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Regresso a Casa. “Se não fosse este apoio muitos idosos já tinham morrido”

06 jun, 2022 - 06:40 • Ângela Roque

Projeto "Regresso a Casa" acompanha pós-alta hospitalar de quem vive sozinho. É uma iniciativa da Associação Mais Proximidade, que apoia a população idosa da Baixa de Lisboa, e procura novas fontes de financiamento.

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Reportagem sobre o projeto
Patrícia Silva e Rita Baptista do Projeto ‘Regresso a casa’ - ouça a reportagem

Irene Pereira tem 72 anos de idade e vive sozinha na zona do Intendente, em Lisboa. “Os meus pais já morreram, nunca tive irmãos. Vivo aqui há 58 anos”, conta à Renascença.

Em Outubro de 2021, uma queda mudou a vida de Irene Pereira. “Foi depois de descer da cama, já estava cá em baixo, dei uns passos e caí. Fraturei dois ossos na bacia e estou a tentar recuperar, mas é muito lenta a recuperação”, conta.

Irene já era apoiada pela Associação Mais Proximidade há quase dois anos, mas depois do acidente passou a ser uma das beneficiárias do projeto "Regresso a Casa", direcionado para os idosos quando recebem alta hospitalar.

Foi referenciada pelo próprio Hospital de S. José, onde foi assistida nas urgências, e agradece todo o acompanhamento que está a ter. “É a minha ligação com o mundo exterior. Antes tinha uma vizinha que me ajudava, depois deixou de poder ajudar, fiquei sem ninguém. Por isso este apoio é fundamental”.

“Eu ligo quando preciso, e sempre que é necessário vêm cá”, conta Irene que, sem retaguarda familiar e agora sem mobilidade, não conseguiria ir à fisioterapia sem ajuda.

"O grande foco do nosso trabalho é combater o isolamento dos idosos e a parte da saúde"

Rita Baptista é a técnica que lhe dá apoio regular. “Estou na associação desde final de janeiro e acompanho a D. Irene desde essa altura. O grande foco do nosso trabalho é, em primeiro lugar, combater a solidão e o isolamento dos idosos, com contactos telefónicos e visitas domiciliárias. A parte da saúde é todo o acompanhamento a consultas, à fisioterapia – vamos duas vezes por semana -, marcação de exames, compra de medicação. Fazemos todo esse trabalho, que neste caso a D. Irene, de forma autónoma, não consegue fazer”, explica à Renascença.

“É bom saber que o nosso trabalho muda a vida das pessoas”

Patrícia Silva é a coordenadora do projeto ‘Regresso a Casa’, criado em 2019, com financiamento da Fundação Gulbenkian, para dar resposta à necessidade crescente de apoiar a população idosa que fica ainda mais sozinha e frágil em situação de doença.

“Nos contactos com os assistentes sociais, e mesmo na preparação de planos pós-alta dos nossos utentes, iam-nos dizendo: ‘surgem situações aqui nas urgências que era tão bom ter o vosso acompanhamento’. Então criámos este projeto, que pretende dar resposta a um momento que é de particular fragilidade, que é o pós alta-hospitalar”, explica.

“Não é só facilitar a transição do hospital para casa, mas acompanhar depois os utentes. Sabemos que muitas vezes as altas vão sendo proteladas por questões sociais, e não há respostas. Nós prestamos apoio a vários níveis, seja no acompanhamento do utente do hospital até casa, seja na adaptação do seu domicílio.”

E exemplifica: “é preciso perceber se a pessoa tem uma cama articulada, se tem andarilho para se deslocar, ou se precisa de um poliban”. As situações são sinalizadas pelos serviços sociais do Centro Hospitalar de Lisboa Central, que inclui os hospitais de S. José, Capuchos e Santa Marta.

“É delineado um plano em conjunto, com os assistentes sociais e os médicos, para que a pessoa possa regressar a casa com conforto e com o devido acompanhamento”, segundo Patrícia Silva.

E o que fazem é valorizado pelos hospitais? Patrícia garante que sim, porque “sabem que fazemos um acompanhamento permanente, somos nós que falamos com os médicos, se for preciso pedimos receitas. Há uma rede alargada e um contacto direto com os médicos e com os serviços, de uma forma geral. Foi algo que foi sendo conquistado ao longo do tempo, mas tem corrido muito bem”.

No caso de Irene Pereira, a cama articulada que a associação lhe arranjou, e que foi montada na sala, foi outra ajuda muito importante. Rita Baptista explica que “é mais baixinha do que a que tinha, para a pouco a pouco conseguir ir dando uns passinhos e ganhando autonomia”.

