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A liberdade ou a vida? Sobrinho Simões admite que a pandemia "não deixou alternativa aos idosos"

27 mai, 2022 - 06:44 • André Rodrigues

Os números iniciais da mortalidade diretamente relacionada com a Covid-19 entre a população idosa levaram a sociedade a acelerar as medidas de isolamento. Na maior parte dos casos para proteger vidas, mas o tempo suspenso pela pandemia foram dias a menos entre pais e filhos, avós e netos. "Quando comparo os meus filhos com os meus netos, sinto os meus netos já têm alguma perda de empatia". A pandemia piorou tudo isso.

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A pandemia pode ter sido o pretexto para retirar liberdade e margem de decisão aos mais velhos. A hipótese é avançada pelo médico patologista Manuel Sobrinho Simões.

Num país onde mais de dois terços dos idosos vivem na solidão, o diretor do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP) reconhece, em declarações à Renascença, que os sucessivos confinamentos agravaram o quadro de vulnerabilidade dos idosos, muito por culpa das restrições absolutas impostas pelos confinamentos, sem que tenha havido a preocupação, sobretudo por partes de filhos e netos, de explicar aos seus idosos a necessidade de ficar em casa por força da ameaça da Covid-19.

“Houve pessoas que se comportaram de uma maneira que eu penso que foi desadequada. Em termos de isolamento das pessoas mais velhas, muitas vezes foi por egoísmo e por outras razões. E pior do que isso: a pandemia não deixou alternativa aos idosos, muitas vezes por bem, para que a pessoa não se infete ou para que a pessoa não morra”, constata Sobrinho Simões.

Os números iniciais da mortalidade diretamente relacionada com a Covid-19 entre a população idosa levaram a sociedade a acelerar as medidas de isolamento, “ainda que por bem, mas é uma estupidez porque isto dá muito mal-estar”.

Contudo, este especialista lembra que, no início da pandemia “sabíamos muito pouco deste tipo de doença”.

Hoje, sabendo-se o que se sabe, Sobrinho Simões compara o confinamento português com a estratégia de imunidade de grupo seguida, por exemplo, na Suécia: “Não é líquido que o que a gente fez, que foi pôr as pessoas em condições de isolamento, tenha sido o mais adequado”.

Questionado sobre os riscos para a mortalidade, por contacto generalizado entre infetados, o diretor do IPATIMUP lembra que “no início, eles tiveram muita mortalidade, mas depois conseguiram recuperar”.

A idade foi, desde sempre, um dos principais fatores de risco associados à infeção por Covid-19, com perdas de vidas incomparavelmente mais elevadas do que noutros grupos etários mais jovens.

E se fosse ao contrário?

E se os grupos de risco fossem as crianças ou os adultos entre os 30 e os 50 anos? Teríamos confinado com as mesmas restrições? O especialista reconhece que há, na sociedade, “desequilíbrios que tornam [os idosos] mais frágeis e mais, no fundo, suscetíveis de serem manobrados”.

“Um adulto jovem tem um comportamento diferente perante uma ameaça do que uma pessoa mais velha. Agora, imaginemos que os mais suscetíveis eram as pessoas de 30 a 50 anos. Esses são os que são os produtores da riqueza. Imagine que eles tinham todos que ser postos de lado porque tinham sido infetados, ou porque corriam maior risco de morrerem por causa da doença”.

Teríamos, portanto, feito tudo de maneira diferente? Ainda que, com reservas, Sobrinho Simões admite que o curso da história da pandemia teria sido outro. Com os mais velhos em risco, o confinamento serviu salvar o maior número de vidas possível. Se fossem os mais novos a estar sob ameaça, provavelmente o mundo não teria parado de forma tão abrupta e ao mesmo tempo.

“Isto que se passou em relação às pessoas de muita idade foi o menos mau em relação àquilo que nós pensamos ser o que é natural”, diz

Tem tudo a ver com a formatação da sociedade, bem mais preparada para aceitar a morte dos mais velhos com dor, mas com naturalidade.

“Uma pessoa de noventa e tal anos de idade, nós toleramos muito melhor quando do que quando morre uma pessoa de 32 ou 16 anos… Se nós porventura tivéssemos alguma doença que tivesse consequência uma amputação de gente nova, isto era uma tragédia ainda mais do que a que já estamos a ter”.

É por isso que, ainda assim, Sobrinho Simões considera urgente resgatar a empatia que se perdeu em relação aos mais velhos, um problema que o isolamento motivado pela pandemia acabou por agravar.

“Nós temos tido cada vez mais falta de empatia, desde as crianças.

Eu sei que estamos a falar dos velhinhos de hoje, mas quando eu comparo os meus filhos com os meus netos, eu sinto que, dos meus netos para os meus filhos, os meus netos já têm alguma perda de empatia”, lamenta Sobrinho Simões.

O afastamento das famílias motivado pela pandemia “piorou muito isso”.

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