogo, em entrevista à Renascença.