Sentada num pequeno sofá, perto da nova cama, Irene não esconde a satisfação, porque não esquece a queda que deu: “quando penso na outra cama, é um terror que sinto, sempre com medo de cair”.

As visitas das técnicas a casa são sempre bem-vindas, mas há outro momento muito valorizado, que é quando o telefone toca. Rita diz que “há uma voluntária que lhe liga todas as semanas. Estão mais ou menos uma hora à conversa, falam como é que correu a semana, das preocupações e alegrias”.

Irene confirma que é um momento que aguarda sempre com expectativa. “A D. Graciosa é um doce, falamos sempre muito, excedemos o tempo normal! Seria meia hora, mas às vezes estamos quase hora e meia a falar!”, conta, com uma gargalhada.

Um trabalho "gratificante"

Patrícia Silva admite que o trabalho que fazem é exigente, mas recompensador. “É muito gratificante ver a evolução destes utentes, como é o caso da D. Irene, porque este é um momento de particular fragilidade, não só a nível de saúde. É um momento de mudança. Uma pessoa vai para o hospital porque partiu uma perna, e como é que vai regressar a casa? Pensa-se: ‘se eu antes fazia a minha vida sozinha, como é que vou passar a fazer agora com uma canadiana? Como é que se usa uma canadiana, eu nunca usei, nunca fui dependente!’. Mas esta adaptação, se for feita em conjunto, é muito mais fácil.”, sublinha.

Para Rita, “é bom saber” que o trabalho que fazem “muda a vida das pessoas, com pequenas coisas que fazem a diferença”. Já Irene Pereira não tem dúvidas: “se esta associação não existisse, muitos idosos já tinham morrido!”. O projeto já foi reconhecido com o Selo de Boas Práticas de Intervenção Social.

"O custo diário de uma pessoa apoiada é de aproximadamente 4,50 euros, o que é muito contrastante com os 317 euros que o Estado tem de gastar por dia com cada internamento social"

Ao todo nove técnicas e 40 voluntários asseguram o trabalho da associação Mais Proximidade no apoio a 120 idosos que vivem em situação de isolamento e solidão na Baixa de Lisboa, sobretudo na freguesia de Santa Maria Maior, mas também nas freguesias limítrofes.

Patrícia Silva diz que mais voluntários “são sempre bem-vindos”, mas a formação “é sempre obrigatória”, nomeadamente para quem se dispõe a fazer visitas aos utentes. “Estamos a visitar os idosos nos seus domicílios, naquilo que é o seu espaço, o que requer algum cuidado, atenção e regras de segurança”, sublinha.

Para além do voluntariado de proximidade, que assegura as visitas, mas também os contactos por telefone, é possível contribuir com voluntariado “mais técnico”, em que as pessoas ajudam nas suas áreas de formação (design, apoio jurídico, etc).

“A nossa missão é chegar a mais pessoas”

Mafalda Soure, presidente da direção da associação Mais Proximidade, sublinha a importância do projeto ‘Regresso a Casa’, que tem permitido dar alta a doentes que já não precisam de estar internados, libertando camas nos hospitais. São 24 os idosos que apoiam nestas circunstâncias, sem qualquer ajuda do Estado.

“O projeto tem um custo aproximado de 25 mil euros, para 24 utentes. O custo diário de uma pessoa apoiada é de aproximadamente 4,50 euros, o que é muito contrastante com os 317 euros que o Estado tem de gastar por dia com cada internamento social. Isto dá uma ideia do custo/beneficio deste projeto”, sublinha.

O apoio que prestam tem sido, até agora, gratuito, o que pode mudar em breve. Mas o pagamento, assegura, será sempre simbólico e de acordo com os rendimentos, e vão tentar ter ajuda da Segurança Social.

“A associação vive do apoio de mecenas, empresas, pessoas a título individual, prémios que ganha, candidaturas, e tem ainda um apoio da Câmara Municipal de Lisboa, do IFP, da própria Junta de Freguesia. São apoios estatais, que são renovados e repensados anualmente, e que eventualmente podem, de um ano para o outro, deixar de acontecer. Temos bem essa consciência, por isso estamos a pensar candidatar-nos a um acordo de cooperação com a Segurança Social, no âmbito do PROCOOP, que possa dar uma sustentabilidade mais sólida à associação, que nos permita crescer e acompanhar mais pessoas. É essa a nossa missão”, sublinha.

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