07 set, 2022 - 20:43 • Ângela Roque
O ‘Relatório de Portugal’ para a Assembleia do Sínodo dos Bispos sobre a Sinodalidade – que vai decorrer em outubro de 2023 – é uma síntese nacional do trabalho que nos últimos meses passou pelas paróquias e movimentos de todo o país. Em cada diocese foi elaborado um documento resumo com o contributo dos católicos que participaram neste processo inédito de consulta, mas o documento que a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) preparou, e que divulgou a 26 de agosto, tem vindo a ser contestado.
Sublinhando que “a forma e o conteúdo da síntese nacional causaram perplexidade”, com “muitos católicos” a manifestarem que não se reveem no resultado divulgado, dois sacerdotes do Patriarcado de Lisboa – o padre Duarte da Cunha, da paróquia de Santa Joana Princesa, e o padre Ricardo Figueiredo, pároco de Óbidos – elaboraram o documento “Uma outra perspetiva da Igreja em Portugal”, que sintetiza, ao longo de 31 pontos, a forma como decorreu o processo de recolha de informação, a apresentação dos resultados e as propostas de mudança.
“Pretendemos, em espírito sinodal e com fraterna liberdade, discordar da forma e até do conteúdo do ‘Relatório de Portugal’ apresentado pela equipa sinodal da Conferência Episcopal Portuguesa, porque francamente nos pareceu que não faz justiça ao que as dioceses disseram”, afirmam os dois responsáveis que têm funções relevantes na diocese de Lisboa: o padre Ricardo Figueiredo integra o Secretariado Permanente do Conselho Presbiteral e Duarte da Cunha é o responsável pela Pastoral Familiar e pela área do acolhimento e voluntariado na estrutura da JMJ Lisboa 2023.
“Propomos uma perspetiva diferente a respeito da Igreja em Portugal. Como é dito a respeito das sínteses diocesanas no material enviado pelo secretariado romano para o Sínodo dos Bispos, acreditamos que também este relatório pode ser usado ‘como pedra de toque para o percurso’ que, enquanto discípulos missionários de Cristo, somos chamados a percorrer na Igreja em Portugal”, lê-se ainda no documento, que “foi enviado a todos os Bispos da Conferência Episcopal Portuguesa”.
Em declarações à Renascença, o padre Duarte da Cunha avança que "muitos bispos agradeceram e chamaram ao nosso trabalho um trabalho de sinodalidade. Também há aqui um dever de participação de todos durante todo o processo. É um proceso sinodal", sublinha. Garante que não têm a "pretenção de ser alternativa, no sentido oficial", mas admite que gostava que "revissem um bocadinho o relatório". E dá como exemplo o que aconteceu em França, onde os prelados "escreveram um documento depois da síntese final. Mas, não faço ideia se em Portugal estão a pensar fazer alguma coisa".
Para o padre Duarte as críticas não têm de ser vistas de forma negativa. "Pode parecer que estamos a criticar estes ou aqueles, poderá haver umas iniciativas mais críticas e irritadas do que outras, não foi o nosso caso. Mas, não creio que seja negativo, antes pelo contrário. Algumas destas iniciativas já tiveram contrarespostas e há um debate. Acho que isso tambem é o positivo deste caminho sinodal", sublinha.
Com o relatório síntese da CEP encerrou-se a fase diocesana de preparação para o Sínodo sobre a Sinodalidade, marcado para outubro de 2023, seguindo-se agora a fase continental.
O relatório elaborado pela CEP foi também criticado, nos últimos dias, por um grupo de jovens de várias dioceses. São mais de 60 os que assinam a ‘Carta de Jovens aos bispos portugueses’, com data de 3 de setembro, e que foi enviada à Conferência Episcopal e ao Núncio Apostólico em Lisboa.
Os jovens dizem que não se reveem na síntese divulgada. Para além de contestarem a metodologia usada, lamentam a “linguagem dúbia” do documento, onde a Igreja “parece ser vista como uma mera organização social e não como uma realidade sacramental”.
“Sentimo-nos profundamente interpelados pelo pendor negativista e pela duvidosa generalização de algumas conclusões”, lê-se na carta, que considera que o relatório da CEP “apresenta uma visão bastante parcial da realidade”, ao não ter em conta a experiência de muitos jovens, por exemplo, nos Núcleos de Estudantes Católicos (NEC), na Missão País, nas “centenas de Campos de Férias Católicos”, ou nos “inúmeros grupos de voluntariado”, onde, “em ambientes nem sempre católicos dão testemunho de fé”.
Ouvido pela Renascença, João Paulo Vieira, um dos promotores e signatários da carta, critica o conteúdo do relatório e o próprio processo de consulta, porque "passa a ideia errada de que a Igreja é um sistema parlamentar onde é possível haver uma visão referendarista, e não e é verdade. A doutrina e a fé não são referendáveis". Na sua opinião "isto causou dúvidas nas pessoas e bastante confusão".
Para este jovem da diocese de Coimbra "temos de ter em conta o condicionalismo mediático de algumas questões. E não podemos ser ingénuos ao ponto de estar a criar expectativas nas pessoas que depois acabam frustradas. Há aqui uma falta de sensibilidade para com a questão da verdade. Criar essas expectativas pode levar os fiéis a terem uma percepção errada daquilo que é um processo sinodal".
No
início do mês uma Carta Aberta - subscrita, entre outros, pelo padre
Gonçalo Portocarrero de Almada, pelo economista Bagão Félix e pelo
médico João Paulo Malta – também contestou publicamente o
relatório, nomeadamente o seu “carácter sociológico”, que dizem alinhar
“com o pensamento politicamente correto”.
“É descabido que um documento eclesial utilize uma nomenclatura ideológica sem qualquer fundamento científico, como é o termo ‘expressões de género (grupo LGBTQi+)’ ”, refere a Carta, que considera ainda “preocupante” que o relatório dê a entender que é pelo facto de a Igreja ser “espiritual” que é “humanamente pouco inclusiva e acolhedora”.
O ‘Relatório de Portugal’ defende uma Igreja “de portas abertas”, que “abrace e acolha todos”, excluindo “atitudes discriminatórias” em relação à comunidade homossexual e aos divorciados recasados.
O texto fala de uma Igreja que tem “dificuldade em fazer caminho com os jovens”, com uma “mentalidade retrógrada e desajustada dos tempos em que vivemos”, e que mantém “uma atitude demasiado hierárquica, clerical, corporativa, pouco transparente e resistente à mudança”, e “em declínio social no que respeita à sua reputação e relevância”.
Contactado pela Renascença, o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa remeteu uma eventual reação às críticas ao relatório para o Conselho Permanente da CEP, na próxima semana.